Os tradicionais festejos populares de Santa Eufémia, em Leiria, iniciam o ciclo anual de festas e romarias na região. Ainda com o eco dos coros de igreja a exultar os povos a gritar “aleluia! Cristo está vivo, Cristo ressuscitou”, o dia de Páscoa marca o arranque dos festejos profanos, dos concertos e dos bailaricos.
Nos meses seguintes, os festejos tradicionais em honra aos padroeiros de cada terra é uma espécie de aquecimento e de ensaio geral para a chegada de Agosto e dos emigrantes.
Eugénio Rodrigues Marto, 60 anos completados em Julho, emigrou para França em 1980. Antes de partir, ia “a todas as festas”. “Tocava acordeão nos bailes e nos casamentos e ia às festas de Santiago da Guarda e do Vale do Boi [Ansião], que eram as melhores”, recorda.
As “digressões” chegaram a levá-lo até Buarcos, na Figueira da Foz. Naquele tempo, em palco, estava só um tocador cuja missão era contagiar para o bailarico. “Era lindo. Havia a moda dos quatro e dos dois passos”, explica.
Os bailes das festas, conta, eram motivo para “beber uns copos” e conhecer meninas mais sensíveis ao charme do acordeonista. Eram lugar de encontros e de diversão. Hoje, porém, para o emigrante, sobra a melancolia da memória.
“Sempre que podemos, partimos mais cedo para vir ao Bodo. E depois destes anos sem a festa, por causa da pandemia, tínhamos de estar presentes. Já tinha saudades da procissão.” Paula Santos tem dupla nacionalidade, francesa e portuguesa.
Nasceu em França e vive, actualmente, em Bordéus. Os pais, naturais de Vermoil, habituaram-na a um ritual anual. Além das idas à praia do Cabedelo, do “salto às termas” do Agroal, dos inevitáveis casamentos, dos gelados de água num cone que se desfazia nas mãos, das bolas de Berlim crocantes, devoradas em dedos dourados de areia, das visitas à família na terra, o Bodo era paragem obrigatória.
“Ainda hoje, para mim, Agosto é um festival de Verão!”, resume Paula, agora com 41 anos. O Bodo, em Pombal, assinala a chegada em grande número dos emigrantes e dos seus descendentes, para engrossar as fileiras de quem vive o Verão em constante estado de festa, fim-de-semana sim, fim-de-semana também.
Sempre com os artistas populares, em surdina, reencontram-se amigos, argumento mais do que suficiente para um copo e conversa demorada.
Elisa Cochet, 22 anos, chegou de Lons le Saunier (França). É enfermeira e neta de emigrantes e, por isso, não é a saudade que a faz visitar Portugal todos os Verões, pois a complexidade desse elo escapa a quem é lusodescendente de segunda geração.
Contudo, garante, “não há nada assim em França”. E se não existe sentimento agridoce, a danças, a música, a animação e a oportunidade de sair com os primos são motivos mais do que suficientes para viver o Agosto português.
Depois do Bodo e após as tradicionais visitas à família, seguem-se as festas em Ansião, também afamadas pela sua qualidade, e uma eventual paragem nas de Abiul.
Certo, certo, é que, na semana do dia 15 de Agosto, há sempre, algures, uma festa ou bailarico. São os dias mais animados do ano.
“Momento de simbolismo” no Louriçal
[LER_MAIS]Nos anos 60, garante o presidente da Junta de Freguesia do Louriçal, José Manuel Marques, as celebrações de Nossa Senhora da Boa Morte eram as “melhores da região”. “Chamavam-lhes as ‘Festas do Seco’, porque eram organizadas pelo doutor Seco e vinham artistas nacionais”, conta.
O momento alto acontece na noite de 14 para 15 de Agosto, com uma procissão de velas acompanhada por duas filarmónicas. À do Louriçal, este ano, juntar-se-á a de Pombal. É uma celebração, cuja parte mais profana, o autarca diz ser uma espécie de “devolução das festas ao povo”.
Música, gastronomia, cultura, tudo conspira para, com a ajuda de cidadãos anónimos e empresas, se darem as melhores festas a milhares de pessoas. “É uma oportunidade de dar a conhecer o património histórico, turístico, paisagístico e religioso da nossa freguesia, sem esquecer a gastronomia e as actividades económicas”, sublinha.
E sim, as Festas de Nossa Senhora da Boa Morte também são aproveitadas, tal como 15 dias antes, no Bodo, em Pombal, se reencontrar amigos, para reforçar laços e matar a portuguesa saudade.
