No final do terceiro trimestre deste ano a taxa de desemprego era de 8,5%, menos dois pontos percentuais do que no ano passado, de acordo com os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). É preciso recuar até ao fim de 2008 para encontrar uma taxa mais baixa (7,8%).
O número de pessoas empregadas em Setembro deste ano ascendia a 4,8 milhões de pessoas. Valores mais altos só no final de 2010. Depois, com a intervenção da troika e o programa de ajustamento que se seguiu, a economia perdeu empregos, 284.800 no total, entre o segundo trimestre de 2011 e o segundo de 2014, quando começou e terminou o programa, respectivamente.
De então para cá, e até ao passado mês de Setembro, a população empregada registou um aumento de 288.400 pessoas. De acordo com o INE, a recuperação do emprego resulta sobretudo do desempenho do sector dos serviços, com o alojamento, a restauração e similares a assumir a liderança. Mas a indústria tem igualmente dado um contributo positivo. E os salários, estarão já nos mesmos níveis de antes da crise?
“Desde 2014 que o emprego tem vindo a aumentar. Mas o que se notou desde essa data, em termos genéricos, foi que o emprego criado era baseado em salários mais baixos que os praticados antes da crise. Este fenómeno foi particularmente notório em funções comerciais e nos recém licenciados, mas praticamente nenhum grupo escapou a esta tendência”, aponta Tiago Borges, da Mercer, consultora na área dos recursos humanos, benefícios, pensões e investimentos.
Maria é disso exemplo. Tesoureira de profissão, ganhava por mês perto de mil euros líquidos antes da crise. No final de 2013 ficou desempregada e quando conseguiu voltar ao mercado de trabalho, no início de 2015, foi ganhar apenas 850 euros. Mas mesmo os que não ficaram desempregados durante a crise viram os seus ganhos médios cair, em média 132 euros, apontam os dados disponíveis na plataforma Portugal Desigual.
“A existência de uma elevada taxa de desemprego pressionou os colaboradores a aceitar remunerações mais baixas”, refere Tiago Borges, que alerta, contudo, que esta situação “tende a corrigir com a diminuição da taxa de desemprego, sendo que já se terá verificado o ponto de inflexão na criação de emprego a salários mais baixos, de uma forma agregada”.
João Matias, presidente da Associação dos Industriais do Concelho de Pombal, lembra que durante os anos de presença da troika se registou uma baixa das vendas das empresas, destruição de emprego e congelamento ou descida de salários, que “não conseguiram ainda recuperar totalmente”.
As empresas têm agora “margens menos confortáveis, pelo que não conseguem pagar tão bem aos trabalhadores”. O dirigente reconhece que muitas das pessoas que entram agora no mercado de trabalho, mesmo sendo qualificadas, “ganham pouco mais do que o salário mínimo”.
[LER_MAIS] Em Março deste ano, havia em Portugal cerca de 730 mil trabalhadores (22,9% do total dos assalariados) a receber o ordenado mínimo, número que traduz um crescimento homólogo de 13,9%, aponta o quinto relatório de acompanhamento do Ministério do Trabalho.
O documento dá conta que o peso relativo dos indivíduos a auferir a remuneração mensal mínima garantida foi subindo ao longo dos anos, tendo-se situado na casa dos 20,6% em 2016. “Actualmente as empresas não estão dispostas a pagar o que pagavam antes da crise”, aponta Sandro Mendonça.
O economista diz que quem conseguiu manter o emprego durante aquele período poderá não ter visto os salários descer, embora também não tenham subido, mas aqueles que estão agora a entrar no mercado de trabalho ganham menos”.
Quem se inicia na vida profissional, “entra com um nível salarial mais baixo do que o praticado antes da crise”. Sandro Mendonça diz que, entre outros aspectos, “há hoje mais sofisticação contratual, o que permite mais nuances, tanto em termos de responsabilidades do empregador como de salários”.
Também Victor Pessanha, manager na Hays Portugal, diz que, “de forma generalizada”, os empregos criados de 2014 até agora têm associados salários mais baixos. “Durante os anos de crise, muitas empresas passaram por processos críticos de downsizing e, como consequência, as taxas de desemprego subiram de forma significativa. Com o excesso de mão-de-obra disponível, e empresas com grandes desafios de contenção de custos para garantirem as margens mínimas de negócio, acabou por ser um processo natural”, explica.
Este responsável adianta que as empresas “passaram por uma fase desafiante em que rentabilizar o negócio envolvia uma forte contenção de custos. Com esta estratégia, e por vezes até necessidade, houve uma forte pressão para a diminuição salarial. Dada a larga oferta de mão-de-obra disponível na altura, empresas com alguma estabilidade financeira conseguiram atrair candidatos por valores mais baixos, com a contrapartida de uma carreira sustentável durante a crise”.
Por outro lado, explica Victor Pessanha, “como algumas empresas passaram por processos de despedimento colectivo, verificou-se a extinção de postos de trabalho que já não tinham enquadramento nas novas estruturas. Com a simplificação das estruturas organizacionais e existindo poucos projectos em curso, facilmente se substituíram funções de alta complexidade por perfis menos qualificados, o que proporcionalmente ajustou os salários”.
Carla Ferreira, da Factor H, empresa de formação e recrutamento de Leiria, admite que “é um facto” que os candidatos nem sempre consideram os salários “atractivos”, mas acredita que, de modo geral, os ordenados praticados actualmente não são inferiores aos de antes da crise.
Novos empregos pagam 688 euros
“Os últimos anos mudaram o mercado de trabalho em Portugal e essas alterações sentem-se no emprego, no desemprego e nos salários. Tanto os trabalhadores do sector público como do privado assistiram, em geral, a uma descida dos salários”, lê-se na plataforma Portugal Desigual, da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Aqui é citado um estudo do Banco de Portugal que revela que a remuneração média dos que entraram numa empresa em 2012 foi 11% mais baixa do que a dos trabalhadores que saíram dessa mesma empresa em 2011. Um outro trabalho, neste caso do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, citado pelo Jornal de Negócios, revela que a retribuição base média dos contratos assinados desde Outubro de 2013 que ainda estão em vigor é de 688 euros.