Os últimos tempos têm sido particularmente difíceis para o Desporto, um dos direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa. Campeonatos parados, jovens sem prática, clubes em dificuldades para subsistir, o futuro dos jovens talentos condicionado.
Foi, pois, com uma “enorme estupefacção” que os agentes desportivos leram o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
A versão preliminar do documento final estipula que até 2026 serão aplicados 14 mil milhões de euros em subvenções.
O projecto que o Governo colocou em consulta pública até 1 de Março prevê 36 reformas e 77 investimentos nas áreas da resiliência, transição climática e transição digital, também há verbas para a Saúde, para respostas sociais, inovação e qualificação.
Contudo, o Desporto ficou de fora das contas.
Apesar de o Primeiro-Ministro remeter os queixosos para o novo quadro de fundos comunitários e orçamentos do Estado, como fez com a Cultura, o presidente da Associação de Futebol de Leiria não esconde “descontentamento” e “estranheza” pelo facto de não estar previsto que o Desporto seja contemplado com ajudas que, considera, são “vitais para a sobrevivência” deste sector após todas as dificuldades.
“É uma última grande oportunidade que o País tem para se revitalizar e o que nós sentimos é que há uma espécie de secundarização do Desporto em relação a outra áreas igualmente importantes”, sublinha Manuel Nunes.
As associações distritais e regionais de futebol tomaram, de resto, uma posição conjunta e enviaram o documento ao presidente da Federação Portuguesa de Futebol, ao secretário de Estado da Juventude e Desporto e ao secretário de Estado do Planeamento.
Nele se explica que, com esta exclusão, se perde a oportunidade de efectuar a “reabilitação e modernização das instalações desportivas” e elaborar um “plano de infra-estruturas desportivas adequado à actual realidade das necessidades da população” e outro de “revitalização financeira dos clubes, associações regionais e federações”. “Se não se fizer agora, nunca mais será possível”, atira o dirigente.
[LER_MAIS]Sem as mensalidades dos miúdos, com o bar fechado e com os patrocínios a escassearem, os clubes, a base da pirâmide da prática desportiva, estão a atravessar graves problemas financeiros e, para o responsável, o seu desaparecimento está “iminente”, o que “arrastará consigo um grave problema social e económico”.
Está, pois, em causa a “não promoção da actividade física como garante do bem-estar físico e psicológico” e “o decréscimo brutal de número de atletas federados”, com tudo o que isso acarreta sob os pontos de vistos de saúde física e mental.
O Desporto tem também um papel decisivo “na educação, na formação pessoal e como garante de saúde pública” e na “luta contra a desigualdade social, estratificação e pobreza, em especial nas crianças”. Tudo “está em causa”.
Falta de cultura desportiva
Por tudo isto, também o presidente da Confederação de Treinadores de Portugal considera “muito grave” o esquecimento do Governo. “O PRR vai ser o documento estruturante dos próximos anos e vai enquadrar toda a retoma económica de Portugal.
Ao não haver qualquer referência ao Desporto fica implícito que é uma área menor de preocupação. Poderão dizer que estará inserido em algumas outras áreas, mas ao não ser visível acaba por ficar ao critério do decisor, enquanto se estivesse explícito o apoio estava garantido”, explica Pedro Sequeira.
O que “mais custa” ao também docente na Escola Superior de Desporto de Rio Maior e vice-presidente da Federação de Andebol de Portugal, residente nas Caldas da Rainha, é que Portugal está só neste tipo de decisão.
“Outros países colocam o Desporto nestes programas como área prioritária de apoio, o que demonstra a importância que lhe dão enquanto pilar da sociedade há décadas e o papel fundamental que tem na saúde e na educação”.
A justificação que encontra para esta ausência é só uma: “a falta de cultura desportiva de alguns dos nossos lideres”.
“Continuam a achar que o desporto é um passatempo apenas para alguns ou algo simplesmente para se ver na televisão como entretenimento. Não é por acaso que Portugal continua a aparecer sistematicamente nos últimos lugares dos países onde há menos actividade física. É um facto, infelizmente.”