Palavra puxa palavra e em menos de nada há novas assoalhadas na conversa, onde cabem a pintura, a escultura, os amigos, o humor e o amor, as filhas a viver no estrangeiro, a pureza na arte, os desencontros com Cutileiro, os anos da Reboleira e um quadro de Artur Bual, que andou desaparecido, o quadro, depois de uma performance do artista em Leiria, no início da década de 90.
Com as próprias mãos, Abílio Febra esculpiu a casa que habita em Maceira, nos arredores de Leiria. Literalmente. Do desenho em papel ao modelo em três dimensões, arrancado no barro, que os engenheiros e construtores depois mimetizaram.
Um lugar onde o sol e uma espécie de energia pagã comandam a rotina, com refeições ao ar livre e fins de tarde na sala envidraçada.
"Precisava de uma coisa exterior, em contacto com a Natureza, é aqui que gosto de almoçar".
E como todas as casas, esta é o reflexo de quem lhe dá vida.
"Se uma pessoa se sente bem no espaço, pode pensar noutras coisas. Sentes-te bem e podes lançar a tua mente para coisas mais interessantes", concede.
Há luz, muita luz, aguardente velha e um brinde entre dezenas de obras de arte.
"Quando temos uma peça de alguém, temos um pedaço dela também, tem de ser alguém de que a gente goste e que admire de alguma maneira".
E uma pergunta inevitável: favoritos? A resposta sai pronta. O quadro de Bual – "Para mim é um mestre como pessoa, não como pintor, embora eu goste muito da pintura dele. Aprendi muito com ele, aprendi que devemos partir para a aventura sem medo, quer seja um bloco de pedra, um pedaço de madeira, uma tela branca ou um bocado de papel" –, outro da leiriense Sívia Patrício e um bronze do próprio Abílio Febra, da série guerreiras amazonas. "A mulher é um animal muito sensível e muito afável, mas, lá dentro, é uma coisa muito turbulenta", conclui.
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Não há televisão, só na cozinha, lá fora o cão guarda o jardim – diz o aviso que é feroz – e já depois de ver o fundo ao copo de Sanguinhal sobe-se do rés do chão para a mezzanine que noutros tempos era o refúgio do artista plástico, em regime open space.
"Depois a influência familiar acaba por restringir os conceitos iniciais. Aos poucos fui expulso, entre aspas. Criámos um quarto de visitas, criámos um escritório, criámos uma lavandaria e tive de mudar o meu ateliê".
Fica o tecto a descer do interior para o exterior, sobre a varanda, num vértice suspenso, que é um dos motivos de orgulho de Abílio Febra.
"O construtor na altura queria meter ali uma coluna. E então teve que chamar aqui uma equipa para fazer os cálculos do ferro, porque esta parte faz o contrabalanço daquela. Eu queria uma peça única. E isto é uma peça única".
Natural do concelho de Leiria, Abílio Febra estudou na escola de arte Ar.Co e passou pela associação Artever, na Amadora, onde participou nas primeiras exposições colectivas. Depois de oito anos na zona de Lisboa, regressou às origens e fixou residência na Maceira. "Para recomeçar a vida noutros moldes" e criar o seu próprio espaço de trabalho. "Lá vivia num apartamento com 30 metros quadrados e ia fazer escultura a Pêro Pinheiro, numa fábrica. Era muito longe, muito complicado", explica.
Em Leiria estão também as raízes da associação Circularte, já sem actividade, um círculo de amizades e intervenção cultural que trouxe à cidade o pintor Artur Bual, em 1991.
"Era um pioneiro do gestualismo português, pintava por intuição. Ele partia para um quadro sem saber o que ia sair e depois de repente as coisas apareciam e ele era tão intuitivo e a pintura vinha tão de dentro dele que era uma aventura".
Desde 2013, Abílio Febra dedica-se em exclusivo às artes plásticas. Para trás fica uma carreira no ensino. O futuro passa pelo ateliê – um imóvel independente, nas traseiras da casa, onde cabem todas as possibilidades.