Como começou a sua ligação com o mundo automóvel?
O meu pai foi piloto de karting. Desde cedo que o acompanho nas mais variadas provas e ficou aquele bichinho. Sempre estive muito ligado ao desporto, fiz judo e futebol em novo. Também fiz ali um período de futebol e automobilismo, mas depois continuei só no automobilismo. Não tenho formação no automobilismo, ou seja, não fiz o kart. Por norma, começa-se nos karts. Já fiz corridas de kart, mas amadoras, brincadeiras de grupos de amigos e de empresas. Houve uma competição que era os “Bravos em Acção”, com os pequenos Seat Marbella. Concorri e na segunda ou terceira participação, venci. Dos iniciados, quem nunca tivesse feito corridas e vencesse essa competição, tinha um rali de borla. E foi aí a rampa de lançamento. Nesse ano, fiz dois ralis, um de borla, e arranjei apoios para fazer o outro. A partir daí, começámos montar o projecto, a pedir apoios e a envolver pessoas. O projecto esteve sempre muito assente em mim. Era eu que dava todas as linhas orientadoras às pessoas que trabalhavam comigo. É óbvio que numa fase inicial não conseguimos ter tudo do melhor, face a todas as limitações, principalmente orçamentais, porque este é um desporto muito caro. Foi surgindo, mas com muito trabalho.
Visita Fátima antes de cada corrida e faz uma peregrinação a pé no final do ano. Que outras superstições tem?
São muitas e é assustador [risos]. Pequenas rotinas, desde a utilização de vestuário, ou deixar de utilizar certo vestuário porque quando utilizei alguma coisa não correu bem. A ida a Fátima continua. Tudo o que penso que é saudável e que vejo que não tenho de estar a forçar, continuo a fazer. Depois, vão surgindo umas [superstições] e acabando outras. Tenho sempre as minhas coisinhas. A verdade é que me tenho dado bem, nunca tive acidentes graves. Um ou outro, mas nada grave. Tudo coisas fruto do desporto. Costumo dizer que hei-de ter muitos acidentes, porque conto andar neste desporto durante muitos anos e, quer se queira, quer não, é uma coisa natural, embora tentemos sempre que isso não aconteça.
Para um piloto de ralis, o que correu mal para chumbar no exame de condução?
Ainda não era piloto de ralis, mas já tinha feito as tais corridas de kart. Já tinha noção de que havia alguma habilidade. Foi um momento caricato – na altura não achei graça nenhuma – mas já tinha o exame todo feito de condução, ia a caminho do centro de exames e estavam a mudar uma lâmpada de um poste. A estrada estava interrompida e o homem que estava na grua fez-me sinal para avançar, porque o outro carro ainda vinha longe. Ligo o pisca para avançar e o examinador mete-me o pé ao travão e disse que o obstáculo estava do nosso lado e que tínhamos que parar. Nunca pensei que tinha chumbado, o examinador não disse. Para mim, o exame estava feito. Nem foi o excesso de à-vontade, foi uma falha de comunicação e também alguma insensibilidade. Quis acreditar que foi por ter sido uma segunda-feira. Tive de ir novamente a exame e apanhei um examinador com uma postura completamente diferente, super tranquilo, em que eu ia devagar e ele dizia: “Ande lá que isto é para despachar”. Acabou por ser um momento caricato e, mais tarde, tornou-se uma história gira.
É atleta do Sporting CP desde 2018. Quais têm sido os resultados desta parceria?
Tenho a oportunidade de praticar a modalidade que eu amo, os ralis, e de representar o clube do meu coração. Sou piloto do Sporting e sportinguista desde pequeno. Tivemos a oportunidade de apresentar o nosso projecto e o Sporting viu-me com muito bons olhos. Na primeira reunião que tivemos, o projecto era muito recente, eles ficaram a gostar muito, mas não tinha a dimensão necessária para o clube. Mais tarde, voltámos a ter a oportunidade de lhes apresentar o projecto, e desde então, o Sporting tem-nos envolvido na vida do clube de uma forma incrível. Somos constante mente utilizados, digamos assim, como imagem do clube nas redes sociais, na loja, no site. Dão muitas informações nossas e temos, constantemente, eventos com atletas das principais modalidades. Somos bem recebidos em todo o lado, mesmo em localidades com adeptos de outros clubes. Alguns deles até elogiam o facto do Sporting apostar na modalidade. Fico muito contente por poder continuar a representar até 2025, que é o último contrato que assinámos. Esta parceria também deu um impulso muito grande ao automobilismo de uma forma geral e posicionou os ralis de outra forma, deu-lhes mais visibilidade.
