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Após o primeiro título de campeão europeu de futebol, da primeira conquista na Eurovisão, da festa dos “seis milhões de portugueses” e dos 100 anos de Fátima, o que falta a Portugal conquistar? Naturalmente, o último lugar no 52.º Campeonato Europeu de Carro à Vela.
E já há quem queira reivindicar tal “honra” já em Setembro, na Irlanda. “É a primeira vez numa competição e o último lugar já é meu!” Parece derrotismo, mas o tom com que Dário Ruivo o diz é de brincadeira.
Natural de Leiria, é um dos dois participantes que se vai atrever a levar a primeira equipa lusa a esta competição O seu parceiro de aventura é David Allen, um velejador de dupla nacionalidade – australiana e inglesa -, e os dois já estão em contagem decrescente para o competição que se disputará na praia de Bettystown, em County Meath, Irlanda, entre 9 e 15 de Setembro.
Estes apaixonados pelo vento, paz e tranquilidade que a modalidade proporciona, serão pioneiros a levar a bandeira verde-rubra às competições internacionais. Portugal nunca teve uma equipa presente numa prova desta natureza.
O “estrangeirismo” de Allen não o impede de “vestir” o estandarte das quinas já que habita há três anos, na pequena aldeia de Casal Soeiro, no concelho de Ansião. Fixou-se ali, com a mulher, Sarah, após uma viagem de auto-caravana pela Europa Ocidental.
Renderam-se ao clima “exótico” que caracterizam como um “mix entre Europa e África”. Designer gráfico de profissão e velejador por gosto, mantém a ligação aos seus clientes através da internet. “Adoramos isto e a cereja no topo do bolo é poder praticar carro à vela!”, diz David. Veterano deste desporto, já concorreu no Campeonato do Mundo, na Bélgica, e no Campeonato Europeu, em Hoylake, na Inglaterra (2011), envergando as cores do Reino Unido.
Dário Ruivo já leva 20 anos e muitos quilómetros de vela percorridos em terra. Serralheiro mecânico de profissão, aos 16 anos construiu o seu primeiro kart. Aliás, diz quem o conhece que, em sua casa, nunca faltavam inventos mecânicos saídos da sua imaginação e hábeis mãos. Construir carros à vela foi um pequeno salto.
Viu o primeiro e perguntou- se “por que não hei-de fazer um?” A princípio, sopravam ventos de ironia que lhe desejavam “boa sorte”. Outros diziam “isso não anda com o vento e muito menos na praia”. “Nem os meus pais acreditavam”, admite.
Rumo ao Campeonato
Em 2015, no Festival do Vento, em Aveiro, Dário e David conheceramse. O primeiro andava pelo areal com o seu carro à vela, e emprestou-o ao segundo que, pouco depois, o deixaria de boca aberta com as suas manobras.
A destreza com que velejava contra o vento encheu-o de surpresa. “'Como fizeste isso?' deve ter-se perguntado”, brinca o australiano que já domina umas frases em português. Depois de vários encontros e passagens pelas praias da região, o australiano fez a proposta ao português.
Em Portugal, ainda não existe uma Federação de Carro à Vela, mas nesta “pequena família” internacional, como lhe chama David, “os navegadores estão prontos a ajudar os outros a melhorar as suas capacidades”. E participar neste Campeonato Europeu, sem um apoio organizado, vai ser uma aventura.
Por exemplo, a participação exige um seguro que não é possível contratar em Portugal. Foi BCN – Barcelona, equipa espanhola de landsailing (carro à vela), que facultou o seguro. Uma manobra que só foi possível pelas presenças em competições internacionais de David.
Mas os apoios não vêm só do país vizinho, pois a Irish Association vai fornecer um mini-yacht para Dário competir e a Associação Francesa da Promo Sport irá emprestar um carro da classe Promo Sport a David.
Este desvenda que, por detrás de todo este apoio internacional, há uma figura humana importante, “Alan Watson, presidente da Federation of International Sand and Land Yachting, ajudou-nos várias vezes”.
Watson demonstrou interesse em vê-los na competição e, para isso, teriam à sua disposição os carros. Entre risos, o designer brinca com declarações feitas recentemente pela primeira ministra do Reino Unido que dizia não existir tal coisa como uma Área Económica Europeia de cidadania.“ Eu, com dupla nacionalidade, debaixo da bandeira de Portugal, com o seguro espanhol e a velejar um carro francês!”
