Cerca de uma década depois da entrada em vigor da lei que obriga os jovens a estarem na escola 12 anos ou até completarem 18 anos, o balanço é positivo.
Se para muitos continua a ser um sacrifício estudar e ir para a escola todos os dias, a verdade é que muitos destes jovens garantem uma formação superior àquela que teriam se tivessem saído do ensino no 9.º ano de escolaridade.
As escolas adaptaram-se a estes jovens, oferecendo-lhes, sobretudo, mais resposta no ensino profissional, ajudando-os a qualificarem-se numa área específica, o que lhes poderá ajudar a abrir mais portas no mercado de trabalho.
Alguns deles, até acabam por mudar os seus objectivos e prosseguem estudos inscrevendo-se num curso técnico superior ou mesmo numa licenciatura. O despacho que aumentou a escolaridade obrigatória – que era até ao 9.º ano ou 16 anos – foi assinado por José Sócrates, primeiro-ministro em 2009.
Desde então a taxa de abandono escolar precoce diminuiu e está agora nos 12,6%, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelados em Fevereiro pelo Ministro da Educação no Parlamento.
“O Governo congratula-se com a descida do abandono escolar precoce para 12,6% e felicita quem tem grande mérito por esta descida: as escolas, os seus professores, os seus funcionários, as comunidades que contribuem para que haja cada vez mais alunos a concluir a escolaridade obrigatória”, sublinhou Tiago Brandão Rodrigues, citado pela Lusa.
O ministro da Educação lembrou que, no início da década passada, Portugal tinha uma taxa de abandono próxima dos 40%, acrescentando que “o objectivo é chegar a 2020 com apenas 10%”.
Com maior ou menor dificuldade, as escolas souberam adaptar-se a uma nova realidade e hoje concluir o 12.º ano é tão normal, como era terminar o 9.º ano há 20 anos. “No início o impacto foi grande para alguns professores do secundário, que não estavam habituados a ter alunos que não gostavam de estudar. No ensino básico, os docentes já se tinham adaptado, quando a escolaridade passou a ser obrigatória até ao 9.º ano e o mesmo caminho foi preciso fazer no secundário”, adianta Alcino Duarte.
O director do Agrupamento de Escolas Domingos Sequeira, em Leiria, garante que se para alguns colegas foi “um choque”, para outros a adaptação foi natural e “encontraram estratégias para lidar com estes alunos” que têm dado resultados. “Os alunos tinham de estar na escola e nós tínhamos de lhes dar resposta”, sublinha Alcino Duarte.
A escola foi obrigada a modificar algumas regras. “Por exemplo, antes o aluno chumbava por faltas e não aparecia mais”, explica. “Hoje, mesmo que isso suceda, se não tiver 18 anos, o jovem tem de permanecer obrigatoriamente na escola. Pode não ir às aulas, mas terá actividades alternativas. Obviamente, isso levou-nos a um reajustamento”, revela o director.
Ermelinda Mendes acrescenta que o Agrupamento de Escolas de Ansião passou a integrar mais turmas no ensino secundário. A directora diz ainda que a resposta da escola traduziuse na “oferta formativa de cursos profissionais”.
“No caso concreto deste agrupamento, a indisciplina não aumentou e os alunos adaptaram-se com facilidade, não contestando este facto, entendendo que tal contribuiu para a sua formação futura”, garante, ao afirmar que também os professores estão “adaptados a esta nova realidade”.
Substituímos aquela ideia de castigar por um reforço positivo e um trabalho de proximidade com os alunos
Alcino Duarte
directorTemos cidadãos com maior nível de escolarização e que estarão mais próximos de ingressar num curso superior
Ermelinda Mendes
directora
[LER_MAIS] Segundo Alcino Duarte, os problemas disciplinares nunca foram verdadeiramente complicados, mas desde que a Secundária Domingos Sequeira criou o Observatório da (In)Disciplina os comportamentos desviantes diminuíram.
“Substituímos aquela ideia de castigar por um reforço positivo e um trabalho de proximidade com os alunos, tentando percebê-los”, explica Alcino Duarte. Muitos destes jovens têm mais interesse pelo trabalho e pela prática, o que se traduziu numa maior procura pelos cursos profissionais, o que leva a que, por vezes, as vagas não sejam suficientes para dar resposta às inscrições.