Há expectativa para o contrato renovar depois de 2025?
Sim, penso que sim. Pelo menos, na conversa que há entre as partes, está toda a gente satisfeita. É óbvio que os clubes têm estruturas, têm planeamento, há pessoas novas que vão aparecendo. Mas tenho quase a certeza que sim, pelo menos com o envolvimento que eles têm no projecto, demonstra claramente que há interesse em continuar.
Este ano, trocou o Renault Clio R3T por um Peugeot 208 Rally 4. Qual tem sido a evolução do carro?
A Peugeot organiza uma competição mono-marca em Portugal e também uma outra ibérica, com prémios monetários, e achámos por bem participar. Fizemos essa mudança e foi um ano zero, uma adaptação muito grande, com um carro novo a tentar perceber a melhor forma de adaptar o carro ao piloto. Foi uma adaptação muito mais rápida do que imaginava. No final da fase de terra, já estávamos a andar como nunca andámos nos pisos de terra. Também na fase de asfalto conseguimos perceber o carro e aparecemos com muito bons resultados. Já percebemos o que o carro dá e como gostamos de o ter para que possa tirar todo o proveito dele. O trabalho está feito, na próxima época já não tenho a desculpa do carro novo.
O seu projecto desportivo assenta numa componente social, com o apoio a várias instituições. Porque continua a fazer questão de manter estas iniciativas solidárias?
Nós, como desportistas, temos um papel muito grande na sociedade, acredito eu. A quantidade de crianças que nos vão ver, que nos pedem autógrafos, que nos pedem fotografias… Se temos importância para fazer essas coisas, também temos importância para passar uma mensagem à comunidade de que devemos retribuir todo o carinho que nos dão. Tenho o projecto “1 Rali 1 Instituição” há vários anos, em que, em cada local de prova, visito uma instituição da cidade. Levo alguns brindes de parceiros e patrocinadores, tiro umas fotografias e dou autógrafos. Ver a alegria e a valorização que as crianças dão – visitamos instituições também de idosos e de pessoas com deficiência – a um momento connosco tão simples, onde não estou a fazer nada de mais, é gratificante. Acima de tudo, é isso que nos move. Temos também o “KM’Solidários”. Sou embaixador da Atlas e, no final do ano, damos um euro por cada quilómetro que fazemos à Atlas, uma instituição que me diz muito, que trabalha na Marinha Grande, Leiria, Coimbra e em países de língua portuguesa. No ano passado, [o valor entregue] rondou cerca dos mil euros, este ano também deve andar perto disso. Depois temos uma [iniciativa] de componente ambiental, a “Pegada Zero”, onde temos uma série de medidas ao longo do ano com comportamentos amigos do ambiente, como a plantação de árvores para anular as emissões de CO2 da nossa pegada durante o percurso no campeonato nacional.
Já disse por várias vezes que o Rali Vidreiro é o que mais gosta de fazer por ser em casa. No entanto, este ano, as provas principais passaram por Pombal e Alcobaça, e a Marinha Grande só recebeu duas especiais em São Pedro de Moel. O que achou desta reorganização?
Já representei o Clube Automóvel da Marinha Grande e é um clube do qual sou sócio e amigo. Esta mudança prendeu-se com coisas mais políticas e são coisas que nós, enquanto pilotos, temos de aceitar. Cada vez menos temos a vantagem de sermos pilotos da casa. Toda a gente conhece as estradas do rali e todos os anos há ralis e especiais novas. Em casa, temos é mais gente a apoiar-nos. Fomos muito bem acolhidos em Alcobaça, este ano, onde foi o centro nevrálgico. Enquanto piloto, estou bem onde me receberem bem. É óbvio que gostava que o rali fosse todo na Marinha Grande, mas, infelizmente, não podemos escolher. O Clube Automóvel há-de ter as suas razões, o município também, e é uma luta na qual temos de estar alheios. Queremos que as provas sejam bem organizadas e o Clube Automóvel é exímio nisso.
O 5.º lugar no Campeonato de Ralis de Portugal na categoria de Duas Rodas Motrizes abre espaço para, no próximo ano, fazer melhor?
