Os dias e noites sucedem-se como num tempo em que o tempo é sempre demasiado curto. De Lisboa para a Polónia, da Polónia para Leiria, de Leiria para a Ucrânia, da Ucrânia para Leiria, são 13 mil quilómetros na estrada, em pouco mais de uma semana, a completar na próxima terça-feira, se a missão – retirar famílias ucranianas do território agora sinalizado como teatro de guerra – acontecer como previsto.
Dmytro Kovalchynskiy está acostumado ao longo curso das viagens internacionais, mas desta vez é tudo ainda mais urgente. Desde o início do conflito, as comunidades ucranianas em Portugal e muitos voluntários portugueses estão a organizar-se numa rede em que nenhum minuto é dispensável. Por cada metro de terreno em que os tanques russos avançam, mais longe chega a malha de solidariedade que atravessa vários países, a juntar refugiados que procuram sair da zona de perigo e motoristas que lhes podem proporcionar o que mais procuram neste momento: segurança.
E nalguns casos, o reencontro com familiares, de quem se encontram separados por milhares de quilómetros. “Não gosto de injustiça. Se posso ajudar, por que não?” Em Varsóvia, cidade sinónimo de paz para muitos dos ucranianos que nos últimos dias procuram escapar das explosões que abalam a Europa e o Mundo, Dmytro recolheu uma mulher e os dois filhos, que percorreram a pé os derradeiros 35 quilómetros até à fronteira da Ucrânia com a Polónia.
Uma recolha de fundos entre particulares, em que ele próprio contribuiu, pagou as despesas. Já em Tiszabecs, na Hungria, aonde vai chegar na próxima madrugada, integrado na caravana solidária SOS Ucrânia com origem em Leiria, numa carrinha apoiada pela Movicortes, o objectivo é recolher mais cinco pessoas, que estão à espera do lado da fronteira, na Ucrânia.
“Para já acho que faço mais falta cá do que lá. As mulheres com filhos pequenos precisam de ajuda”, diz ao JORNAL DE LEIRIA. Cá é Portugal (onde vive, em Leiria) e lá é a Ucrânia (onde nasceu e onde residem os avós). “Combinei com o meu pai irmos para a guerra”, explica. “Medo? Não, não tenho. Não tenho medo nenhum”.
Tudo o que Dmytro verbaliza é inimaginável se o calendário recuar até 24 de Fevereiro, a data da invasão da Ucrânia pela Rússia. “De início, não queria acreditar. Depois falei com pessoas de família, comecei logo a sentir-me mal. Até agora não durmo bem, não consigo”. E reforça: “Se isto piorar, não vou conseguir ficar no quentinho, com a barriga cheia”.
Noutro momento, as palavras parecem contradizer-se, mas, na verdade, dificilmente são incompatíveis. “Tenho muita pena que os russos morram por nada. Nem todos os russos querem a guerra”. Para Dmytro, há uma ligação directa entre o que está a acontecer na Ucrânia e a ocupação da Crimeia pela Rússia, no passado. “Deixaram ocupar a Crimeia sem nenhuma arma activada. Como é possível?”. Não responsabiliza apenas a Rússia, responsabiliza também o governo ucraniano de então.
No final, o que os ucranianos querem “é ser ucranianos, sem vizinhos chatos”, resume. A independência e possivelmente a União Europeia. Dmytro Kovalchynskiy é um dos condutores da caravana SOS Ucrânia organizada pelo Município de Leiria e pela comunidade ucraniana em Leiria, composta por cinco carrinhas, além de um camião de ajuda humanitária. Ao todo, estão sinalizadas 21 pessoas (mulheres, crianças e jovens) que vão iniciar o trajecto para Leiria na próxima semana.