Nos últimos quatro anos conquistou todos os títulos de selecções do futsal. A partir de agora, é mais fácil ganhar ou há mais responsabilidade?
A responsabilidade é sempre a mesma o que altera é a visão exterior, das pessoas e dos adversários. Internamente o sentimento tem de ser o mesmo porque é uma responsabilidade enorme representar o País e o futsal português. E essa responsabilidade irá manter-se sempre, quer esteja a ganhar ou em momentos menos bons. Ganhar não passa a ser mais fácil [risos]. Sermos campeões da Europa e do Mundo não nos dá vantagem, não nos atribui pontos nem começamos os jogos a ganhar. Agora as outras selecções olham para nós com uma vontade ainda maior de nos vencer e isso pode trazer algumas dificuldades mas, como eu digo sempre, temos de olhar para nós e estar preocupados com o que temos de fazer. E para nós é muito claro: é sempre como se fosse a primeira vez.
A estratégia, a humildade e a motivação têm sido as qualidades mais destacadas do seleccionador. São esses os segredos das vitórias?
Eu acredito muito nessa humildade, em manter os pés assentes no chão e perceber que foi preciso trabalhar muito para alcançar o que alcançámos. Se foi esse o percurso e o nosso trajecto, isso tem de se manter sempre que estivermos juntos, tendo clara consciência de que o que fizemos até agora não chega, é preciso mais. A forma como olhamos para o nosso processo deforma simples, humilde e extremamente motivadora tem de ser o caminho. Se nos envaidecermos um bocadinho vamos ser ultrapassados.
A capacidade de liderar também faz diferença?
Sim, é perceber quais são os nossos princípios e valores. Nortear-nos por isso no nosso comportamento diário tem feito com que eu sinta um orgulho fantástico em liderar este grupo. Sinto aqueles chavões que todos nós utilizamos do que deve ser uma equipa e em muitos momentos senti que estava a liderar uma verdadeira equipa em todos os sentidos.
O seleccionador espelha o percurso de Jorge Braz?
É impossível dissociar quem somos enquanto pessoa do que acabamos por fazer profissionalmente. O meu percurso é conhecido, sou de uma pequenina aldeia, filho de emigrantes, houve muitas dificuldades para ultrapassar e, no fundo, conseguimos ser felizes e ir à procura do que queremos. O desporto ensina-nos muito o que é passar essas dificuldades no dia-a-dia. Cada treino e cada exercício obriga a isso. Se não entendermos que temos de viver na superação constante das dificuldades e se só queremos facilidades nunca vamos triunfar.
O que é que o futsal tem de especial que o conquistou ao futebol?
Algumas referências como o antigo seleccionador de futsal, o Orlando [Duarte], que foi alguém que me inspirou e que criou aquela paixão inicial. Depois a paixão foi crescendo e agora é a alegria, a euforia e a felicidade de poder desempenhar funções na modalidade que adoro.[LER_MAIS]
Uma modalidade rápida e estratega que também se inspira noutras?
Totalmente. E tanto é que ultimamente temos trabalhado e convivido muito entre os vários seleccionadores nacionais. Existem muitos pontos de contacto, e não só do ponto vista técnico, táctico e estratégico das modalidades de pavilhão. Isso enriquece muito o nosso ponto de vista, a forma como olhamos para o jogo e tomamos decisões. Atrai-me cada vez mais perceber as outras realidades e é fantástica a forma como nos últimos anos temos trabalhado com as outras modalidades.
O futsal também se inspira na rivalidade e na tensão dos fanatismos clubísticos do futebol?
Não é do futebol, é de todo o desporto. O futebol tem mais gente, os estádios são maiores e historicamente e culturalmente é a grande paixão desportiva no nosso País. Tem esse lado muito positivo da paixão, mas por vezes leva a determinados exageros e não se percebe o que é essencial. Nós que estamos por dentro temos de saber distinguir muito bem isso e perceber, como eu costumo dizer, o que é que conta para o Totobola. E algumas coisas, até bastante negativas, não contam para o Totobola.
E dentro das quatro linhas com os melhores jogadores a nível nacional, é fácil gerir rivalidades e egos?
Sim, isso é fácil [risos]. É perceber que ali é a família da selecção nacional. Todas as famílias têm problemas mas temos de nos comportar como uma verdadeira família e assim estamos mais próximos de ganhar. Ultimamente temos percebido isso muito bem e é fantástico cada vez que nos juntamos. Sente-se essa vontade de reunirmos, de estarmos e convivermos uns com os outros e isso ajuda muito em determinados momentos difíceis.
É esse ‘vestir a camisola’ que o deixa emocionado?
Muito, muito. E cada vez mais. Sentir essa honestidade do que é representar a selecção, do que é representar o País e os portugueses e perceber que todos contribuímos. Uns mais, outros menos, como em qualquer organização, mas que todos somos importantes e contribuímos para tentar alcançar objectivos muito importantes.
Neste mês em que Ricardinho se despediu da selecção com um último jogo, fica alguma coisa por lhe dizer?