Sim. No final das duas primeiras especiais do rali estávamos a 2,2 segundos do líder, em segundo. Depois tive um azar na super-especial porque começou a chover torrencialmente. Quando começámos o segundo dia, vinha muito afectado – o que, com a experiência que tenho, já não devia acontecer – por ter perdido 20 segundos numa especial de um quilómetro. Depois foi sempre a perder. A determinado momento, passámos a fazer uma gestão porque tínhamos os ‘Jogos Olímpicos’ na semana seguinte e precisávamos que o carro estivesse em plenas condições e não podíamos lutar. Houve uma altura em que estávamos próximos do 4.º lugar, mas preferimos não correr riscos para não pôr em causa a nossa presença nos FIA Motorsport Games, porque ser 4.º ou ser 5.º já não ia trazer nada. Acima de tudo, percebemos que estamos entre os mais rápidos, porque estávamos em 2.º lugar. No próximo ano, temos todas as condições para lutar pelo pódio.
Quais são as expectativas para os FIA Motorsport Games?
Gostava muito de trazer uma medalha. Vamos na componente Rally 4 Asfalto, que é o piso onde somos mais fortes. Não conhecemos os nossos adversários, só o piloto espanhol porque já competimos com ele em anos anteriores. Mas, temos a certeza, ao falar dos Jogos Olímpicos do automobilismo, que vão ser todos adversários fortes. Acima de tudo, vamos querer lutar por uma medalha. Acho que nem a Federação permitia que algum atleta não fosse com esse objectivo. O que importa sublinhar é que vamos confiantes de que vamos fazer um bom trabalho a representar as cores de Portugal. Não vai haver um peso extra, porque estou habituado a representar um grande clube com muitos apoiantes e que também não admite erros, digamos assim, mas aqui é a nossa nação, o nosso País, vamos ter muito mais gente olhar para nós.
Ao longo dos anos, o público nos ralis foi diminuindo. Acha que é possível voltar a ter multidões a ver as corridas?
Antigamente, havia uma paixão histórica dos portugueses pelo automobilismo. Os tempos são outros, há uma oferta cultural, social e desportiva grande e facilidade em ter acesso a tudo: a ver um jogo de futebol e provas de automobilismo, seja de que dimensão for, em casa. O rali, em si, já não é suficiente para tirar as pessoas de casa, para as pessoas fazerem quilómetros, apanharem frio, chuva e sol. Vamos ter de tornar isto num espectáculo. Vejam o que os outros desportos estão a fazer, como o futebol, com concertos a meio dos jogos, ou o Super Bowl, que tem um mega concerto mais importante que o próprio jogo. Esses desportos voltaram a ter público. E os ralis precisam disso, de mais interacção, para não estarem numa perspectiva só de exigência. Ou seja, esperar que a comunicação social e o público venha ter connosco para depois fazermos o resto. Temos um potencial muito grande à volta dos pilotos, dos carros, da própria componente organizativa e das localidades onde estamos presentes. No dia em que se conjugar tudo isto, somos um desporto que nos podemos tornar imbatíveis.
Após os FIA Motorsport Games, como será o seu futuro atrás do volante?
Após o ano de estreia do carro, queremos atacar o Campeonato de Portugal das duas rodas motrizes. Muito provavelmente vamos ainda ter de estar dois ou três anos neste campeonato. [Queremos] continuar a ter o projecto bastante sustentável a nível financeiro para podermos almejar outros espaços. É um desporto muito caro, o nosso trabalho é bem feito e vamos precisar que o próprio desporto cresça para conseguirmos dar o passo seguinte. Hoje, os projectos no topo do campeonato nacional, os rali 2RM, a classe rainha, estão muito sustentados em investimentos privados. O nosso projecto é sustentado com investimentos de parceiros e patrocinadores. Os orçamentos seguintes são um passo muito grande, são três vezes mais que o orçamento que temos hoje em dia. Vamos ter de sustentar muito bem a nossa presença nas duas rodas e tentar chegar ao título. Se não for no próximo ano, no ano seguinte. Se for no próximo ano, revalidar no ano seguinte. Ou seja, queremos tornar [o projecto] muito sustentável para estarmos sempre prontos para, a qualquer momento, darmos o passo. Temos o objectivo de crescer, mas também não estamos presos ao crescimento. Se tivermos de estabilizar, iremos fazê-lo sem problema.