Quando Fernando de Almeida Freitas inaugurou a Chapelaria Liz, na Rua Barão de Viamonte (Rua Direita), contavam-se facilmente os automóveis que circulavam pela cidade de Leiria. As senhoritas e os cavalheiros faziam-se passear a pé para espreitar as montras e apreciar as novidades. E os chapéus faziam parte da indumentária deles e delas, tal como ditavam as modas do cinema, que na maior parte das fitas ainda era mudo. Foi há 90 anos.
Desde então, muito mudou na cidade. Leiria é agora um centro urbano, onde passam diariamente milhares de automóveis, mas onde também são agora muito menos aqueles que passeiam tranquilamente para ver as modas na Rua Direita.
No entanto, apesar da multiplicação da oferta e da distribuição do público por outros pontos de interesse da cidade, a Chapelaria Liz mantém-de de portas abertas e com ideias inovadoras que conquistam os clientes de várias gerações.
Este é um dos vários casos de longevidade identificados pelo JORNAL DE LEIRIA, onde nenhum comerciante nega a dificuldade de manter o negócio vivo, mas onde também se apontam medidas imperativas, certeiras na hora de ultrapassar os contratempos.
Modernizar os espaços, adaptar os produtos às novas necessidades do público e apostar na formação dos colaboradores são algumas das sugestões deixadas por estes resistentes do comércio. A comunicação via internet, com presença cuidada em várias redes sociais é outra das apostas que já nenhum estabelecimento comercial pode descurar.
Chapelaria Liz
Na Rua Direita com um pé na internet
Ana Paula Moreira está à frente da Chapelaria Liz, o negócio que até há pouco tempo pertencia ao seu pai. Ao longo de nove décadas de história, esta casa sempre esteve nas mãos desta família, a começar pelo próprio fundador, o senhor Fernando de Almeida Freitas, primo afastado de Ana Paula.
A lojista não esconde o quão difícil é manter o negócio durante tantos anos e conta que o seu pai, desanimado, chegou a pensar desistir. Mas Ana Paula Moreira não baixou os braços. Era “uma pena” acabar com uma casa cheia de tradição. A opção foi abraçar o projecto e introduzir novidades, que o público já está a apreciar.
Quanto à maior dificuldade, realça a comerciante, talvez esteja na própria localização da Chapelaria Liz. Se até à década de 90 do século passado, a Rua Direita era uma via com movimento, à medida que outras áreas comerciais foram surgindo em Leiria, este troço foi perdendo a dinâmica de outrora. E a escolha de outros locais da cidade para a realização de eventos, sobretudo na Praça Rodrigues Lobo e em direcção ao rio, acaba por deixar esta artéria um pouco “esquecida”, defende a lojista.
Como fechar não era opção para Ana Paula, a comerciante começou de imediato a incrementar novidades. Diversificou e aumentou o stock de artigos, para poder ter sempre resposta às solicitações dos clientes.
O estabelecimento concentra hoje vários tipos de chapéus, de calçado, cintos, malas, carteiras e chapéus de chuva, de marcas nacionais e também internacionais, sempre de grande qualidade, enumera a lojista. Entre os seus clientes há turistas franceses, que já têm a chapelaria como ponto obrigatório de visita, também elementos de grupos folclóricos, da tauromaquia, senhores e senhoras com mais idade, mas também mulheres mais novas, que apreciam chapéus em ocasiões de cerimónia ou até no dia-a-dia.
Atrair clientes à loja física, que “ainda é desconhecida para muitas pessoas de Leiria”, e promovê-la online, são os rumos onde Ana Paula tem vindo a trabalhar. Fez obras, alterou a disposição do mobiliário e criou áreas de exposição mais atractivas. Por outro lado, fez um curso de facebook, com o objectivo de aprender a promover o espaço e os produtos através daquela rede social.
Por enquanto, Ana Paula divide-se por todas as tarefas inerentes à loja e não tem ainda a disponibilidade que precisa para tirar mais proveito do online. Mas o seu objectivo passa por ter um colaborador na loja, para ter mais tempo para se dedicar à web, salienta a comerciante.
Uma coisa é certa, por mais evolução que o negócio venha a ter, o espaço de características tradicionais e o atendimento personalizado não hão-de faltar, adianta a lojista, que, atrás do balcão, também é “um bocadinho médica e um bocadinho psicóloga”.
Grupo ADN
1974 e a revolução dos Narcisos
Em Leiria, 1974 foi marcado por mais do que uma revolução. Além dos célebres cravos vermelhos, também os Narcisos fizeram história na cidade. Foi precisamente nesta data que David Narciso abriu uma loja que viria a romper com os conceitos de moda de então.
Apostado desde sempre em vender produtos de grande qualidade, diferenciados, David Narciso começou desde logo a frequentar as grandes cidades europeias, sobretudo Paris, de onde saiam as melhores colecções. Transpunha depois essas ideias para os artigos que vendia em Leiria, na David Huomo.
