O percurso pessoal e profissional afastou-os fisicamente da terra que os viu nascer e crescer. Saíram, em muitos casos, para estudar e acabaram por se fixar em vários pontos do País. Outros, deixaram mesmo Portugal e encontram- se espalhados um pouco por todo o Mundo.
Mas, no Natal regressam sempre (ou quase sempre) às origens, para participar naquela que é considerada a festa da família.
É o tempo de matar saudades dos entes queridos, à volta da mesa e da lareira, tendo como ingredientes principais a conversa e a comida caseira. Mas é também o tempo para o reencontro com os amigos de infância e de juventude.
Aqueles companheiros de escola, de farra ou de equipa, que deixaram de estar fisicamente presentes no dia-a-dia, mas que, nesta época do ano, se juntam, em encontros mais ou menos organizados, para retomar conversas, recordar histórias de outros temos, contar as novidades e as mudanças que o último ano trouxe, falar dos projectos que se concretizaram ou que se sonharam, das viagens que se fizeram, da família… Enfim, fazer “um ponto da situação” da vida.
A 'noite dos abraços'
A tradição começou há cinco anos, com um convite de Jorge Dias, gestor do bar Anúbis, em Leiria, para Maria Miguel Ferreira “meter uns discos” com a amiga Tânia Afonso, ambas a viver em Lisboa. “Passámos a palavra a alguns amigos que iam estar na cidade nessa época e muitos deles apareceram. Não somos DJ profissionais e é tudo muito rudimentar, mas tornou- se tradição”, conta Maria Miguel, directora da Startup Portugal.
A “festa”, como gosta de lhe chamar Maria Miguel, realiza-se, invariavelmente, na sexta-feira antes da noite de Natal, no bar do costume. “Quando, nesta altura do ano, nos cruzamos na cidade e perguntamos se nos vamos ver 'lá', já sabemos que o 'lá' é a festa [no Anúbis]”, explica, contando que em Novembro começa a receber mensagens de Inglaterra, EUA e de outros pontos do globo a perguntar pelo evento.
“Muitos vêm por pouco tempo, três ou quatro dias, e esta é uma forma de um certo grupo de amigos, que cresceu junto, poder voltar a reunir- se e a pôr a conversa em dia.”
Apesar de ser uma das DJ de serviço – tarefa que continua a partilhar com Tânia Afonso, que fundou o Cinema Paraíso, em Leiria e que actualmente trabalha na produção de espectáculos no Centro Cultural de Belém –, Maria Miguel Ferreira acaba por estar pouco tempo a passar música, privilegiando os momentos de conversa com os amigos.
“Deixamos a música a tocar e aproveitamos para matar saudades uns dos outros”, conta a director da Startup Portugal, que baptizou a tradição como a “noite dos abraços”. O nome é uma alusão àquilo que a DJ observa quando de encontra na cabine de som. “Como está um pouco elevada em relação ao restante espaço, vejo pessoas a entrar no bar. Vão encontrando amigos e é uma sucessão de abraços. São momentos muitos especiais. Espero por esta noite sempre com muita alegria e uma grande expectativa.”
Expectativa é também um dos sentimentos com que o cineasta Pedro Neves aguarda o reencontro com os amigos de escola e dos tempos em que jogou andebol na União Desportiva de Leiria, que acontece todos (ou quase todos) os Natais na cidade onde nasceram e cresceram.
Para promover o reencontro, há invariavelmente um jantar ou um almoço que, muitas vezes, se prolonga pela noite dentro, e, sempre que possível, um jogo de andebol. “Precisamos de, pelo menos, 14 elementos para formar duas equipas e, às vezes, é difícil conciliar agendas”, refere o cineasta, de 40 anos, a viver no Porto desde os 18. Esse problema de agenda, normalmente, é resolvido por André Lage e o seu “método de organização” de jogo. “Contamos com isso, André”, pressiona, em jeito de brincadeira, Pedro Neves.
Além dos momentos de convívio organizados, há depois reencontros, mais ou menos fortuitos, seja enquanto se bebe um café ou uma cerveja nos locais do “costume” ou durante as compras de última hora feitas “nas lojas de sempre”.
