Como é que um escultor muda de área criativa para a colagem?
Vejo esse processo mais como uma materialização de ideias alternativas. A construção escultórica, que costuma ser o corpo do meu trabalho, segue o pensamento criativo, até porque a colagem tem servido para veicular novas ideias, independentemente da linguagem plástica a adequar posteriormente. Não quer dizer que todas elas amadureçam da mesma forma. Como qualquer artista, bebo muita informação visual. Após pensar repetidamente “quem me dera ter sido eu a fazer isto!”, na minha alimentação visual, o meu espaço foi-se preenchendo de revistas, livros, gravuras, postais, pósteres, folhetos de museus e exposições, ilustrações de arte, fotografias e ferramentas adequadas. Entrei num mundo visual mágico, onde sou o criador e o manipulador.
De que modo essa disciplina contribuiu para a sua evolução artística?
O mundo é essencialmente visual e essa omnipresença escapa-nos sistematicamente. Manipula o pensamento e, consequentemente, a tomada de decisão. Fazer parte de uma classe profissional apaixonada pelo “objecto” imagem, torna-nos especialmente atentos a essa realidade e centra-nos como actores capazes de a criar, pintando o cenário da vida moderna. Desafiamos continuamente as pessoas a ver o mundo de forma diferente, ilustrando a nossa cultura de uma forma atenta, crítica e, algumas vezes, esteticamente interessante, obrigando- nos a evoluir constantemente.
A colagem é uma forma de ilustração ou continua a ser escultura?
A colagem abriu uma porta de manipulação criativa que aguça o pensamento crítico e me centra conscientemente dentro desse paradigma. Trabalhamos com imagem, com percepções. Mais do que rotular – e entendo que o ser humano tende a catalogar as coisas para as compreender e melhor viver com elas – a colagem tem, na realidade, um pouco das duas. Como ilustração, é demasiadamente óbvio. Como escultura… dela se erguem volumes. Tudo, contraria o motivo por que, a dado momento, se designou a colagem como… colagem!
É professor na Escola Europeia de Alicante (Espanha). Divide o seu tempo entre ser professor, estudante e artista plástico?
Como acontece em todas as profissões, há a necessidade de manter e actualizar a formação pessoal. Queremos sempre melhorar, fazer mais, encontrar outros caminhos, chegar mais longe e a mais indivíduos. Nos últimos dois anos, tenho virado a minha atenção para o tema das Terapias Expressivas, que considero um complemento profissional. Finalizei uma pós-graduação em Terapias Expressivas e Arte Terapia, na Universidade Europeia de Valência e, actualmente, frequento o mestrado em Terapias Criativas pela Universidade de Múrcia. Estou muito entusiasmado.
O que é a Arte Terapia? E como a consegue traduzir para o contexto educativo?
É uma técnica na qual comunicamos através dos materiais de arte, facilitando assim expressão e a reflexão. É privilegiada a comunicação de sentimentos, atitudes, fantasias, emoções, vivências e recordações, sem a necessidade a aceder à sua verbalização. A mensagem é transmitida por imagens, com a vantagem de revelar conflitos internos que, numa situação normal de verbalização, bloqueia e potencia a insegurança. O processo suplanta o produto final. O jogo simbólico ultrapassa a qualidade estética. O bem-estar pode ser o seu objectivo, o que torna a Arte Terapia muito útil e daí conectarmos o que designamos como terapias expressivas, como a musico- terapia, dança e movimento terapia ou psicodrama, à Arte com um objectivo ou efeito terapêutico. Ou seja, misturar o melhor que há em cada uma das práticas no sentido de promover o desenvolvimento da criatividade e formas mais complexas e simbólicas de expressão. Ao fazê-lo, promovemos o auto-conhecimento e, paralelamente, a melhoria da auto-estima. O resultado é o bem-estar consigo mesmo e com o mundo.
Perfil
Leiria: tão longe, tão perto
Em Portugal, é Simão Matos. Em Alicante, onde mora agora, Simão Roldão. Os alunos chama-lhe “senhor Roldão”. Este escultor de 43 anos, que é professor e coordenador da disciplina de Arte na Escola Europeia de Alicante, desde 2012, é natural de Maceira, Leiria, e tem explorado a técnica da colagem, contando já com um extenso currículo na área.
Tem sido abordado para expor em Alicante, mas sente que não tem concluído um ciclo de trabalho para mostrar. Pelo mesmo motivos, afasta uma exposição em Leiria. “Toda a obra de arte completa-se com o espectador e, essa porta, obviamente, está sempre aberta.”
Mas mantém a ligação à cidade do Lis através da Internet, contactos com amigos e visitas esporádicas.
“Cada vez que regresso, cumpro a rota cultural da cidade não falhando os habituais locais de exposição. Por reconhecer a suma importância da cultura como meio catalisador da cidade, não podia deixar de enfatizar a acção extraordinária realizada pela Fade In – Associação de Acção Cultural, desde 2001, cuja obra se confunde com o próprio conceito de cultura leiriense.”
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