Que tipo de fragilidades revelou a Europa com os últimos atentados em Paris?
As mesmas que em cada atentado anterior. Falhas na investigação, quadros penais que não permitem prender suspeitos, pouca atenção à radicalização feita nas redes sociais, políticas de integração que fizeram das comunidades muçulmanas guetos e onde a versão moderada do Islão não consegue atrair todos os que delas fazem parte. De qualquer forma, muita coisa tem melhorado na luta anti-terrorista:para um ter sucesso, dezenas foram certamente neutralizados a tempo.
Que consequências terão estes acontecimentos no quadro político europeu? Alterações nos quadros penais, paranóia anti-muçulmana, restrições à liberdade de circulação, crescimento dos nacionalismos, intolerância para com os refugiados. Os portugueses podem continuar a pensar no País como um território seguro?
Nenhum Estado está seguro. Portugal tem características diferentes de outros países europeus onde as células jihadistas operam há muito tempo, mas isso não faz de nós um local imune. Nem deve levar as nossas autoridades a baixar a guarda.
Escreveu a sua primeira crónica sobre os refugiados do Mediterrâneo em 2011, mas o drama só se tornou massivo em 2015. Foi a imagem de Aylan Kurdi que fez a diferença?
O que fez a diferença, em primeiro lugar, foi a força da imagem, onde há uma certa indiferença de outras personagens que também estão na praia. Foi ainda pelo facto de se passar na costa europeia. E por tudo ter sido potenciado através das redes sociais. Os assuntos internacionais só se tornam verdadeiramente nacionais quando nos chegam à porta. Só que até lá já percorreram um caminho. O percurso dos refugiados, o percurso de uma guerra, seja no Mediterrâneo, no Norte de África, no Médio Oriente ou no Sudeste Asiático, que não tem impacto imediato nas nossas vidas, acaba por ter a médio prazo. A minha luta é tentar aproximar todos os assuntos internacionais da agenda nacional, já que, mais cedo ou mais tarde, acabam por cá chegar.
Ouvimos falar muito mais de acolhimento de refugiados do que de medidas a tomar no palco de guerra. Porque o resto do mundo não consegue ou não quer agir?
Há outros palcos de guerra que também alimentam o fluxo de refugiados que vêm para a Europa. Mas o caso da guerra na Síria é mais difícil de resolver. Portanto, age-se mais sobre as consequências da guerra, sobre os refugiados, e menos sobre as causas da mesma. E é difícil porque a Síria é um cruzamento, como poucos ou mais nenhum, de vários interesses divergentes: interesses internos, étnicos; interesses do círculo regional, com actores estatais e não estatais que aí operam; e, num círculo internacional, interesses de grandes potências que vão manipulando interna e regionalmente todas as circunstâncias. É um imbróglio de aparente irresolução, num entroncamento brutal de divergências de interesses. Como tal, pode ser irresolúvel. Acho que nós queremos resolver todas as situações críticas do mundo, mas algumas podem mesmo não ter solução. Sendo que é mais difícil para países receptores de refugiados, como os europeus, terem uma força decisiva na resolução de uma crise para a qual não têm instrumentos eficazes e rápidos.
A Europa corre mais riscos ao acolher estes refugiados?
O Estado Islâmico não exporta terroristas para a Europa. Importa. O Estado Islâmico não precisa de vir em botes, já cá está. Nem precisa de pagar para fazer uma travessia em direcção ao abismo, que é aquilo que muitos destes refugiados desgraçadamente fazem. Não precisa destas rotas. Não quer dizer que não haja quem, dentro do processo de transição, não se possa radicalizar. Mas isso tanto pode acontecer por caminho terrestre como através das redes sociais. O Estado Islâmico importa-os, forma-os nas capitais europeias ou noutras regiões vizinhas do Iraque e da Síria. Não exporta através deste movimento de refugiados, de exilados de guerra.
Leia mais na edição impressa ou descarregue o PDF gratuitamente