Uma lebre, uma hiena e uma pedra com barba. Não entram num bar, mas encontram-se em palco. E sim, há uma história com humor, como nas melhores anedotas. A primeira história contada pelo Coro de Leitores organizado por Rodolfo Castro em parceria com o colectivo O Nariz, na antecâmara do festival de teatro Acaso, que começa este sábado, 21 de Setembro, em Leiria.
Para lançar o Acaso em 2024, O Nariz escolheu duas actividades: o espectáculo de marionetas Estación Paraíso, da companhia La Maquiné, de Espanha, e a residência artística Coro de Leitores, coordenada por Rodolfo Castro, que decorreu no fim-de-semana de 13, 14 e 15 de Setembro, com apresentação ao público no domingo, no Espaço O Nariz Recreio dos Artistas.
“Em Portugal, há vários coros de leitores, que não funcionam de forma regular. Há só um coro de leitores que funciona de forma regular, mas é um coro amador. Então, a ideia, com a companhia O Nariz, é criar um coro profissional”, explica Rodolfo Castro, que é natural da Argentina e vive em Portugal há 15 anos. “Criar repertório e passar da leitura para a narração, ou seja, entramos pela leitura em voz alta, todos lemos a várias vozes um texto, mas, que chegue o momento em que consigamos pôr de lado o texto para libertar o corpo e poder fazer uma apresentação profissional, um coro de contadores de histórias”.
Na estreia, oito mulheres e um homem, com e sem experiência, juntaram-se a Rodolfo Castro – ele próprio contador de histórias, além de escritor e ilustrador – para materializar “um formato colectivo, comunitário, solidário” que, como em qualquer outro coro, se inspira numa partitura com sons, ritmo, movimento e informação. “E é muito enriquecedor, porque nunca ninguém imagina tudo o que outro pode aportar. E é incrível”. Rodolfo Castro assinala: “A narração oral é, se calhar, uma das artes mais antigas da Humanidade, e toca fibras muito íntimas. A voz é um motor muito forte da acção, do pensamento, dos sentimentos”.
O Nariz vai à guerra
Entretanto, com os conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente como pano de fundo, no arranque do Acaso O Nariz recua quase 30 anos e estreia a nova versão da primeira produção do seu próprio repertório: O Meu Pequeno País, para maiores de 12 anos, a partir de um texto de Luís Mourão, abre o festival no Teatro Miguel Franco, amanhã, às 21:30 horas. “Uma peça com soldados insensíveis, sargentos cretinos e generais com problemas graves”, pode ler-se na sinopse. E também com “interferências” que incluem uma passagem do texto “Coelhos” de António Morais e um excerto de “Paixões da Alma” de Descartes.
“É um espectáculo mais longo, falado em quatro línguas – português, castelhano, inglês e francês – e com quatro actores, mais um do que tinha. É uma peça completamente diferente”, revela Pedro Oliveira. O Meu Pequeno País – acrescenta o encenador – aborda o tema da guerra e da ocupação do território e funciona como “uma alegoria sarcástica do que se passou, passa e passará enquanto houver engenharia de guerra”. E explica: “Há um militar, que tem uma campa térrea, com um tomateiro, uma alface e uma couve. É o seu pequeno país, que começa a ser disputado por outros”. A interpretação está a cargo de Francisco Soares, Gabriel Bonifácio, Glenmy Rodríguez e do próprio Pedro Oliveira.
Da Colômbia à Austrália
Ainda no primeiro fim-de-semana, o Acaso desloca-se ao concelho de Porto de Mós e, em Alvados, propõe a sessão Contos ao Pôr do Sol, para todas as idades, no Jardim Flor da Serra, em que participam os contadores Ana Moderno, Liliana Gonçalves, Luís Mourão e Pedro Oliveira, os músicos Berto Bé (guitarra), Daniel Reis (hang), Diana Catarino (saxofone) e Marciano Silva (voz) e em que José Siphioni vai dirigir uma oficina de olaria.
No segundo fim-de-semana, o programa do Acaso contempla quatro espectáculos entre quinta-feira (26 de Setembro) e domingo (29 de Setembro), sempre em Leiria: El Casting (teatro), por Glenmy Rodríguez, de Cuba; Terror e Miséria do Terceiro Reich (teatro), pela Companhia da Esquina; O Último Gafanhoto do Deserto (teatro), pelo Saaraci Coletivo Teatral (Portugal e Cabo Verde) e Eu Quero a Lua (marionetas), uma produção Partículas Elementares.
Teatro, música, marionetas, contos, circo, cinema, performances multidisciplinares, uma tertúlia sobre as portas que Abril abriu e o micro-festival O Portão preenchem o programa que durante cinco semanas entre 21 de Setembro e 27 de Outubro se realiza em Leiria, Batalha e Porto de Mós.
Ao todo, há sete países representados. Com raízes internacionais (Austrália, Cabo Verde, Colômbia, Cuba, Espanha, Moçambique) estão Glenmy Rodríguez, Saaraci Coletivo Teatral, Francis J. Quirós, Alúa Teatro, Companhia eLe, Chris Blaze, Andrea Rios Companhia, El Perro Azul, Mireia Miracle Company e Klemente Tsamba. De Portugal, participam O Nariz, Partículas Elementares, Marimbondo, Companhia da Esquina, Teatro Só, Teatro Nacional 21, Art’Imagem, Teatro Extremo, Teatro Amador de Pombal, Iúri Oliveira, Bluesnoise Soundmachine, Samuel Quedas, Lúcia Moniz, Luís Mourão e Nuno Tavares.
Na 29ª edição, com direcção artística e de produção de Pedro Oliveira e Vitória Condeço, O Nariz oferece “um programa que abraça a desordem, a imprevisibilidade e a multiplicidade de vozes, temas e estilos e que, paradoxalmente, encontra a beleza e a coerência na sua própria incoerência”.