“Este ano, será de regresso após a pandemia, é um momento de encontro com simbolismo. As famílias vão encontrar-se aqui, confraternizar, viver momentos de fé que as marcarão emocionalmente para o resto do ano e lhes darão força para continuarem.”
E se, quando se fala de animação, os mais novos preferem os carosséis, as farturas e as pipocas, os mais velhos procuram os concertos. “Já passaram por aqui, praticamente todos os artistas de renome nacional e teremos de começar a dar-lhes outra volta”, brinca o autarca.
Este ano, os “festejos profanos” serão animados pela Farra Minhota, Bárbara Tinoco, Amor Electro e, pelo inevitável, Toy.
“Reencontro” na Batalha
Desde há alguns anos que as Festas da Batalha vêm traçando um movimento de crescendo. Cada vez mais opções de animação e artistas compõem um cartaz capaz de chamar o mais convicto dos misantropos.
Entre os dias 12 e 15, mesmo a meio de Agosto, à sombra do mosteiro, à gastronomia, ao desporto e à economia, Anselmo Ralph, Mãe Lua, Fernando Pereira, EN1, Quatro e Meia, Tiago Pinho e Miguel Araújo, animam as hostes.
A organização é do município cujo presidente, Raul Castro, sublinha “a função muito relevante das Festas da Batalha” que vai além da componente festiva. “Há reencontro entre os batalhenses, em especial aqueles que, ao longo do ano, estão afastados fisicamente do seu concelho e das suas famílias. É muito usual ouvirmos que as férias são sempre marcadas em função do calendário das festas”, diz o autarca, para quem esta preocupação “evidencia bem a relevância que os festejos revestem”.
“Agosto é sempre a bombar!”
As festas da Bidoeira de Cima, no concelho de Leiria, costumam ser dos momentos mais altos do Verão, pois acontecem com o mês a terminar e anunciam a muitos, que está na hora de emalar a trouxa e zarpar de volta aos países de acolhimento.
Seja pela qualidade dos artistas, escolhidos a dedo, seja pela grande escala dos festejos, aqui, o ambiente vivido costuma ser comparado ao de um “festival de Verão”. Este ano, contudo, a celebração em honra do Imaculado Coração de Maria, entre 26 e 28 de Agosto, ainda será comedida.
Na outra Bidoeira, a de Baixo, pelo contrário, a aposta foi em artistas capazes de arrastar multidões. Assim, a 13 de Agosto, caberá ao Legendary Tigerman animar os festejos, seguindo-se, pela noite dentro, Fernando Alvim, que promete levar os resistentes até ao raiar da alvorada.
Susana Dias e David Panier fazem parte do grupo de 15 festeiros e passaram os últimos anos em “modo teletrabalho” a ajudar na organização da festa, a partir de França.
Chegaram no dia 29 e foram, quase de seguida, para o adro da igreja. David não fala português, mas já se vê “a tirar imperiais” e a ajudar os amigos da mulher “a fazerem a festa”.
“Estou contente por me deixarem participar. Foi com muito prazer que aceitei. Somos os mais velhos, com mais de 50 anos, mas estamos disponíveis para fazer qualquer coisa!”, brinca.
Os “mordomos” da festa da Bidoeira de Baixo e Carriço quiseram recuperar anos perdidos devido à pandemia e elevar a fasquia. Assim, desde 2020, que trabalham, à espera da oportunidade para honrar Nossa Senhora de Fátima.
Para Diogo Lisboa, a escolha do cabeça-de-cartaz foi consensual.
“Optámos por um cartaz forte e por trazer um artista de renome, para captar as pessoas da terra e as dos arredores.” Juliana Gama admite que existe uma certa expectativa sobre como correrão as festas.
“Ao fim de dois anos paradas, as pessoas têm muita vontade de sair e de conviver.” “É a época do ano onde as pessoas se juntam. Encontram-se sempre nas festas. Quer seja nestas, na Bidoeira de Baixo, quer seja no Casal da Quinta… Agosto é sempre a bombar!”, resume Adriana Lisboa.
No concelho de Leiria, a chegada da hora das primeiras colheitas de Outono, tal como noutros locais da região, marca o fim das grandes celebrações de Verão.
E se a tradição se mantiver sem sobressaltos, será a romaria ao Senhor Jesus dos Milagres, nos Milagres, a 14 de Setembro, a encerrar o capítulo das festas rijas estivais.