“Um euro, um euro. Venha cá menina.” “É tudo a um euro. Vai que é para comprar um cabriolet.” “Hoje está tudo a 5 euros. É desconto de 50% e tudo roupa nova”. “Olha a mopa a 5 euros. Não quero mais, só 5 euros. Na televisão são a 39 euros.”
As vozes confundem-se no estacionamento junto ao Estádio Dr. Magalhães Pessoa, em Leiria, onde a feira do levante oferece uma diversidade de artigos para todos os gostos e carteiras. O marketing e publicidade é feito na hora e cada um procura captar a atenção dos clientes que vão passando. O objectivo é que parem para serem ainda mais convincentes e terem sucesso nas vendas. Vendas essas que têm vindo a diminuir nos últimos tempos, segundo dizem.
Longe vão os sábados em que entrar na feira de Leiria era sinal de encontrões e dificuldade em remexer nas centenas de peças espalhadas nas bancas à procura daquele artigo original e que faz a diferença. “Isto agora é uma miséria. Há cada vez menos pessoas a vir à feira. Não sei se vai durar até aos meus filhos. Aos sábados levantava-me às 6 da manhã. Agora basta-me vir às 8 horas. Está a ficar muito fraquinho.” O desabafo é de Apio Domingos, feirante desde que se lembra.
A banca, que tem muito por onde escolher entre camisolas, meias ou cuecas, já era do pai e passou para Apio, mas o filho já não quer seguir as pisadas da família. “Quando era pequeno, eu queria vir para a feira, os nossos filhos já não. O mais velho, se vier connosco, anda por aí. Está a estudar e eu também prefiro que o faça. A tendência será para isto acabar daqui a 15 ou 20 anos”, confessa o comerciante, que agora só vai às feiras de Leiria, Pedrógão e Ourém.
“Pataias era forte, mas já não é. O pessoal vinha à feira até por passeio. Era já um hábito, que se foi perdendo. O aparecimento do shopping piorou e a pandemia veio acabar com isto. As pessoas regateiam preços e quando não vendemos, temos as despesas na mesma. Estamos colectados nas Finanças e temos os encargos fiscais. Se baixamos ainda mais os preços, a margem de lucro também diminui”, constata Apio Domingos, que aponta Leiria como já ter sido uma das melhores feiras.
Vendas online prejudicam
Uns metros mais à frente, entre vestidos esvoaçantes, a família Seabra chama os clientes, que escolhem no monte de roupa a melhor peça que lhe convém. Os panos que seguram a tenda servem de montra à diversidade artigos que o espaço oferece. “Está muito mau. Não há dinheiro e as vendas estão fracas. A culpa é da crise, do shopping e das vendas online, aliados ao pouco dinheiro das pessoas”, assume Manuel Seabra, que vende na feira há cerca de 50 anos, tantos quantos tem.
“O grande problema dos mercados são mesmo as vendas online. As pessoas fazem as compras sem sair de casa. Agora quem vem ao mercado são sobretudo meia dúzia de velhotes e brasileiros. Antes enchiam a feira, agora deixaram de vir. Até os próprios feirantes: antes enchiam o mercado e hoje são meia dúzia”, revela o feirante.
Leiria e Santana (perto de Rio Maior) são as suas feiras de eleição, mas a tendência é para esmorecer. “Os ciganos andam aqui porque não sabem fazer mais nada. Não têm escolaridade e praticamente nascemos aqui. Mas, por exemplo, um dos meus filhos tem trabalhado em fábricas”, acentua Manuel Seabra.
O próprio pai prefere outro destino para o filho. “As feiras vão fraquejando. Eu prefiro que o meu filho não venha para aqui”, sublinha, ao afirmar que longe vão os tempos em que a vida da feira era a melhor do mundo.
“É-se o próprio patrão e dono do seu tempo. Hoje não rende o suficiente. Tem de vir dinheiro de outro lado, porque só a feira não chega”, confessa Manuel Seabra, que faz também serviço de Uber.