A modalidade em Portugal
Dispersa ao longo das costas do continente europeu, a modalidade carece de divulgação e reconhecimento. A Blo’kart, escola que se pode encontrar no Porto e em Sagres, já organizou uma prova no Alentejo, com os participantes a serem maioritariamente estrangeiros.
Além disso, tem critérios de participação muito fechados o que obriga a cumprir à risca as regras de cada classe: diferentes tamanhos de carros, velas, rodas ou rolamentos. As meticulosas restrições de cada classe parecem impedir a democratização da modalidade.
Os dois amigos preferem ir para um local seguro nas praias da região, em vez de se deslocarem a “pistas especificas”, como a que há no Estoril. Para se prepararem para a competição que se avizinha, a Praia do Pedrogão tem sido o local de eleição. Também Peniche já mereceu a atenção da dupla. Dário Ruivo concorre na classe mais pequena mini-yacht, também conhecida como 5.6.
Diz que não se importa se outros têm uma classe diferente pois o objectivo dos velejadores é criar um grupo de praticantes. É como uma bicicleta Quando olhamos para um carro à vela, é possível vislumbrar componentes em comum com um barco à vela. A maior diferença prende-se com a superfície onde um e outro se deslocam.
Ruivo conta que os carros à vela antigos eram tão semelhantes a barcos que a sua estrutura era em madeira. Uma vela, roldanas, uma retranca, um mastro e os cabos fazem parte da linguagem marítima utilizada nas embarcações. Mas, neste desporto, surgem os rolamentos, as rodas, e um sistema de direcção, que se controla com os pés, equiparável ao leme de um pequeno barco.
Allen já atingiu os 60 km/h no seu carro, mas sabe que consegue ir muito mais depressa. Os veículos de maior dimensão atingem velocidades superiores nas condições certas e terreno sólido. O velejador encontra na relação directa que tem a modalidade com o vento “a parte emocionante deste desporto”, através da utilização da “energia livre”, do “poder do vento”.
Dário diz que praticar carro à vela, é tão caro quanto o ciclismo. À medida que se vai avançando para um maior nível de competição, os gastos com a manutenção e aquisição de novos materiais, vai crescendo.
Um rolamento para um carro de competição, por exemplo, pode custar, facilmente, 100 euros. Cada roda leva dois e a factura vai avolumando. “Se for só para passar um bom momento, sem competição, não é preciso gastar muito dinheiro”, esclarece Allen.
Ruivo tem um truque para não rebentar o orçamento familiar com os gastos em peças. Habituado a comprar materiais para construir os seus próprios carros lança-se em aventuras só ao alcance de verdadeiros criadores: “as rodas são de carrinho de mão, transformadas por mim e adaptadas aos rolamentos”.
Não poupa elogios ao material que se produz no País, “até as velas nós temos em Portugal. As Pires Lima, que é uma das maiores empresas a produzilas”. Até ao campeonato os dois velejadores terrestres têm algum tempo mais para afinar a técnica em quase tudo igual à vela no mar, com os movimentos do pano e do leme, esticar de cabos e navegação à bolina.
Para Dário será uma estreia internacional e David vai-lhe passando os conhecimentos que adquiriu ao longo das muitas milhas que já percorreu, isto porque praticar barco à vela é muito mais do que um marujo em terra a tentar chegar com vento onde talvez as pernas não o levassem.
As competições exigem o estudo das regras e preparação para a corrida. Das estradas alcatroadas, a modalidade apropria-se de uma peculiar regra; todos os indivíduos que circularem à direita devem ceder passagem e, se não ouvirem, os praticantes devem gritar a plenos pulmões Priority!
David Allen remata que carro à vela é todo um mundo além da condução. “Muitas pessoas estão interessadas pela parte da engenharia” mas ele só quer é “saltar para dentro do carro e velejar”.
Distinguindo classes
São vários os elementos que distinguem as classes deste desporto: a área da vela, o número de apoios de vela, o chassis das viaturas, o peso, os travões ou os materiais de construção.
O carro de Dário, um mini-yacht 5.6, cabe, com alguma destreza e capacidade de arrumação, na bagageira de uma viatura. Os carros mais pequenos surgiram da necessidade de encontrar espaços alternativos para praticar a modalidade, quando as condições não o permitiam nos locais habituais.
Allen corre num Promo Sport, um carro maior, mais estável e à partida capaz de atingir velocidades superiores, mas que tem de ser transportado no tejadilho do automóvel da família.
Texto: Bruno Lopes com JSD (artigo publicado originalmente no JORNAL DE LEIRIA a 18 de Maio de 2017)