Embora a escolha do curso superior não seja irreversível, pois nada impede que um licenciado em determinada área venha a exercer funções, e com êxito, numa actividade bem diferente daquela que tinha idealizado, a escolha do curso é sempre um momento importante na vida do estudante, e das suas famílias, já que representa um grande investimento, de esforço, de tempo e de dinheiro.
E na semana em que as escolas do Instituto Politécnico de Leiria abrem portas para se dar a conhecer aos estudantes do secundário, o JORNAL DE LEIRIA participou no Dia Aberto e quis saber que critérios norteiam a escolha do curso superior.
Será a notoriedade proporcionada pela profissão? A empregabilidade? O salário? As recomendações ou pressão dos pais? Será apenas o gosto pessoal do estudante? Ou será uma conjugação destes e de outros factores?
Percebemos que, para a maioria dos alunos do secundário, o futuro académico ainda é uma incógnita, e que a dúvida só começa a dissipar-se à medida que a fase da candidatura se aproxima. E que, apesar da empregabilidade ser relevante para os jovens de hoje, mais importante que isso, é sentirem-se bem, primeiro na licenciatura e depois na profissão que mais gostam.
Abraçar a programação para chegar à Google
Tomás Marques, de 17 anos, é aluno do curso profissional de técnico de Gestão e Programação de Sistemas Informáticos, na Escola Secundária Domingos Sequeira, em Leiria. No 11.º ano e com uma média de cerca de 17 valores, Tomás já sabe que curso superior quer seguir. “Quero Engenharia Informática para ser programador”, adianta o jovem de Leiria. E onde gostaria de exercer? Nem mais nem menos do que na Google, responde Tomás, que está claramente motivado pela paixão na hora de escolher a licenciatura e a profissão.
Aliás, frisa o estudante, o gosto pela informática é tanto que, para poder frequentar este curso profissional, que “é muito concorrido”, preferiu “perder” um ano lectivo no curso de Ciências até ter vaga e poder transferir- se para Programação. “Sempre, desde pequeno, vi que tinha jeito para isto e os meus pais reconheceram e motivaram”, acrescenta o jovem. E para sorte de Tomás, a sua paixão recai precisamente sobre um curso superior de grande empregabilidade.
Bernardo Alberto, 16 anos, frequenta o mesmo curso profissional na Escola Secundária Domingos Sequeira e já faz uma ideia do curso superior que irá escolher daqui a sensivelmente um ano. “Ainda não tenho certeza, mas estou inclinado para Multimédia”, conta o estudante de Leiria. Não é a primeira vez que participa na iniciativa Dia Aberto, do IPLeiria, e acaba sempre por ficar “mais entusiasmado com a área dos jogos”, expõe o estudante.
No caso de Bernardo Alberto, embora se informe através da internet e acolha as recomendações da família, a decisão final do curso vai depender exclusivamente do seu gosto. “A minha irmã tem formação superior e a minha família também quer que eu vá para a universidade. Mas querem que eu vá para o curso que eu goste. Por acaso, aquele que eu mais gosto também tem saída em termos de emprego”, explica o aluno. E também está mais ou menos definido o local onde Bernardo pretende prosseguir estudos. “Gostava de fazer o curso noutra cidade. Talvez em Lisboa, para ter mais independência e para frequentar uma universidade com mais projecção”, justifica.
Filha de engenheiro, engenheiro é?
Na mesma turma de Bernardo, Beatriz Ribeiro, 17 anos, está mais do que decidida. “O curso superior que quero tirar é Engenharia Informática”, conta a estudante, que já conquistou uma média de 16,85 valores. No seu caso, o gosto pela Engenharia Informática chegou de formainesperada. “Nunca quis saber de computadores, mas pensei que seriam o futuro, apostei no curso profissional de Programação e acabei por gostar”, recorda a aluna. “Cheguei a este curso mais pela empregabilidade e o gosto veio depois”, reconhece Beatriz.
