Temos assistido a várias notícias na imprensa que dão conta de que há uma contracção na aquisição de veículos eléctricos a nível europeu, mas, em Portugal, os números não mostram isso. Qual é a panorama real, afinal?
A nível europeu, o registo de automóveis totalmente eléctricos aumentou 2,4% em Outubro de 2024, totalizando 124.907 unidades. Contudo, o volume acumulado no ano continua 4,9% abaixo do registado no mesmo período de 2023, com a quota de mercado a fixar-se nos 14,4%. Este decréscimo deveu-se, sobretudo, a uma redução significativa nas matrículas na Alemanha (-26,6%). Em Portugal, Dados do mercado de veículos ligeiros de passageiros eléctricos, no mês de Novembro de 2024, mostram um crescimento expressivo de 24,8% em comparação com Novembro de 2023, com 4.063 novos veículos matriculados. No acumulado dos primeiros 11 meses de 2024, registou-se um aumento de 12,5% face ao período homólogo do ano anterior, com um total de 36.615 automóveis ligeiros de passageiros totalmente eléctricos matriculados.
Quais são as principais tendências de consumo que estão actualmente a moldar o mercado automóvel português, como as preferências por tipo de veículo, compra ou leasing, e perfil dos compradores?
Relativamente às preferências dos consumidores portugueses, os SUV 4×2 destacam-se como a escolha predominante, com 60.789 unidades matriculadas entre Janeiro e Setembro de 2024. O segmento de carros utilitários de 5 portas registou, no mesmo período, 49.850 matrículas. Paralelamente, observa-se um aumento na procura por veículos de energias alternativas, como eléctricos e híbridos. Sim, o leasing automóvel tem-se consolidado como uma opção popular em Portugal, tanto para os particulares como para as empresas. Por outro lado, o crédito automóvel continua a ter uma importância fundamental no nosso País. Mas também o renting tem uma procura crescente, pois as empresas ou mesmo particulares não têm de se preocupar com os aspectos ligados à manutenção do veículo. No entanto, também temos de estar atentos às novas tendências, onde a propriedade do carro já não é fundamental e onde iremos ter os serviços do chamado “pay per use”.
O preços elevados dos combustíveis têm algum impacto na mente do consumidor nacional?
Claro que sim. Os preços elevados dos combustíveis têm, sem dúvida, um impacto significativo no comportamento dos consumidores portugueses. Este aumento afecta não só os custos directos de transporte, mas também os preços de bens essenciais, como os alimentos, devido ao incremento nos custos de produção e logística. Infelizmente, Portugal continua a ter uma fiscalidade sobre os combustíveis muito elevada e superior, por exemplo, à da nossa vizinha Espanha.
Com menos incentivos fiscais constantes no Orçamento do Estado para 2025, a decisão de compra, em Portugal, irá migrar para os híbridos, dado o preço elevado dos eléctricos puros?
A Acap tem reiterado a importância de incentivos fiscais robustos para a aquisição de veículos eléctricos e híbridos, reconhecendo que o custo elevado dos veículos 100% eléctricos continua a ser um obstáculo para muitos consumidores. Neste sentido, a nossa associação apresentou ao Governo um conjunto de propostas destinadas a promover a descarbonização, incluindo a criação de um programa de incentivos directos à aquisição de veículos electrificados e a reintrodução dos incentivos ao abate de veículos em fim de vida. Sem medidas adequadas, a transição para veículos mais sustentáveis será, obviamente, dificultada. Para alcançar as metas de mobilidade eléctrica, é fundamental que os poderes públicos ofereçam apoios consistentes. O Governo anunciou o Pacote da Mobilidade Verde, no qual constam incentivos ao abate, apenas para a compra de veículos eléctricos, o que é muito redutor. Por outro lado, a concessão de apenas 1.050 euros de incentivos, para a compra de veículos ligeiros eléctricos por particulares, e até ao valor de 38.500 euros, é muito pouco significativo face à realidade do mercado.
Que análise faz da chegada das marcas chinesas de automóveis, ao nosso País, muitas vezes ao lado de operadores nacionais com longos pergaminhos no mercado? Há já quem a compare com a chegada dos utilitários japoneses, nos anos 70, durante o choque petrolífero. Concorda?
A indústria automóvel é uma indústria global e temos uma produção em vários países e continentes. Os construtores de automóveis são, por isso, empresas multinacionais. A China surgiu, nos últimos anos, como um país com uma crescente produção de veículos e domina a cadeia de valor ao nível dos eléctricos e, mais especificamente, das baterias. Aqui, com a vantagem acrescida de ter em grandes quantidades no seu subsolo as matérias-primas necessárias ao seu fabrico. Estamos, assim, a assistir à entrada nos mercados europeus destas marcas que têm procurado a distribuição tradicional para a sua implantação. Essa comparação é muito significativa, porque, nessa altura, o Ocidente via os carros japoneses como um grande desafio e, até, os métodos industriais do Japão como um modelo muito avançado para a indústria da época.
É previsível que o mercado e as marcas europeias, não reajam rapidamente aos problemas de gestão – veja-se a Stellantis e a Volkswagen -, e criem uma bola de neve que terá impacto em Portugal, tanto ao nível das montadoras, como na indústria dos moldes e plásticos?
Apesar da situação de alguma instabilidade que atravessa a indústria automóvel na Europa, a indústria automóvel em Portugal continua a mostrar sinais de crescimento. Em Outubro de 2024, foram produzidos 34.875 veículos automóveis no País, o que representa um aumento de 24% em relação ao mesmo mês de 2023. No acumulado dos primeiros dez meses de 2024, o volume de produção atingiu 274.598 veículos, registando um crescimento de 3,9% face ao mesmo período do ano anterior. Esta produção destina-se maioritariamente à exportação para o espaço da União Europeia, onde os nossos principais mercados são a Alemanha, França ou Itália. Ora, o nosso receio é que dada a situação de crise económica e política por que passa a Alemanha, e agora também a França, haja uma recessão nestes mercados que pode levar a uma redução da procura, a qual virá a ter impacto na indústria nacional. Mas a indústria automóvel é muito resiliente e irá ultrapassar esta fase de necessárias reestruturações e revisão dos planos que tinham sido aprovados.
Qual é agora a idade média do parque automóvel nacional?
A idade média do parque automóvel em Portugal é de aproximadamente 13,6 anos nos veículos ligeiros de passageiros, e de 16 anos nos veículos ligeiros de mercadorias, enquanto a idade média dos veículos enviados para abate é de 24,3 anos. Estes números evidenciam um parque automóvel envelhecido, menos seguro e mais poluente e que necessita de uma renovação urgente. A renovação do parque automóvel é essencial para melhorar a segurança rodoviária, reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e contribuir para uma mobilidade mais sustentável em Portugal.