Estão já confirmados mais de 100 casos de sarampo em Portugal, incluindo pessoas que estavam vacinadas. Temos aqui uma nova realidade, de a vacina não nos proteger da doença?
É preciso sublinhar que a patologia que acontece é muito frustre. Não apresenta problemas de maior. Nalguns casos, os internamentos acontecem só por precaução. Ou seja, a doença nas pessoas que foram vacinadas não tem tanta gravidade, precisamente porque estão protegidas pela vacina. A vacina protege. O que acontece é que, quando deixamos de contactar com o vírus ou contactamos menos, há alguma baixa de anticorpos. O benefício não se vira contra o feiticeiro, mas cria alguma dificuldade.
Por que é que isso acontece?
Antigamente era comum ter sarampo. Eu tive e, por isso, estou 100% imune. A maior parte das pessoas que estão vacinadas não tiveram sarampo. Ou seja, não beneficiam dessa grande imunização. Por outro lado, o vírus está ausente de Portugal desde 2009, o que significa que circula cada vez menos. Ao contactamos menos com ele, não vamos fazendo nenhuma resposta ao vírus. Vamos perdendo memória e os anticorpos vão baixando. Isto passa-se tanto em Portugal como em França, no resto da Europa e em todo o mundo. Não devemos dramatizar. Os casos que temos tido são importados e, na maioria das situações, em pessoas que não estavam vacinadas. Nos casos de pessoas vacinadas, que desenvolveram sarampo por baixa de anticorpos, a doença é perfeitamente benigna.
Não teme que, o facto de a doença estar atingir pessoas vacinadas, dê força aos movimentos anti-vacinação?
As pessoas já não se lembram, mas, há uns anos, quem não estava vacinado tinha sarampo e morria. Hoje, se estivermos vacinados e mesmo assim apanharmos a doença, esta é benigna. Os casos que foram internados, foram-no por precaução ou porque a pessoa tinha um problema de imunodeficiência ou outro associado. Além disso, as pessoas vacinadas não transmitem a doença. Se não tiverem a vacina, podem apanhar, podem morrer e podem transmitir. Isto está nas mãos das pessoas. A política do Ministério da Saúde passa por não sermos nem proibicionistas nem obrigacionistas.
A vacinação deve ser obrigatória?
Não concordo com a obrigatoriedade. A vacinação é, claramente, uma opção do cidadão, embora defenda que as pessoas o devam fazer. Obrigar, não. Devemos aproveitar todas as oportunidades para promover a vacinação. Quando alguém vai fazer o exame médico para a carta de condução, deve-se perguntar como está o boletim de vacinas. As escolas têm sido um exemplo muito positivo desta acção pró-activa, com o controlo do cumprimento do plano de vacinação aquando do momento da matrícula.
[LER_MAIS] Depois dos surtos detectados nos hospitais São Francisco de Xavier e das Descobertas foi colocado no terreno um programa de vigilância e prevenção da legionella nos hospitais, coordenado pelo Instituo Nacional de Saúde Ricardo Jorge. Qual é o objectivo?
Este programa, que conta com a colaboração de vários departamentos de saúde pública, pretende promover a vigilância ambiental das unidades prestadoras de saúde. É uma vigilância de âmbito estritamente laboratorial que pretende ver como está a situação nas unidades prestadoras de cuidados de saúde mas, sobretudo, sensibilizá-las para a avaliação dos riscos. Desengane-se quem pense que este assunto vai ser arrumado. A legionella não vai desaparecer. Vamos ter de conviver com ela. Por vários motivos. Primeiro porque é uma bactéria que ainda não se conhece muito bem. A sua identificação é muito recente (1976). Depois, ela é ubiquitária. Anda em todos os sítios, em todas as águas. E é de difícil tratamento. Temos de conviver com isso.
O que pode, então, ser feito?
A nossa intervenção dever ser canalizada para os equipamentos e dispositivos susceptíveis de serem promotores da difusão da legionella. Isto é válido não só para os hospitais, mas também para hotéis, health club, indústrias, fontes ornamentais e outras unidades que usem este tipo de equipamentos. Está para sair uma lei específica que determina avaliações obrigatórias. Tudo o que seja uma fonte possível de disseminação da legionella deve ser vigiada, tendo em vista mitigar e diminuir a possível ocorrência da bactéria. Em condições normais, se contactamos com a legionella a única coisa que nos pode acontecer é desenvolvermos síndrome de Pontiac, com uma febre, uma gripe. Se tivermos DPOC [Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica], diabetes, imunodeficiência ou problemas cardíacos, há complicações maiores. Temos de aprender a conviver com a legionella porque ela vai andar por aí. Disse que o programa pretende “ver como está a situação nas unidades prestadoras de cuidados de saúde”.
Que avaliação já se pode fazer?
Iniciámos há dois meses a colheita [de amostras] e os resultados são francamente positivos. A nossa missão principal é fazer com que estas estruturas tenham uma componente forte de monitorização, de forma a que, independentemente de andar alguém a vigiar, elas tenham os seus próprios cuidados e, se houver algum problema, possam corrigir a situação.
O período de contenção orçamental que se viveu e que ainda se sente em áreas como a saúde pode ter levado a que se descurassem alguns aspectos ao nível da manutenção de estruturas e equipamentos, potenciado situações como a legionella?
Não há indicações que tenha sido esse o motivo. O grande problema é que, como dizia Saint-Exupéry, o essencial é invisível aos olhos. Ou seja, o que aparentemente não existe, potencia que se pense estar tudo a correr bem. Os casos que aconteceram e os que vão acontecer exigem das estruturas uma maior atenção sobre instalações e equipamentos que normalmente não tinham.