Actualmente, é Hélder Narciso, seu filho, que assume a gerência do negócio, que deixou de se cingir a uma loja para se transformar num grupo delas. Do Grupo ADN fazem parte agora várias lojas multi-marca em Leiria e em Coimbra, inseridas ora em comércio de rua ora em centros comerciais, estando presentes também nalguns frinchisings. Feitas as contas, são já 15 lojas localizadas sobretudo na região Centro, que dão emprego a cerca de 50 pessoas, explica Hélder. O segmento continua a ser médio e alto, sendo que a estratégia gizada por David Narciso – que se mantém a par dos negócios – é cumprida à risca como no primeiro momento.
Tanto David como Hélder salientam que “é preciso muito trabalho, muito esforço, para tentar motivar as equipas, para estar actualizado em termos de oferta, e há que ser muito determinado na forma de investir”. Ou seja, trabalhar, poupar e reinvestir no negócio, remodelar lojas com frequência sem estar à espera que algum apoio ou subsídio lhes caia no colo, expõe Hélder, que recorda a última remodelação, feita já em Março deste ano.
“Sabemos no que somos bons e focamo- nos. Não saímos do nosso registo”, realça o gerente. Existe, no entanto, visão para perceber em que novas zonas das cidades vale a pena investir, e visão também para perceber que extensões pode o negócio adquirir. Foi o caso da nossa loja “ADN Kids, que é uma reprodução das grandes marcas que vendemos para adultos, mas adaptadas a crianças”, exemplifica Hélder Narciso.
Tal como o pai, também o actual gerente encontra nas viagens uma grande ferramenta de crescimento e de actualização. Lá fora, vêm-se colecções, lojas e vitrinas e assim se “abrem horizontes”, mais do que algumas formações, que são mera formalidade, defende o empresário, nota a empresária.
Ourivesaria Moisés
Ouro que brilha há três gerações
É enorme a satisfação que sente Moisés Oliveira, quando à sua ourivesaria, na Avenida Heróis de Angola, chega uma terceira geração de clientes. Alguns até emigrantes, que aproveitam as férias de Verão para visitar a loja, que é também a loja dos seus pais e dos seus avós [LER_MAIS]
Este feito só é possível porque desde que abriu portas, há 49 anos, Moisés não deixou de sentir paixão pelo que faz nem preocupação em oferecer aos seus clientes os artigos mais originais. Moisés Oliveira conta ao JORNAL DE LEIRIA que desde sempre soube que gostaria de trabalhar numa ourivesaria.
Ajudava na ourivesaria do seu pai desde os 10 anos de idade e, mal cumpriu o serviço militar, decidiu estabelecer-se por conta própria no mesmo ramo.
De acordo com o comerciante, existem alguns segredos para a longevidade do negócio. Saber atender bem o cliente é um deles. Depois, há que estar sempre a par das novidades. Moisés sempre viajou para trazer artigos diferentes para a sua loja. Visitava feiras e exposições, principalmente em Espanha e Itália, e esmerava- se para manter boas relações com os fornecedores. O ourives reconhece que existe hoje muito maior concorrência e que é mais difícil obter exclusivos. Mas a originalidade é o caminho certo, defende o comerciante. Nos últimos 30 anos, Moisés tem tido do seu lado, entre outros colaboradores, o apoio do filho Miguel. É a Miguel que tem cabido a promoção da loja através da internet.
Além do site, a Ourivesaria Moisés conta também com facebook e instagram, que servem para comunicar e projectar a loja junto do público mais jovem, explica o filho do fundador.
Modas Tenda
No coração de Leiria com clientes de toda a zona Centro
Quando em 1976 Joaquim Carvalho decidiu abrir a loja Modas Tenda, na ainda recente Avenida Heróis de Angola, foram muitos os que duvidaram da localização do estabelecimento, que consideravam “deslocado”. Nessa altura, Joaquim Carvalho já tinha certeza de que, dentro de uma década, a sua loja estaria no centro de tudo.
E não estava enganado. Embora reconheça que é preciso fazer hoje obras na avenida, que está agora “mal cuidada”, e embora considere que as Galerias Alcrima, votadas ao abandono, não contribuem para a boa imagem desta artéria, Joaquim Carvalho não tem dúvidas de que teve à época grande visão e que a Heróis de Angola está hoje “no coração da cidade”.
Mas nem só a localização da loja foi uma aposta certeira e garante da sua longevidade. Até porque as pessoas que se “atropelavam” pelos passeios, a ver as montras desta avenida, começaram a ter mais alternativas, como o shopping ou as lojas de chineses, exemplifica o comerciante.
O segredo para a longevidade e sucesso desta empresa passou também por abrir uma loja complentar, de artigos de langerie, e por não ir atrás do que fazia a concorrência. Mesmo quando a partir de 2008 a crise começou a retirar poder de compra à classe média, a Modas Tendas manteve- se no lugar de sempre, com artigos de qualidade, para clientes que gostam de moda e de design.
