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As reconstituições e intervenções no património edificado podem também ser virtuais e usar as mais recentes tecnologias. Sem qualquer impacto físico, é possível, por exemplo, pintar com luz as cores desaparecidas há muito dos monumentos.
É o que está a acontecer na Capela do Fundador, no Mosteiro da Batalha. Quando se olha para os castelos e mosteiros de norte a sul do País, observamos grandes construções edificadas em pedra sólida, mas despidas de cor.
Na realidade, no auge do seu esplendor, estes monumentos eram pintados com vermelhos, amarelos ou azuis fortes, representativos da riqueza de quem os mandava construir, servindo também como afirmação de poder sobre as populações. As paredes eram rebocadas e havia nelas pinturas, tal como seria de esperar em ricos palácios e casas senhoriais.
Recorde-se que o Convento de Santo Agostinho, em Leiria, actual Museu de Leiria, deu que falar há alguns anos, quando, na sua adaptação para fins museológicos foi pintado de azul. Para muitos habitantes da cidade, não fazia sentido pintar o edifício de outra cor que não o branco. Afinal, para eles e na sua memória ele havia sido sempre alvo. Porém, a investigação histórica e arqueológica ao espaço havia mostrado que, originalmente, a sua cor era, efectivamente, o azul.
O que se passou então? Ao longo dos séculos, umas vezes por falta de dinheiro para repintar, outras, devido a uma ideia romântica e idealizada de pureza, dominante nos séculos XIX e XX, as igrejas passaram a ser caiadas de branco e as paredes de castelos e mosteiros viram os rebocos serem arrancados até se ver apenas a pedra.
"Em 1940, esta ideia da pureza da pedra e do gótico também foi usada como ferramenta da propaganda do Estado Novo, aquando do programa de reconstrução dos castelos. Tal como a remoção do casario da frente dos mosteiros de Alcobaça e Batalha. Quebrou-se a ligação do monumento com as vilas", afirma o director do Mosteiro da Batalha, Joaquim Ruivo.
E chegamos ao trabalho de investigação que está ser desenvolvido na Capela do Fundador, na Batalha. O Terramoto de 1755 provocou uma destruição difícil de reverter, potenciada por infiltrações de água, invasões francesas, e pela expulsão das ordens religiosas no século XIX.
Com o tempo e com as obras de reabilitação do monumento, os sinais cromáticos desapareceram das paredes e da memória. Agora, no final da segunda década do século XXI, a partir da investigação de Joana Ramôa, investigadora do Instituto de História da Arte da Universidade Nova, poderá ser possível perceber o quão rico era o panteão da Dinastia de Avis.
Os trabalhos juntam ainda o laboratório Hércules, da Universidade de Évora, o Instituto Português de Heráldica e o Instituto Politécnico de Leiria, numa equipa multidisciplinar, para uma abordagem pioneira.
“A análise da policromia abre um novo campo de estudo – é um ‘tubo de ensaio’ patrimonial”, [LER_MAIS] sublinha Joana Ramôa, adiantando que é a primeira vez que é conduzido um estudo deste tipo em Portugal, em arquitectura e escultura medieval, recorrendo ao ensaio de novas técnicas e metodologias de trabalho.
A partir de vestígios microscópicos de pigmentos todas as tonalidades estão a ser redescobertas. Na abóbada, há apenas 15 dias, o director do mosteiro, Joaquim Ruivo, detectou os vestígios de uma pintura mural antiga com anjos. Após o IPLeiria recriar através de digitalização 3D o espaço e os túmulos será possível preencher com as cores descobertas na investigação a capela.
O resultado será uma imagem da capela como ela teria sido antes do Terramoto, com toda a sua riqueza e tesouros – as espadas e elmos de D. João I e D. João II e o escudo deste. Os originais desapareceram e têm surgido em vários pontos do País.
A recriação será, numa primeira fase, apresentada num ecrã mas, se o desejo da Direcção do monumento se concretizar, poderá ser projectada nas paredes, com recurso a tecnologia semelhante ao videomapping. Mas, para isso, será preciso convencer mecenas a apoiar a ideia. Antes disso, o resultado poderá ser visto no próximo número da revista National Geographic, do dia 28 de Fevereiro.
Nele, será possível ver parte do túmulo de D. João I, com as suas cores originais, dourado, azul e grená.
"Este ano, numa exposição, em Agosto, haverá o regresso temporário de algumas das peças do 'tesouro', como a espada de D. João I e dois elmos que estão no Museu Militar. Iremos também fazer réplicas da espada de D. João II e do seu escudo, pois há descrições documentais sobre eles. Quando a exposição temporária acabar, faremos o cópias dos restantes objectos, para que o público os possa admirar no local", anuncia Joaquim Ruivo.
Cobrir as Capelas Imperfeitas?
Chegados ao século XXI,Chegados ao século XXI, por que não, por exemplo, fazer uma cobertura nas Capelas imperfeitas, do Mosteiro da Batalha? A ideia já foi aventada, mas só em círculos de discussão meramente académica.
"Parece uma ideia muito má. É o exemplo típico de um monumento onde a ideia de ruína faz parte da essência", diz o arqueólogo Luís Raposo. Já o director do mosteiro da Batalha sublinha que as capelas não são uma ruína, ficaram por acabar, criando identidade. “Completá-las, seria um crime de lesa-património que não encaixa em qualquer tipo de requalificação", afirma Joaquim Ruivo.
Ressalva, porém, que, caso se equacionasse colocar uma estrutura de protecção, não se oporia tão "radicalmente". "Não me repugna pensar, com bom-senso, sobre o assunto."Para este responsável é preciso criar uma “relação afectiva” com o património e ele deve ser usado para atrair visitantes, velhos e novos. Só assim, diz, haverá uma protecção do património. Não lhe desagrada, por isso, que os monumentos possam acolher espectáculos artísticos.
"As pedras só por si não valem nada, se não forem habitadas por pedras vivas, que somos nós”.