Isabel Vindeirinho vai passando de banca em banca a empurrar um carrinho, onde vende o tradicional ‘bolo da festa’. Os feirantes são alguns dos seus clientes, já que os consumidores começam a escassear. “Trago menos de metade da mercadoria. Ando aqui há 31 anos e nota-se cada vez menos pessoas na feira”, conta ao JORNAL DE LEIRIA a comerciante, que admite estar a vender o produto mais caro, pois “tudo aumentou”, inclusive os ingredientes.
A residir em Carvide, Maria gosta de ir à feira por ter mais escolha e saber que as coisas são mais baratas. “Tem de se procurar bem, mas todas as semanas mudam sempre algo, pelo que há sempre novidades.” Há clientes fixos, que procuram as novidades da semana, até porque há sempre uma preocupação em renovar o stock.
Paula Tojal é uma das frequentadoras fiéis do mercado do levante. Desde nova que se recorda de visitar a feira de Leiria, que considera uma dos melhores da zona. “Há mercados muito repetitivos. Este não. Tem sempre coisas diferentes”, afirma.
Preços para todos
“Adoro vir aqui todas as semanas. É muito livre, tem uma grande variedade, que não se encontra nas lojas e os preços são muito mais baratos, apesar de haver artigos mais caros. Há preços para todas as bolsas”, frisa a cliente, ao referir que gosta de regatear preços. Habitualmente as suas compras assentam em roupa e calçado, mas também aproveita as “pechinchas” que surgem.
Carpetes, edredões, conjuntos para cama e casa-de-banho são outras das ofertas que o mercado do levante dispõe. Leonete Santos apaixonou-se por um tapete que viu. Era perfeito para o seu lar. Não tinha o tamanho que queria, mas a encomenda ficou feita. “Venho muitas vezes aqui, porque a escolha é muito grande e mais barato. Encontra-se muitas vezes aquilo que se procura. Vim ver tapeçaria e tem sempre algo diferente das lojas”, constata.
Nem só de roupa vive a feira. Entre animais vivos, frutas e legumes, há também venda de lenha. Um negócio que também tem vindo a piorar, sobretudo, com as alterações do clima que tornaram as temperaturas mais amenas. As queixas são de Rui Cruz, que vem da Ortigosa para tentar vender as cavacas que traz na sua carrinha de caixa aberta.
“Pago o ano inteiro o lugar, mas só estou aqui de vez em quando. Antes vendia até Março dois e três metros cúbicos de lenha. Agora já não. O clima também não ajuda. Estou nisto há 30 anos e nunca apanhei um Inverno como este”, lamenta.
A poucas semanas de completar 80 anos, Alice Reis Carreira mantém o hábito de há 50 anos: levar os seus legumes, fruta e ovos para a feira. “Agora vende-se mal. A esta hora [cerca das 11 horas] já não tinha fruta e agora ainda tenho isto tudo”, lamenta, apontando para as caixas de citrinos que ainda estão cheias.
Para Sandra Fernandes, além do online, a venda de roupa usada também roubou clientes. A crise é mais uma causa. Maria, outra feirante, acrescenta que a deslocalização da feira várias vezes também não contribui para a consolidação das vendas. “Devia haver mais respeito pelos feirantes. Fazem todos os eventos aqui e ir para as Olhalvas prejudica-nos muito. Podiam escolher os dias em que não há feira.”
Também Gorete Ribeiro critica as dificuldades que são criadas sempre que o mercado não pode assentar no estacionamento junto ao Estádio Magalhães Pessoa. “Não vai lá ninguém. Não é só por nós, mas também pelos clientes. Estamos aqui há décadas e as pessoas também gostam de vir aqui. É bom para todos. Temos clientes fixos há 40 anos”, argumenta.
Já teve uma loja no Centro Comercial Maringá, mas é na feira que se sente bem, até porque gosta do contacto próximo com o público e de encontrar pessoas humildes e simples. “A loja é uma prisão de porta aberta.”
“O compromisso é com eles”