Há 20 anos a trabalhar para o boneco? Ou cada vez menos?
Estamos a trabalhar cada vez mais. Há cada vez mais público. Se fazemos coisas grandes, na rua, com a dimensão da produção que fizemos há duas semanas, conquistamos mais gente ao mesmo tempo. Nas salas, os espaços fechados são condicionados a 500 ou 600 lugares.
E tudo depende também da dimensão do objecto, das marionetas que estamos a criar. Se se tratar de um objecto pequenino será para pouco público, mas se aumentarmos a escala então o público aumenta também. Mas sim, há cada vez mais público. E foi o que se viu com o espectáculo Lúmen, uma produção que já andávamos há alguns alguns anos a tentar fazer. Felizmente, conseguimos agora reunir essas condições.
Que novos patamares atingiram com o Lúmen?
O patamar é agora um pouco estranho. Não conseguíamos nunca imaginar que iríamos montar um espectáculo que em três dias juntaria 30 mil pessoas. Nem nos meus sonhos mais profundos imaginaria que isso fosse acontecer. Foi uma surpresa muito grande. Principalmente porque foi um projecto honesto para o público. Nunca dissemos que era outra coisa, que não fosse um espectáculo de teatro de marionetas.
Foi uma adesão surpreendente mesmo em comparação com o que se passa lá fora?
Sim, foi uma surpresa a todos os níveis, não só em Portugal. Estamos a falar de uma companhia de teatro de marionetas, que fez um projecto de teatro de marionetas e ao qual o público foi assistir em massa. No nosso País assistimos normalmente a este tipo de movimentação de massas mais associado à música, pela grande quantidade de festivais e de concertos que existem. Mas no teatro de marionetas é uma surpresa. Perceber que o público adere desta forma é gratificante.
É uma experiência a repetir?
Sim. E muito.
Em que contexto?
Durante 2017 o espectáculo não volta a acontecer, devido à agenda da companhia, que felizmente é muito preenchida até ao final do ano. Depois, a partir de 2018, vamos comercializá- lo pelo País e pelo mundo inteiro. Vamos ver qual será o seu percurso.
Depois de um espectáculo com bonecos de cinco metros de altura, qual é o próximo desafio?
Não fazemos ideia. Agora vamos saborear este. Usá-lo e muito. Mas ficámos com uma vontade enorme de fazer ainda mais e melhor. E de fazer diferente. Penso que o Lúmen também conquistou muito o público pelo efeito surpresa. Pelo facto de termos conseguido esconder tudo até ao início do espectáculo.
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A SA Marionetas é a mais internacional das companhias nacionais de marionetas?
Temos feito um percurso internacional muito grande. Mais de metade do nosso tempo é passado fora do País, devido a convites e a outras participações que temos vindo a fazer em salas de espectáculos, festivais e outros eventos dedicados à marioneta pelo mundo inteiro. É uma aposta da companhia desde há muitos anos, que tem resultado cada vez mais. Basta ver a nossa agenda para perceber que estamos cada vez mais fora, além de mantermos um percurso em Portugal.
Onde vamos poder ver a SA Marionetas até ao final do ano?
Em Portugal pouco. Em Torres Vedras, a 16 de Setembro; em Faro, a 29 e 30 de Setembro; e em Alcobaça, de 9 a 15 de Outubro, com a 20.ª edição do festival Marionetas na Cidade. Lá fora, vamos estar na Expo 2017 no Cazaquistão, já a partir de amanhã, dia 1 de Setembro, e até dia 8; depois estamos em França, a 20 e 21 de Setembro; na Índia, de 26 a 31 de Outubro; e por fim na Malásia, de 4 a 11 de Novembro.
Bonecada também é coisa de gente grande?
