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Quem dá voz ao relato é Gonçalo Byrne, que frequenta a praia desde a infância: inauguradas faz hoje 50 anos, as piscinas de São Pedro de Moel causaram um episódio burlesco logo nos primeiros dias, quando a Marinha tentou encerrar o empreendimento e expulsar os banhistas.
"Uma cena caricata. Apareceu um jipe e entraram dois fulanos da Polícia Marítima". O motivo do conflito perdura na actualidade e é o mesmo que trava o mais recente projecto de reabilitação.
"Metade do complexo está dentro dos 50 metros de salvaguarda da orla costeira", explica o arquitecto. Conta-se que os cabos de mar esticaram uma corda sobre o espelho de água do tanque olímpico, a marcar a fronteira imaginária, até alguém notar a verdade (in)conveniente: se o Presidente da República, Américo Tomás, tinha descerrado a placa na abertura, não podia existir ilegalidade.
E com este argumento se deu início a uma nova era na estância de veraneio.
Inauguradas a 1 de Junho de 1967, mas desactivadas desde Setembro de 2013, de imagem de postal a ferida aberta sobre a praia, a degradação das piscinas de São Pedro de Moel, que estão na posse da Gestoliva, do Grupo Oliveiras, da Batalha, representa a negação do espírito filantrópico com que José Nobre Marques as imaginou.
Na mensagem às gerações vindouras escrita para o lançamento da primeira pedra, o mentor e principal mecenas da obra, empresário, sem filhos, lembra que "vale sempre a pena dar um pouco ao nosso semelhante". E apela: "Que tendais reflexão, respeito e simpatia por aqueles que puseram a sua grande força de vontade e altruísmo à frente dos seus interesses particulares".
Já no século XXI, depois de aproveitar as dificuldades financeiras da Promoel para adquirir o empreendimento, a Gestoliva quis expandir a área de construção com apartamentos turísticos, mas o Estado, através da Agência do Ambiente, chumbou a ideia, por violar as regras de ordenamento do território previstas para o domínio público marítimo.
Actualmente, garante a Câmara Municipal da Marinha Grande, não há propostas de urbanização em análise.
Em 1967, o investimento valeu a José Nobre Marques o grau de comendador da Ordem de Benemerência. Privado, mas aberto à comunidade, o complexo de piscinas, bares, salões de festas e espectáculos revolucionou a paisagem de São Pedro de Moel e mexeu para sempre nos hábitos de quem frequentava a vila balnear.
Num destino conhecido pelas manhãs de nevoeiro, noites frias e mar revoltoso, "foi durante muito tempo uma alternativa bem vinda", que acabou "por ter outras valências", lembra Gonçalo Byrne. Ajudou a construir identidade e imaginário, com impacto na vida social dos residentes e visitantes, durante décadas.
"Frequento São Pedro de Moel praticamente desde que nasci. Já os meus avós tinham lá casa. Tem encantos absolutamente extraordinários e uma situação que é capaz de ser única no contexto das praias portuguesas", diz o arquitecto, apontando a protecção conferida pelas matas.
Natural da Marinha Grande, José Nobre Marques era sócio de José Lúcio da Silva em fábricas de plásticos e borrachas. "O José Lúcio da Silva oferece o teatro a Leiria e o José Nobre Marques ficou assim um bocado pendurado na opinião pública, porque também era um homem muito rico. E então ofereceu as piscinas", conta Gabriel Roldão Pereira, morador em São Pedro de Moel e investigador da história local.
Para o efeito, surge a empresa Promoel, presidida por José Nobre Marques e participada por 118 accionistas, sobretudo membros das elites da indústria e do comércio, que reuniram 16 mil contos com o objectivo de valorizar a estância onde passavam os meses de Verão com as famílias.
"Estes homens contribuíram imenso para o conforto e para o bem de várias gerações", salienta Gabriel Roldão, destacando a política de preços acessíveis a todos os públicos praticada pela sociedade anónima, sem dar prioridade ao lucro.
A construção abriu caminho ao desenvolvimento urbanístico da zona sul da povoação, atraiu turistas e facilitou o aparecimento de albergarias, hotéis e parques de campismo. Quem olha para o estado a que chegaram as piscinas "com grande desgosto" é um dos accionistas fundadores da Promoel, Daniel Lúcio da Silva Pereira, de 85 anos.
"Os meus filhos todos aprenderam a nadar na piscina. A minha mais velha casou e a festa foi lá", recorda. Mas sem a principal âncora de animação nocturna e diurna, tudo muda. "Muito embora seja uma praia em que as pessoas privilegiam a tranquilidade, a verdade é que hoje não tem nada e grande parte das famílias nem vem para cá porque os filhos não querem", afirma.
Na visão do arquitecto Egas José Vieira, filho do arquitecto Egas de Vidigal Vieira, que em conjunto com Vitor Manuel Rodrigues projectou o complexo, as piscinas estão "completamente enraizadas na memória colectiva" de quem conhece São Pedro de Moel e daí a urgência de uma "situação de consenso" entre os actuais proprietários e a Câmara, até porque o empreendimento "está numa situação geográfica extraordinariamente interessante", frisa.
As piscinas estão construídas num terreno cedido pelo Estado ao Município da Marinha Grande e que o Município vendeu à Promoel na década de 60 do século passado. E em 2011, a autarquia autorizou a venda à Gestoliva.
Já não há mergulhos da plataforma olímpica, dias intensos e noites longas, nem verões inesquecíveis, namoros debaixo das estrelas e brilharetes na pista de dança, já não há Terrazo, Cheers e bebedeiras no Snoobar, nem Hot Rio, Caótica e Club In, já não há bares, discotecas, restaurantes, festas, banquetes, cinema, concertos e partidas de bilhar, restam as memórias coleccionadas por várias gerações. E uma ferida ao abandono, que teima em manchar a paisagem.
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