“O meu pai é engenheiro informático e talvez tenha sido uma influência”, admite também. E no horizonte já existe empresa de referência? Nada disso. “Não tenho uma empresa de sonho, o importante será gostar do trabalho, dos colegas e do patrão”, resume a jovem estudante. Entre os vários estudantes vindos da Escola Secundária Afonso Lopes Vieira, de Leiria, o gosto e a vocação pessoal também parecem ser os aspectos mais determinantes na escolha dos seus cursos superiores.
[LER_MAIS] “Vou enveredar por Comunicação Social, em Coimbra, porque gosto de tudo o que envolve televisão”, explica, decidida, Renata Sousa. E para Joel Casalinho, a participação no Dia Aberto serviu para dissipar qualquer dúvida que pudesse subsistir. O estudante está determinado a prosseguir estudos em Jogos Digitais e Multimédia na ESTG. “Gostei do que vi no Dia Aberto e é isto mesmo que quero seguir”, realça o jovem de Leiria.
Cursos também são moda gerada pela TV
No âmbito do Dia Aberto, as palavras do professor Mário Antunes, que apresenta os cursos de Informática aos estudantes do secundário, e que salienta a elevada taxa de empregabilidade destas engenharias, são música para Flávia Ascenso, de 18 anos. Para esta estudante de Programação da Escola Secundária Domingos Sequeira, a forte empregabilidade associada aos cursos de Informática foi o factor que mais pesou na escolha do seu percurso no secundário e será também o que mais vai pesar na escolha da licenciatura.
Flávia começou por estudar Ciências porque sonhava ser médica legista. Mas as notas não eram as melhores. Realizou então alguns testes psicotécnicos com a psicóloga da escola e percebeu que a área da Informática era aquela para a qual tinha maior vocação. Como tem grande empregabilidade, Flávia não hesitou em apostar neste campo. E, “em princípio”, vai prosseguir estudos superiores em Engenharia Informática.
“Quero seguir Jogos Digitais e Multimédia, como curso e profissão”, conta por sua vez Bohdan Bidenyy, jovem estudante da Escola secundária Afonso Lopes Vieira. E porquê? Pelos mesmos argumentos de Flávia. “Gosto pela área, mas também a elevada empregabilidade que oferece.”
Além do gosto e da empregabilidade, existe um grande impulsionador da procura por parte dos estudantes, que é a comunicação social, aponta o professor Mário Antunes, que dá como exemplo o “efeito CSI”. Ou seja, foi o deslumbramento dos alunos com os episódios daquela série da TV por cabo que ditou, em grande parte, a boa adesão ao curso de mestrado em Cibersegurança e Informática Forense, exemplifica o docente
Ainda indeciso? Especialistas explicam como escolher o curso superior
Embora já se tenham decidido por uma área de estudos, uma vez que essa primeira escolha é feita no final do 9.º ano, são muitos os alunos do ensino secundário que não fazem qualquer ideia sobre o curso superior onde pretendem ingressar quando terminarem a escolaridade obrigatória.
Entre 30 jovens alunos do ensino secundário inquiridos pelo JORNAL DE LEIRIA que visitavam as escolas do IPLeiria no âmbito do Dia Aberto, 19 admitiram não saber ainda que curso superior vão escolher depois do 12.º ano. São poucos os que já têm uma ideia concreta acerca da licenciatura que querem frequentar. E essa decisão só começa a desenhar-se com maior nitidez à medida que a idade dos estudantes avança.
E que critérios regem a decisão desses estudantes? A maioria dos jovens afirma que escolheu o curso em função do seu gosto pessoal ou vocação. Mas há também quem admita que, além do gosto, pesou na sua decisão a questão de ser um curso de elevada empregabilidade. Mas nenhum dos inquiridos admitiu ter escolhido a licenciatura exclusivamente com base na empregabilidade ou no salário. A pressão dos pais também não é referida por ninguém como principal factor de escolha.