Bonecada sempre foi coisa de gente grande. O mito de que bonecada é para crianças é recente. Por exemplo, o que aconteceu em Portugal, nos anos 70, é que os bonecos eram um veículo muito fácil de chegar à criança e os educadores começaram a introduzir a marioneta na escola, como forma de chegar aos miúdos e de ter a atenção deles. Mas o teatro de marionetas, na sua génese, nunca foi um teatro infantil. Bem pelo contrário, era para adultos. Existe agora no mundo inteiro muito maior produção de teatro de marionetas infantil, mas o teatro tradicional é literalmente para adultos.
Conseguiram resgatar a tradição do teatro Dom Roberto?
Desde o princípio do nosso projecto, a ideia sempre foi a recuperação e a manutenção do teatro Dom Roberto. A companhia esteve sempre muito envolvida nessa recuperação do teatro tradicional português de marionetas e acabou por ser reconhecida com vários prémios atribuídos fora daqui. Por exemplo, recebemos há uns anos um prémio num evento em Banguecoque, que nos distinguiu pelo melhor espectáculo tradicional do mundo. Foi um reconhecimento a nível mundial para o teatro tradicional de marionetas e para nós também.
Uma casa com os pergaminhos que tem a SA Marionetas tem o devido reconhecimento por parte Direcção-Geral das Artes?
A DG Artes é um pau de dois bicos. A companhia é apoiada várias vezes pela DG Artes, para a sua internacionalização. Mas continuamos a queixar-nos, porque a DG Artes continua a não dar o reconhecimento devido a um evento que nós fazemos há 20 anos em Alcobaça, que é o festival Marionetas na Cidade. Apesar de convidarmos algumas companhias estrangeiras, é um festival dedicado essencialmente a companhias portuguesas. E por não ser um festival internacional de marionetas sofre bastante em questão de apoios. Além disso, estamos também muito perto da capital e, quando nos candidatamos a apoios monetários do Estado, estamos a concorrer com todas as estruturas profissionais que existem em Lisboa. Percebo que é complicado, mas é um pouco injusto por parte de quem avalia não perceber o reconhecimento, que já é bastante grande, do nosso público e dos nossos pares. Um festival que tem um reconhecimento internacional já comprovado, com selo de evento de qualidade artística europeu, não faz sentido continuar sem apoio do Estado. Ao longo de 20 anos, se fomos apoiados em duas ou três edições foi muito.
O turismo cultural tem sido efectivamente um motor de desenvolvimento económico ou não tanto quanto poderia ser?
Nós temos um património edificado gigantesco. É óbvio que poderia ser mais bem divulgado. Mas se analisarmos todo o crescimento que houve, o facto de Portugal estar na moda e todo este boom de turismo, se tudo se mantiver organizado, favorecemos a imagem do nosso País. O Mosteiro de Alcobaça, por exemplo, é sobejamente conhecido, e ao virem cá, para conhecê-lo, as pessoas podem descobrir outros pontos de atracção. Podemos captar o interesse através do Mosteiro, mas depois temos outros espaços e monumentos muito bonitos que podemos divulgar. Aos poucos as coisas vão lá. Eu sou sempre optimista em relação a isso.
José Gil, 48 anos, é natural de Alcobaça. Apaixonou-se pelo teatro tradicional de marionetas na escola, através de um professor que também gostava de bonecos. Incentivado pelo docente, fez desta arte tradicional a sua profissão. Fez mestrado em teatro de marionetas e está a meio de um doutoramento em História de Arte aplicada ao teatro de marionetas em Portugal. “No fundo, pretendo apresentar uma proposta de matriz do teatro Dom Roberto, para não se perder”, explica José Gil. É um dos fundadores da companhia SA Marionetas, onde é director artístico. O colectivo é também responsável pelo festival Marionetas na Cidade, de Alcobaça, criado em 1998 para comemorar o primeiro aniversário da SA Marionetas como estrutura profissional. São da responsabilidade da SA Marionetas os bonecos da Avenida Q, uma adaptação atrevida de um musical da Broadway, vencedor de três Tony Awards.