Alcino Duarte sublinha que o ensino profissional veio ajudar a aumentar o interesse pela escola aos alunos que não gostavam do ensino regular. “Não se pense que é um curso mais fácil, porque hoje os cursos profissionais são exigentes, até porque estão a preparar os jovens para o mercado de trabalho”, alerta. Esse maior entusiasmo contribuiu também para uma diminuição da indisciplina.
Nivelar os alunos com a Europa
“Qualquer mudança traz sempre desafios. Portugal pertence à OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico] e há que aproximar as políticas educativas. Estamos na União Europeia e os nossos alunos têm de ter as mesmas qualificações que os restantes colegas”, constata Isabel Oliveira.
A directora da Escola Secundária Francisco Rodrigues Lobo, em Leiria, afirma que foi necessário aumentar o número de turmas e apostar nos cursos profissionais. Além disso, “tem havido uma resposta ao nível da acção escolar para ajudar os alunos que têm dificuldades económicas”.
Referindo que não existem situações graves de indisciplina, a directora verifica, por outro lado “que há alunos que ainda não sabem bem o que querem a nível de cursos”, o que “sempre aconteceu”.
O impacto da medida foi positiva para todos, sobretudo, para os alunos, que se tornaram mais qualificados após a saída do ensino. Ermelinda Mendes entende que “as grandes alterações são ao nível da sociedade, uma vez que temos cidadãos com maior nível de escolarização e que estarão mais próximos de ingressar num curso superior”.
Quem tem mais formação tem mais facilidade em aprender, em integrar-se e adaptar-se no sector da indústria
António Ventura
empresário
Também Isabel Oliveira concorda que “tem de haver um nivelar de habilitações académicas”, para que os alunos portugueses não ficassem em desvantagem face aos colegas da União Europeia. “Com a livre circulação na Europa eles têm que ter as mesmas oportunidades e estar habilitados para poderem estudar. Temos muitos alunos que tiram licenciaturas no estrangeiro, portanto, é a questão de equidade e igualdade.”
Alcino Duarte considera que um jovem não estaria preparado para ir para o mercado de trabalho aos 15 anos. “Atendendo que há vários cursos profissionais, o aluno pode capacitar-se e adquirir outro tipo de competências quando for trabalhar.”
Além disso, o director da Domingos Sequeira constata que há jovens com “situações complicadas” em casa e que “noutra situação abandonariam os estudos”. A obrigatoriedade do ensino irá ajudálos no seu futuro, uma vez que os “qualifica”. Essa foi uma das vantagens que os empregadores sentiram.
António Ventura garante que os jovens que lhe chegam hoje à empresa estão mais bem qualificados. “Ainda sou do tempo em que nem era obrigatório o 9.º ano. Sem dúvida que o aumento da escolaridade obrigatória capacitou os jovens. Hoje quem tem mais formação tem mais facilidade em aprender, em integrar-se e adaptar-se no sector da indústria”, assegura. O empresário destaca o papel dos cursos profissionais.
“Por vezes, são maltratados, mas são uma mais-valia. Os jovens que chegam destes cursos não têm medo de sujar as mãos e de aprender. São muito bons técnicos.” Para António Ventura, nos dias de hoje “a licenciatura já devia ser obrigatória”.
Patrick Mendes, presidente da Associação de Pais de Pombal, concorda com a medida. “O alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12.º ano levou a que alguns alunos continuassem a estudar. Aqueles que não querem o ensino regular têm a possibilidade de ter um currículo mais profissional, o que se irá reflectir em termos laborais, porque as bases serão melhores e terão, assim, uma melhor preparação para a vida.”
Este pai não acredita que estes jovens trouxessem mais indisciplina à escola, além daquela que já é reflexo da adolescência. “É uma questão de educação que têm e também do controlo dos agrupamentos.”
DATA
2009
O despacho que definiu o alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12.º ano ou até o aluno fazer 18 anos foi assinado em 2009 pelo então primeiro-ministro José Sócrates. A medida foi entrando em vigor por fases, abrangendo hoje todos os alunos