“Este tem de ser o Museu do Vidro de Portugal e não um museu da Marinha Grande”, defendeu o investigador e especialista Jorge Custódio, que no passado sábado conduziu uma visita guiada ao património vidreiro, numa iniciativa organizada pela Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial e pela Câmara Municipal da Marinha Grande, com o apoio da Vidrala.
Nesta visita, promovida no âmbito do Ano Internacional do Vidro e das Jornadas Europeias do Património, Jorge Custódio acompanhou um grupo heterogéneo, entre participantes locais e forasteiros, num percurso que incluiu os diversos sítios que fazem e contam a história da transformação do vidro.
Um dos pontos incontornáveis da história do vidro na Marinha Grande é a residência dos irmãos Stephens, [LER_MAIS]edifício de linguagem neoclássica, construído no século XVIII, onde está actualmente instalado o Museu do Vidro da Marinha Grande.
Desafiado pelo Marquês de Pombal a reconstruir a fábrica de vidro, Guilherme Stephens retomou a laboração da Real Fábrica de Vidros a 16 de Outubro de 1769, data que marcou o progresso da empresa e da Marinha Grande e que conduziu também à enorme riqueza do inglês.
A visão e a fortuna de Guilherme, e do seu irmão, João Diogo Stephens, que também dirigiu a fábrica, foram evidenciadas por Jorge Custódio, durante a visita à casa onde ambos os industriais residiram.
Documentos de 1821 referem que a fábrica tinha então 36 mestres, 58 oficiais, 36 aprendizes e 383 carreteiros, num total de 513 funcionários, realçava o investigador, frisando que o número de colaboradores dos Stephens se estendia ainda por um grande número de criados, além de músicos, médico, boticário e outros especialistas.
E pela sua ópera, que funcionava onde está actualmente edificada a Casa da Cultura, passavam as melhores companhias de teatro da Europa, apontou o investigador. A residência dos Stephens tinha um conceito inovador, que aliava um significado habitacional, agroindustrial, social e cultural.
Dado o seu passado como grandes comerciantes internacionais, a cozinha dos Stephens era detentora dos mais caros serviços de talheres e de louças de mesa, provenientes de diversos pontos do mundo.
Entre os vários cómodos da residência, decorados com estuque ao estilo rococó, faziam parte a casa de jantar, voltada para os jardins, a sala de baile, também uma sala de música e outra sala de jogos, quartos para os proprietários e para os hóspedes e até uma curiosa “escada do segredo”, em formato de caracol, que descia até à cave e por onde os abastados irmãos poderiam entrar e sair sem serem vistos.
Interessante é como a residência congregava ainda zonas e funções relacionadas com a administração da fábrica, como é o caso do escritório, onde o estuque, ornamentado por papéis, tinteiros e penas, ainda hoje remete o espaço para a sua utilização inicial. Apesar das invasões francesas, com o marechal Massena a ordenar a queima dos documentos, da fábrica de cristal e da madeira, o incêndio não destruiu alguns papéis, que permitem avaliar o quão extenso era o arquivo da fábrica, explicou Jorge Custódio.
Demonstrativa da visão estratégica dos Stephens é igualmente a forma como, além da venda de animais, também ali se exploravam negócios agroflorestais.
Palácio deve ter a sua própria decoração
Jorge Custódio recordou que desta fábrica resultaram 535 modelos de vidros. “Translúcidos, azulados e até garrafas pretas.” Alguns pintados, outros gravados e outros também lapidados. E, como fabricantes de vidro, os Stephens expunham os seus artigos por toda a casa. E deveria ser apenas com esses vidros que deveria estar hoje decorado o museu, defendeu o investigador.
Do seu ponto de vista, o Museu do Vidro de Portugal tem de ser o museu da casa dos Stephens, da história do vidro em Portugal e ser capaz de retratar as suas várias fases, desde a manufactura, a cristalaria, a garrafaria, a embalagem, a mecanização e a automotização, o que “não pode ser nestas parcas paredes”.
“Para ser sustentável”, o futuro museu tem de ter meios, investigação e vidro feito ao vivo, como já se faz na zona envolvente, mas que, dentro da edificação pode ver-se melhor, considerou Jorge Custódio. “Temos de imitar o que se faz no estrangeiro e para melhor.”