Os resultados dos inquéritos realizados pelo JORNAL DE LEIRIA vão ao encontro da perspectiva de Cristina Lopes, professora do curso de Programação da Escola Secundária Domingos Sequeira. Regra geral, os estudantes “só começam a escolher o que querem seguir na recta final do ensino secundário, porque até lá são muito novos”.
Talvez seja essa imaturidade e ingenuidade que explique que os seus alunos frequentem o curso profissional de Programação muito mais focados no gozo que o curso lhes proporciona do que a pensar nas licenciaturas ou na saídas profissionais que essa formação lhes vai trazer, considera a professora. A despreocupação de Bruno Domingues, 17 anos, seu aluno, é disso mesmo reveladora: “Escolhi este curso profissional que tem a ver com Informática, porque gosto. Não faço ideia do que quero seguir, pode ser dentro da Programação ou não. Mas ainda nem sei se vou para o ensino superior.”
Para quem ainda não sabe que curso superior vai escolher, o JORNAL DE LEIRIA deixa um conjunto de factores a atender na hora da decisão.
Amândio Fonseca, administrador executivo do grupo de recrutamento Egor, defendeu no Público que a primeira coisa a fazer é ser sensato. Isto é, não escolher por impulso e não escolher uma área só porque se gosta. Assim sendo, sugere Bruno Leonardo, manager da Wyser, há que evitar áreas como Ensino, Engenharia Civil ou Psicologia e investir noutras como Gestão, Finanças, Engenharia Informática, Mecânica, Física, Informática de Gestão ou Matemática Aplicada.
Investigar as tendências do mercado é também a recomendação deixada por Ana Teresa Penim, coachde talentos. “O mundo vai precisar cada vez mais de profissionais que proporcionem respostas não só nas áreas das Tecnologias, Robótica, Telecomunicações, Engenharia, Ambiente, Mar, mas também de tudo o que responde ao irreversível envelhecimento e longevidade da população.”
Para Miguel Pereira Lopes, coordenador da licenciatura em Gestão de Recursos Humanos do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, é importante não escolher o que toda a gente escolhe, pois quanto mais raro é o capital humano, mais valioso será. Conhecer empresas e profissionais também é relevante, para não optar com base em estereótipos.
Já Nuno Troni, da Randstad Portugal, garante ainda que o nome da instituição de ensino que se frequenta pode ser importante no rumo de uma carreira.
Basta escolher bem o curso?
Coach de talentos, Ana Teresa Penim frisa que escolher o curso supostamente certo não chega. “Procure trabalhar ao mesmo tempo que estuda. É o que os estudantes fazem no estrangeiro, e todos podem fazê-lo também em Portugal. Arranje um part-time, seja no que for, ou um estágio, ainda que não remunerado. Trabalhar permitir-lhe-á conhecer a realidade e desenvolver competências fundamentais”, recomenda Ana Teresa Penim. Também Bruno Leonardo, da empresa de recrutamento Wyser, sublinha a importância de “garantir experiência profissional ou outro tipo de experiências práticas (Erasmus, voluntariado) antes do término da licenciatura”. Para quê? “Ter um conhecimento do mercado de trabalho, da sua exigência e da responsabilidade inerente; pôr em prática os conhecimentos teóricos garantidos na universidade; entender na prática do que se gosta de fazer e o que mais se adequa ao seu perfil, bem como, colocar de parte funções ou áreas que não sejam motivantes”, especifica Bruno Leonardo. Este tipo de vivências podem indiciar competências de relacionamento interpessoal, dinamismo, pro-actividade, sentido de responsabilidade, capacidade de organização, de trabalhar em equipa, observa Amândio Fonseca, administrador executivo do Grupo Egor. São “as chamadas soft skills, que são cada vez mais valorizadas pelas empresas”, realça o administrador.