Não. O Ricardo [Braga] foi o maior ícone mundial do futsal e mereceu muito esta festa, esta despedida, este reconhecimento e este aplaudir dos portugueses na terra dele, no pavilhão onde o primeiro golo de um jogo de futsal foi marcado por ele [risos], e agora despediu-se com mais um golo. Ele merecia mesmo isso.
Há um período pós-Ricardinho na selecção?
Não. Já jogámos o Europeu e fomos campeões da Europa sem o Ricardo, mas com ele enquanto embaixador e a apoiar porque fará sempre parte da selecção nacional. Eu já tinha dito, há vários anos: há miúdos novos, há trabalho que se está a fazer de base há muito tempo e o futuro está assegurado. Temos de continuar a trabalhar, dar oportunidades e valorizar muito o jovem jogador português. Isso é fundamental e nós estamos cá para isso.
A selecção não treina todos os dias, mas o seleccionador tem uma agenda repleta com estágios e os escalões de formação…
Sim, a base é fundamental. Perceber todas as realidades e toda a estrutura, o que acontece desde a escolinha até às competições distritais e nacionais, qual é o nível, o que está a acontecer, como se comportam as equipas de referência e as que têm mais dificuldades, o que acontece no feminino… É perceber, é compreender e, no fundo, é viver o futsal por dentro como esta equipa técnica sempre fez. Só temos o conhecimento mais adequado se estivermos nos pavilhões constantemente, com os jogadores, os treinadores e os dirigentes. Essa presença, enquanto nós cá estivermos, irá ser diária e constante e toda a gente sabe que pode contar com a equipa técnica nacional.
Nesse trabalho de proximidade nota que há cada vez mais, ao contrário de si, jovens que escolhem o futsal como primeira opção?
Sim. temos muitos miúdos [risos]. Todos os nossos internacionais de sub-19 têm dez ou mais anos de federados e isso diz muito do que é o seu percurso. Alavancar essa vontade de experimentar o futsal é fundamental, mas depois é preciso criar oportunidades para que essas primeiras experiências sejam extremamente positivas e qualificadoras para o resto do processo. É nisso que temos de trabalhar e ainda há muito a melhorar.
E a nível feminino, também há qualidade em Portugal?
Ui, muita, muita! Também somos os melhores do mundo e temos tido resultados excelentes. Temos de crescer em número, em qualidade no processo e as bases têm de mudar e aumentar porque o número de atletas femininas ainda é bastante insuficiente. Mas temos um potencial fabuloso no futsal feminino.
Os títulos da selecção nacional potenciam este crescimento da modalidade no País?
Sim, são um alavancar de todo o trabalho que temos feito em termos de processo. Para alavancar é importante atingir alguns resultados, isso é muito positivo e a visibilidade e a atractividade para o futsal cresce ainda mais. É para isso que continuamos.
No seu percurso fica a história das duas ‘negas’ que deu ao Desportivo Chaves, o clube onde sempre quis jogar futebol mas de onde saiu por causa da faculdade e que depois recusou por causa do futsal. Foi uma escolha acertada?
Há sempre alguma injustiça quando se conta essa história passados tantos anos… As nossas decisões dependem do contexto e do momento. Hoje é muito fácil, mas naquele momento a decisão foi difícil. Mas não, não me arrependo de absolutamente nada. Tenho sido muito feliz no percurso que tenho feito, tenho-me sentido muito bem com quem me tem influenciado, com dirigentes, clubes, treinadores e, especialmente, atletas. A influência positiva que também temos tido no crescimento dessas pessoas, de como devemos estar, comportar e trabalhar para melhorar ainda mais o futsal português e o desporto também é para continuar.
O que falta conquistar?
O desporto ensina-nos muito bem que o mais importante é o próximo jogo. Agora vamos ter o Europeu feminino e em Setembro o Europeu sub-19 que são dois títulos que ainda não temos em Portugal. Se são os próximos? São os que queremos. Como é que vamos trabalhar? Organizando o processo para vencer. E na próxima época cá estaremos para nos qualificarmos para o próximo Mundial. Apesar de sermos campeões do Mundo, temos de nos qualificar, temos de lá estar, tentar validar mais uma vez e procurar mais títulos. O jogo seguinte é sempre o mais importante. O próximo estágio é o mais importante. Há muito para ganhar. Eu tenho um orgulho enorme no que fizemos até agora, mas troféus vão ficar no museu e estar no museu não nos vai ajudar no futuro.
Perfil
Eleito quatro vezes o melhor do Mundo
Filho de pais emigrantes, nasceu no Canadá e cresceu na pequena aldeia portuguesa de Sonim, em Trás-os-Montes. Jorge Braz, 49 anos, começou por ser guarda-redes de futebol no clube que sempre ambicionou, o Desportivo de Chaves, mas acabou por deixar as luvas de guarda-redes para se dedicar à faculdade.
Foi nos mundiais universitários que se apaixonou pelo mundo do futsal ao lado do antigo seleccionador Orlando Duarte, a quem sucedeu na liderança da equipa nacional em 2010. Nos últimos quatro anos conquistou todos os títulos de selecções de futsal: é campeão mundial e bi-campeão europeu com a equipa das quinas e foi eleito quatro vezes como o melhor seleccionar do Mundo