“A teatralidade é essencialmente humana. Todo mundo tem dentro de si o actor e o espectador. Representar num espaço estético, seja na rua ou no palco, dá maior capacidade de auto-observação. Por isso é político e terapêutico”, quem o disse foi o dramaturgo brasileiro Augusto Boal e parece que tinha razão.
Que o digam os elementos do Rancho Verde Pino, da freguesia do Coimbrão que, no domingo passado, encarnaram diferentes personagens que compunham uma peça montada e ensaiada em pouco mais de cinco dias. Um desafio do Festival de Teatro Comunitário, Novos Ventos, da responsabilidade do Leirena Teatro, que tomou de assalto a freguesia e meteu miúdos e graúdos a representar com ajuda de profissionais.
Passava pouco das cinco da tarde quando no salão do Centro Escolar do Coimbrão, sala de teatro improvisada para as apresentações, se instalou um autêntico furacão.
À mesa do Café Central discute a programação e a organização das festas da terra, num frenesim que toma conta de todo enredo, do início ao final da peça. Os mais velhos sugerem fado, outros querem rock n' roll e as adolescentes votam em Richie Campbell, em total histeria. Depois de um difícil desempate acaba por ganhar o rock n' roll e os Xutos e Pontapés têm de vir tocar à festa. Claro! Mas para isso é preciso “arranjar dinheiro”. Ideias, quem tem? Desde vender frascos de água da Lagoa da Ervedeira para fins medicinais não comprovados, a leiloar e vender equipamentos públicos desaproveitados da freguesia, como os lavadouros, a torre e o campo de futebol, tudo serve para fazer dinheiro para festa e, já agora, para fazer um bocadinho de sátira.
Mas nenhuma das ideias viria dar a receita necessária, ao que se juntam ainda problemas técnicos vários e outros tantos imprevistos de deixar os festeiros de cabelos em pé. E lá ficam as festas da freguesia em risco, mas baixar os braços não é opção para esta comissão de festas fervorosa.
A cena é caótica, os nervos são muitos, mas todas partilham da mesma certeza: vai haver festa no Coimbrão, nem que esta gente se desunhe. Vivem-se momentos de stress, desespero e correria, mas uns contactos para aqui, uns telefonemas para ali e tudo acaba em bem, com o grupo de Rancho Verde Pino a safar o dia e os festejos do Coimbrão com a sua actuação.
Aprendizagem para os amadores mas também para os profissionais
Luís Mouzinho, actor do Leirena Teatro, que trabalhou com o grupo do Rancho Verde Pino durante a semana que antecedeu o espectáculo, reconhece que os temas das peças desenvolvidas com estes grupos de teatro improvisados, nas freguesias por onde passa o Novos Ventos, “vive muito daquela que é realidade social e cultural destes lugares”, sendo o processo de criação de cada peça “um trabalho de partilha de ideias e muita improvisação, que vão dando origem a um guião”.
“Por mais simples que sejam estas pequenas peças, montá-las acaba por ser trabalhoso, sobretudo porque é feito em tempo record, no entanto, não é tão difícil quanto possa parecer, porque o que fazemos é, essencialmente, meter estas pessoas a divertirem- se a fazer teatro, o que acaba por facilitar muito todo o processo”, explica Luís Mouzinho.
Do ponto de vista pessoal, o actor não esconde que “também para os profissionais que desenvolvem este trabalho é muito enriquecedor, na medida em que se aprendem imensas coisas sobre a história, as tradições, antigos e actuais costumes de cada freguesia onde actuamos e, às vezes até sobre as próprias pessoas destes lugares, que nos ajudam também a criar personagens”.
Madalena Cinca tem apenas 14 anos, era uma das adolescentes do grupo de comissão de festas representado na peça. Foi actriz por um dia e diz-se “muito contente” com a experiência. Apesar de ter contracenado com pessoas que conhece bem e com quem convive regularmente nas actividades do Rancho Verde Pino, confessa que “esta foi uma experiência totalmente diferente”.
“Aqui, estivemos juntos a fazer algo diferente do que estamos acostumados. Relacionámo-nos num contexto que não é o habitual e acho que isso é importante, até para promover ainda mais a união entre os elementos do rancho”, refere a jovem. “Estar no rancho tem-me permitido conviver e aprender com pessoas mais velhas, saber coisas sobre a minha terra que, se calhar, não saberia se não pertencesse a este grupo. Aprendem-se expressões e termos antigos que já não se usam, muitas coisas sobre a história do Coimbrão e dos seus tempos passados que, pelo menos quem é de cá, deve saber”, considera Madalena. “Acredito que depois desta experiência a fazermos teatro estaremos ainda mais próximos uns dos outros e mais unidos”.
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