Lord Mantraste. De que forma surgiu este alter-ego?
Quando estava ESAD.CR fazia parte de uma revista, onde se escrevia acerca do que se achava menos bem, quase como uma revista cor-de-rosa da cidade. Um colega meu escolheu este alter-ego para mim e eu comecei a utilizá-lo mais tarde.
Diz-se que Lord Mantraste é a própria encarnação do diabo. Ao mesmo tempo, diz-se que ele quer ser a Nossa Senhora da Ilustração. O seu processo criativo é atormentado por esta dicotomia entre bem e mal?
O próprio trabalho é o reflexo disso. Estamos sempre a tentar seguir o caminho que é o mais certo, encontrando um meio termo entre aquilo que é o nosso gosto pessoal e o gosto do cliente. Há que encontrar ali um meio termo.
É fácil conciliar liberdade criativa com a necessidade de vender?
Graças a Deus não sou muito apegado ao dinheiro… Por isso é que o gasto todo… Mas a propósito deste tema lembro-me sempre de uma história da mitologia grega, do labirinto. Pediram a um artista para fazer um labirinto. Como o labirinto não cumpriu o objectivo, ordenaram que o artista fosse preso na sua própria criação. Bem, mas o que considero é que não posso estar a condicionar o meu trabalho a pensar nisso, na venda, no cliente.
É filho de um pastor e de uma cabeleireira, criado livre em Nadadouro, perto de Caldas da Rainha. Quanto desta infância é visível no seu traço?
A nossa infância define o que somos. Embora eu não desenhasse muito na minha infância. Não era coisa que me chamasse a atenção. Mas dá para perceber no meu trabalho, e porque sou das Caldas, uma certa marotice. Ser maroto, sem ser maldoso. É uma coisa que me sai de forma natural.
Arranha-Céus foi considerada a melhor capa de ilustração e design 2015, pela Sábado, e A Imaculada Sardinha Portuguesa ganhou o concurso das Sardinhas para as Festas de Lisboa, em 2011. Que importância têm os prémios no percurso de um artista?
Vencer o concurso das Sardinhas, por exemplo, serviu para dar a conhecer o meu trabalho, ao mesmo tempo que serviu para eu passar a olhar paraele de outra maneira. Incentivou-me a trabalhar, a pensar mais no meu trabalho. Sempre que faço uma ilustração é para agradar a mim próprio. E às vezes se vendo um trabalho que agrada muito ao cliente, mas que eu não gosto tanto, sinto um pouco como aquele pai que vê o filho a ir para a droga.
Quais são as suas grandes referências da ilustração?
[LER_MAIS] As minhas grandes referências são talvez maiores na pintura do que na ilustração. Pintores como Rousseau e Matisse, por exemplo. Mas o meu trabalho resulta mais das minhas experiências, das minhas vivências do que das dos outros.
Como avalia a produção de artistas made in ESAD.CR?
Não vou dizer que a responsabilidade é só da ESAD.CR, porque a escola também tem tido a sorte de receber muito bons alunos. Quando se trabalha como freelance, não se tem um patrão a traçar objectivos. O nosso trabalho resulta da auto-motivação. Temos de ser nós a fazê-lo por nós próprios, embora ter pessoas boas à nossa volta também puxe por nós. E as Caldas têm uma energia criativa diferente dos outros sítios.
O design e a ilustração têm o merecido espaço no contexto das artes em Portugal?
Uma das maiores referências do design internacional é português. Chama-se Bráulio Amado e vive nos Estados Unidos. Somos reconhecidos. Julgamos que somos a cauda da Europa, quando se calhar somos a cabeça. Somos é um bocado cobardes, com tendência para nos rebaixarmos. Mas acho que está a mudar.
Tem interesse pela leitura de Tarot. Que papel cumpre a leitura de Tarot na vida de Bruno Reis Santos?
Tarot são imagens e gosto de interpretar as imagens que saem. Tem mais a ver com a ilustração do que como ferramenta para prever o futuro.
Que percurso profissional consegue antever nas suas cartas?
Não acredito muito no Tarot como ferramenta para prever o futuro. Penso que somos nós que o construímos. Pode é dizer-nos o que já sabemos, para nos confortar. Conforto é o que maior parte das pessoas precisa.
Bruno Reis Santos, filho de pastor
Lord Mantraste é o alter-ego de Bruno Reis Santos, ex-aluno de Design Gráfico da ESAD. CR, que nasceu nas Caldas da Rainha em 1988, orgulhoso filho de um pastor e de uma cabeleireira. Começou por trabalhar em design, em Lisboa, mas decidiu deixar o percurso de designer de parte para se dedicar às ilustrações.
Trabalha também em Lisboa num atelier de técnicas especiais, entre as quais a serigrafia. Dinamiza workshops na Universidade Lusófona e dá aulas na ETIC (Escola de Tecnologias, Inovação e Criação). Figuras e histórias da cultura popular portuguesa assim como a paixão pela natureza, inspirações de infância, são conceitos presentes nos inúmeros trabalhos de Mantraste, que se distingue também pela primazia e abundância da cor e traços simples. A ilustração de capas de livros já lhe valeu uma distinção.
A capa do livro Arranha-Céus, de J. G. Ballard, da sua autoria, foi considerada a melhor capa de ilustração e design 2015, por um grupo de dez especialistas da revista Sábado. Quanto ao trabalho A Imaculada Sardinha Portuguesa, garantiu-lhe um lugar vencedor no concurso das Sardinhas para as Festas de Lisboa, em 2011.