Construção, hotelaria/restauração, moldes, metalomecânica, distribuição alimentar…. São vários os sectores que estão a sentir dificuldade em encontrar mão-de-obra, sobretudo qualificada, para preencher novos postos de trabalho. Uma escassez que tem consequências negativas no desempenho presente e futuro das empresas, alertam alguns dos dirigentes ouvidos.
“Caso se consolide a recuperação em curso no sector”, a construção poderá criar nos próximos dois anos 50 mil novos postos de trabalho, estima Ricardo Pedrosa Gomes, presidente da associação AECOPS.
Estimativa que tem como pressupostos a continuidade das condições de produção e o crescimento moderado da produtividade, explica ao JORNAL DE LEIRIA o também presidente da federação FEPICOP.
A actual falta de mão-de-obra no sector pode ser explicada por elementos conjunturais e estruturais, adianta. Por um lado, a melhoria da conjuntura traz associado um acréscimo do emprego, o que numa fase inicial gera falta de pessoal.
Escassez que “tende a ser corrigida com a entrada de trabalhadores não qualificados”. O problema, diz este empresário, é que o turismo está a absorver estas pessoas, porque apesar de “oferecer uma remuneração mais baixa” o trabalho é “mais leve”.
A componente estrutural do problema “resulta da falta de mão-de-obra qualificada”, devido à “profunda crise” que afectou o sector da construção nos últimos anos, onde o desemprego, as falências e a redução do número médio de trabalhadores por empresa estimularam a emigração e a saída permanente de trabalhadores qualificados, explica Ricardo Pedrosa Gomes. A destruição do emprego, nos últimos 15 anos, atingiu os 53%, tendo-se perdido 330 mil empregos.
Para ultrapassar a escassez de pessoal “é necessário melhorar a atractividade do sector e das suas empresas, valorizá-lo junto dos jovens e oferecer condições profissionais, de carreira e remuneratórias, que vão ao encontro das expectativas dos potenciais interessados”. Isto implica o fortalecimento do tecido empresarial e o aumento da produtividade, frisa o dirigente.
A hotelaria/restauração é outro dos sectores onde é difícil recrutar. Ana Jacinto, secretária geral da associação AHRESP, disse ao JORNAL DE LEIRIA que um inquérito feito aos associados revelou que estão em falta 40 mil trabalhadores.
A dirigente recorda que depois de um período “muito difícil”, que resultou no fecho de muitas empresas, à redução de pessoal e ao desemprego, o sector ganhou “novo fôlego” com o regresso do IVA à taxa intermédia o que, aliado à subida do poder de compra dos portugueses e ao aumento do número de turistas, levou as empresas a voltar a recrutar.
Ana Jacinto reconhece que este “não é um sector simples” e que “exige muito dos trabalhadores”, porque as empresas trabalham 24 horas por dia, fins de semana e feriados. Mas garante que a dificuldade em recrutar “não é de todo culpa dos salários”. Cita dados do INE de 2015 que apontam para um salário médio de 855 euros e diz que os dados da AHRESP apontam para um ordenado médio de 915 euros em 2017.
A secretária-geral da associação reconhece que há medidas que é preciso adoptar para ultrapassar a escassez de mão-de-obra, que é já um “constrangimento para as empresas” e que em muitos casos está mesmo a inviabilizar novos projectos.
Uma delas é a requalificação profissional. Ana Jacinto frisa que há um desfasamento entre aquilo que o sector procura e as competências dos desempregados inscritos nos centros de emprego, pelo que uma das propostas saídas das jornadas promovidas pela AHRESP na semana passada foi a criação de um programa de formação de curta duração, orientada para as áreas onde há mais carência de pessoal qualificado, e destinado a desempregados e a activos de outras áreas que queiram entrar na hotelaria. “Não sendo fácil, é exequível, desde que haja vontade”.
Outra das medidas que, acredita a associação, podem ajudar a hotelaria/restauração a captar trabalhadores é a criação de mecanismos que permitam aos desempregados, nomeadamente jovens, aceder ao mercado de trabalho sem perder os subsídios e benefícios de que estejam a usufruir.
Para António Baião, “os dados divulgados por várias entidades mostram que o sector tem condições para pagar melhores salários”. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Centro diz que os valores dos salários pagos são o principal entrave à captação de pessoal. “Somos o sector do salário mínimo nacional”, lamenta. “Enquanto isto não mudar, o sector fica com os 'restos'. Porque muitos não aceitam trabalhar por este valor e os que são bons vão para o estrangeiro”.
O dirigente diz que “é falsa a questão de que não há profissionais” disponíveis. Na sua opinião, “não há é vontade de pagar melhores salários, nem atenção aos horários, para que se consiga conciliar vida profissional com familiar”. Por outro lado, “a formação que é feita não é aproveitada pelo sector”.
[LER_MAIS] Também a indústria de moldes tem tido dificuldade em encontrar profissionais qualificados, situação que se regista há vários anos. Joaquim Menezes, presidente do grupo Iberomoldes, reconhece que nem sempre é fácil encontrar os recursos humanos necessários. Entre os mais difíceis de arranjar estão os engenheiros mecânicos. “Se não os encontramos, temos de requalificar as pessoas que há disponíveis”, frisa.
O grupo da Marinha Grande aposta desde sempre na formação e qualificação de recursos humanos e no ano passado recrutou 35 pessoas de uma só vez, a quem ministrou formação, porque embora fossem pessoas com uma qualificação base elevada não tinham formação específica da área dos moldes.
O empresário considera que ver a questão da dificuldade em recrutar apenas pela vertente dos salários “é redutor”. O sector dos moldes, em concreto, “paga acima da média”. “O problema não está aqui, mas no facto de faltarem pessoas com características específicas, como a disponibilidade para aprender permanentemente”.
Para Joaquim Menezes, numa altura em que a economia está a criar novos postos de trabalho, o facto de os centros de emprego continuarem “cheios” de desempregados inscritos explica-se pelo “desajuste” entre as competências destes profissionais e as necessidades do mercado.
Também na metalomecânica faltam trabalhadores. A Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal garante que são precisos no imediato 28 mil profissionais para a indústria crescer.
Já a distribuição poderá criar dez mil novos postos de trabalho este ano, mas Ana Isabel Trigo Morais reconhece que o sector está a sentir dificuldade em contratar pessoas qualificadas. Em entrevista ao Jornal de Negócios, a directora-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição diz que não há no mercado profissionais qualificados que se possam contratar imediatamente, “sem ter que investir muito na formação”.