Leia a segunda parte da entrevista aqui.
Leia a terceira parte da entrevista aqui.
Como se educa para o futuro, que está em constante mudança e onde há profissões que ainda nem foram criadas?
Não há receitas na educação. A relação fundamental é uma relação interpessoal e é por isso que uma escola pode ter fantásticos instrumentos tecnológicos, mas se não tiver bons professores e se não houver uma boa relação humana a educação não funciona. Por isso é que falar de educação é falar de aprendizagem. Hoje temos que perceber que a diferença entre um país desenvolvido e um país atrasado está na capacidade de aprender. O desenvolvimento significa exactamente capacidade de aprender mais e melhor. Não podemos antecipar o que não conhecemos. O que temos é de nos preparar bem para tirar boas lições da vida. Em cada momento temos um percurso, que é um um percurso de incerteza e complexidade. Temos que nos prevenir relativamente às fake news ou às pós verdades, que são o cultivar da mentira. Não há dois estudantes iguais. Ao falar de educação não estamos a falar apenas de educação escolar. Estamos a falar de educação ao longo da vida. Temos que habilitar uma criança ou um jovem com todos os meios que lhe permitam ao longo da vida aproveitar ao máximo aquilo que é a experiência. O professor Eduardo Lourenço costuma dizer que nós temos que perceber que a nossa cultura não é melhor nem pior que as outras, será tanto mais rica quanto melhor percebermos aquilo que temos que fazer em cada momento. Não há receitas para prevenir a incerteza. A inteligência artificial de que hoje tanto se fala é algo de importante, desde que percebamos que a pessoa faz robots, mas os robots não fazem pessoas.
Coordenou o estudo sobre o Perfil do Aluno que estabelece qual deve ser o perfil do aluno após os 12 anos de escolaridade.
Procurámos que isso acontecesse, daí o sentido humanista desse perfil. Foi um perfil que deu muito trabalho. Quando fui ao Parlamento apresentá- lo na Comissão de Educação houve vozes positivas de todos os quadrantes políticos e, obviamente, que para quem o trabalhou é positivo. Chegar a um denominador comum significa compreender a própria diversidade e a complexidade, tanto que nas várias bancadas parlamentares muitos perguntaram: ‘nós estamos de acordo com estes objectivos, mas agora o que se vai fazer com eles?’
E o que se vai fazer com eles?
Na definição do Perfil tivemos a preocupação de não confundir reforma curricular e definição de Perfil. O Perfil é mais durável, não pode ser alterado em cada legislatura. Tem de ser estável. Não é a primeira vez que se faz um Perfil em Portugal. Tive a honra de participar num Perfil que foi feito nos anos 80 e verificamos que há diferenças, mas também há elementos comuns para o actual. As diferenças estão no progresso científico e tecnológico que ocorreu. Não esqueçamos, por exemplo, que há [LER_MAIS] dez anos ainda se procurava a cura para determinadas doenças ditas incuráveis. Hoje, através do progresso científico, controlamos essas doenças e transformámolas de incuráveis em crónicas e daí o aumento da esperança média de vida. Esse é um grande desafio em termos educativos e culturais. Dentro de décadas chegaremos aos 100 anos de esperança média de vida nas sociedades mais desenvolvidas. A complexidade obriga-nos a não ter um modelo fechado e, sobretudo, a percebermos que a relação fundamental da educação é a relação interpessoal, intersubjectiva, e aquela que se estabelece olhos nos olhos.
Essa é a base do Perfil do Aluno?
É isso que é o mais importante. Perceber que não há dois alunos, nem duas pessoas que sejam iguais. Cada pessoa, cada aluno é irrepetível. Como podemos responder à incerteza? Tendo consciência da incerteza e da complexidade. Temos de perceber que hoje não se forma para uma única profissão ao longo de toda a vida. Hoje não se forma para um momento que é o fim da educação formal e depois a entrada na vida activa. A vida activa é em si já e permanentemente um acto também de aprendizagem e de contacto com a experiência.
Amante das contas e de Banda Desenhada
Faz 66 anos dentro de dias e é administrador Executivo da Fundação Calouste Gulbenkian, desde 2015. Guilherme d’Oliveira Martins foi ministro da Presidência, das Finanças e da Educação, e foi vice-presidente da Comissão Nacional da UNESCO. Jurista de formação, foi ainda presidente do Conselho de Prevenção da Corrupção e do Tribunal de Contas, entre muitos outros cargos institucionais. É professor catedrático convidado da Universidade Lusíada de Lisboa e do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa e é o comissário nacional do Ano Europeu do Património Cultural. Foi o coordenador do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, documento que reuniu o consenso de todos os quadrantes políticos. Pai de três filhos, a banda desenhada é uma das suas paixões. “Fascina-me esta ligação entre a escrita e o elemento gráfico. Portugal tem uma belíssima tradição e um grande prestígio em termos internacionais. É um fascínio que se prende um pouco com a nostalgia”, admite.