Há ainda passagens “obrigatórias” pela Praça Rodrigues Lobo ou tempo para “beber uma cerveja – ou várias – no Manel [da Quitéria] e nos Filipes”. Nesses encontros, “não faltam temas de conversa. Pode é faltar tempo para tanta conversa”. Mas há assuntos incontornáveis. Recordam- se histórias de outros tempos, “algumas já batidas e repetidas vezes sem conta”, mas fala-se também dos percursos profissionais, da família e das “mudanças que vão ocorrendo nas nossas vidas”, revela Pedro Neves
“Gosto sobretudo de estar com aquelas pessoas. Do continuar conversas de há um ou dois anos, do sentir que, por muito longe que estejamos uns dos outros, por poucas vezes que nos encontremos, continuamos a gostar muito uns dos outros e que há interesses que se mantêm comuns”.
Missa do galo' festejada com os amigos
[LER_MAIS] Depois de passar a consoada com a família, a noite de Natal de Rui Marcelino prossegue madrugada dentro com os amigos, “algures num bar” em Leiria, cidade onde nasceu há 37 anos e de onde saiu há 14 anos para ir estudar em Lisboa.
Hoje, tem duas empresas de marketing digital, que, durante o ano, o obrigam a viajar “um pouco por todo o mundo”, mas no Natal regressa sempre a Leiria, para estar com a família e rever amigos. “Há sempre o Natal em família, mas após a consoada há o en-contro com a segunda família, a dos amigos. Diria que a 'Missa do Galo' já é festejada com os amigos”, conta. O “mais complicado”, confessa, é depois “aguentar” o dia 25, o que, “à medida que os anos passam, custa ainda mais”.
Rui Marcelino revela que, entre o seu círculo de amigos, há, nesta época do ano, “dois ou três encontros”, mais ou menos organizados. Um na noite de Natal, “em que aparece quem pode, o que começa a ser mais difícil, porque já há família e filhos”.
Depois, entre o Natal e a passagem de ano, costuma haver um jantar com os amigos de infância, e, sempre que possível, um outro para os amigos do liceu, das noitadas e da universidade.
“São momentos muito descontraídos entre pessoas que fazem parte da nossa vida, mesmo que não estejam presentes fisicamente no nosso dia-a-dia”, frisa, adiantando que, esses momentos servem para recordar encontros anteriores, e pôr em dia a conversa sobre a vida uns dos outros e sobre Leiria. “Tentamos recuperar o tempo perdido. Basicamente, serve para fazer o ponto de situação da vida.”
Reencontros até num parque infantil
A vier em Helsínquia (Finlândia), onde é investigadora na Agência Europeia dos Produtos Químicos e onde vive também o irmão e uma prima, além do marido, todos de Leiria, Patrícia Lisboa tem também por tradição reencontrar-se, nesta época do ano, com os amigos na cidade onde nasceu.
Natural da freguesia de Milagres, conta que esse hábito vem dos tempos de faculdade. “Na semana de Natal era garantido encontrar os amigos de liceu que estavam espalhados pelo País nas diferentes universidades”, recorda.
Tal como acontecia nessa época, a Praça Rodrigues Lobo e o Anúbis – “o nosso local de eleição nos tempos de liceu” – mantêm-se como os pontos de encontro obrigatórios.
Mas, a chegada dos filhos, além de exigir mais formalismo nas marcações, dita também novos locais de encontro, como aconteceu no ano passado, quando alguns antigos companheiros de liceu se juntaram num parque infantil. Foi aí que surgiu a ideia para o evento que irão realizar este ano: um jantar com os antigos alunos do secundário que frequentaram o 12.º ano no ano lectivo de 1997/98.
“Criámos uma página no facebook e mais de 300 pessoas indicaram estar interessadas”, conta, adiantando que os reencontros servem, sobretudo, para recordar as aventuras que passaram juntos. “Todos os anos relembramos as mesmas histórias e todos os anos a gargalhada é garantida.”