“O meu estabelecimento, costumo dizê-lo, para os pobres é rico, e para os ricos é pobre. É aqui que nos posicionamos e nunca tentamos sair desta linha de orientação”, explica o empresário.
Mesmo que isso implique perder noites, a viajar, para ver o que se tem feito em Espanha ou França. Aliás, frisa Joaquim Carvalho, “na secção de senhora, 90% dos meus fornecedores são estrangeiros”. O “cuidado com a organização da loja, com a forma como se expõem os artigos e fazer obras” são também medidas importantes para não nos tornarmos comerciantes “adormecidos e ultrapassados”, entende o empresário, para quem “lojas que se apresentam de maneira igual cansam”.
Fruto do trabalho construído no passado – “o comércio de Leiria criou nos anos 80 a imagem de um comércio moderno, agressivo, atractivo, por oposição a outras regiões, que projectavam a imagem de um comércio estagnado” – esta loja continua a ter clientes de outras paragens, como Alcobaça, Torres Novas, Alcanena, Figueira da Foz ou Coimbra.
Mas a Modas Tendas não vive à sombra dessas conquistas e posiciona-se junto dos mais novos, através da internet. “Temos site e facebook, com pelos menos uma publicação semanal”, relata Joaquim Carvalho. Há no entanto oportunidades de melhoria neste sector, entende o empresário, para quem a regulação existente permite “uma anarquia” de saldos e promoções, que só tem contribuído para a “descredibilização” dos lojistas.
São Ópticas
Uma questão de visão
São Cardoso abriu a primeira loja São Ópicas há 21 anos. Hoje tem duas, na cidade de Leiria, que dão emprego a dez pessoas. Qual é o segredo para resistir? São vários, conta a empresária. Não basta abrir portas, é preciso cuidar do que se faz. No seu caso, esse cuidado passa por fazer um “trabalho sério, honesto, trabalho com qualidade e com rigor”; passa ainda por investir na modernização sistemática das lojas (investimento que acontece de cinco em cinco anos); por garantir que todos os colaboradores têm formação na área da óptica e formação complementar, no atendimento ao cliente, na apresentação das lojas e das montras; e ainda por visitar outras grandes cidades do País e da Europa, para adquirir edições limitadas e para encontrar ideias arrojadas de apresentar o estabelecimento.
É preciso ainda ter uma comunicação forte com a comunidade, através de anúncios nos mediaou através de exposições que ocorram na própria galeria da São Ópticas, criada para esse efeito, explica a empresária. Só esta atenção constante com os produtos disponibilizados, e com o atendimento aos clientes, justificam que tanta gente de fora do concelho se dirija propositadamente à sua loja, mesmo quando o resto da Avenida Heróis de Angola parece menos movimentada .
Five
Cinco décadas, cinco lojas
Foi António Carreira Rodrigues quem deu início a este negócio familiar de vestuário, corria a década de 60. Ao cabo de um trajecto de 50 anos, pautado pela expansão e pela constante modernização, o grupo Five integra actualmente cinco espaços comerciais na cidade de Leiria. Desde 2007, com o desaparecimento do fundador, tem sido Bruno Carreira, seu filho, em parceria com a mãe e a irmã, quem tem assegurado a liderança da empresa, com uma estratégia que não tem oscilado. “Em equipa vencedora, não se mexe”, brinca Bruno Carreira, para quem existem algumas traves mestras para que este tipo de negócio resulte.
“Este é um tipo de negócio que exige muito trabalho, muita dedicação, com muitos dias em que se chega à loja por volta das 9 horas e se sai cerca das 21 ou 22 horas”, relata o empresário. E aos 38 anos, há uma rotina de viagens que se impõe na vida de Bruno Carreira, entre as grandes cidades da moda europeia, para conhecer tendências que se possam adaptar aos gostos do público português.
Os investimentos regulares na apresentação das lojas são também imperativos. Uma das últimas grandes apostasfoi a loja de acessórios de luxo, situada na Avenida Combatentes da Grande Guerra, inaugurada em Setembro de 2012.
O online é outro dos canais de comunicação que o grupo não tem descurado, aponta o empresário.
Balvera
Uma perfuraria 24 anos e 130 funcionários depois
No passado fim-de-semana, o Município de Pombal condecorou com medalha de prata a empresa Balvera. O grupo de perfumarias que nasceu em Pombal em 1994, mas que também tem presença em Leiria há vários anos, tem razões de sobra para ser agraciado com medalha de mérito empresarial.
O facto de empregar hoje 130 pessoas, de gerar um volume de negócios de cerca de 10 milhões de euros, e de ter lojas abertas em inúmeros distritos do País (Vila Real, Viseu, Coimbra, Castelo Branco, Leiria, Santarém, Lisboa e Setúbal) são disso um bom exemplo.
António Barrento, fundador da Balvera, diz ao JORNAL DE LEIRIA que a primeira loja, instalada em Pombal, foi “um sonho”. Um sonho que tomou grandes proporções e hoje são já 36 as lojas Balvera distribuídas pelo País.
Como se atinge este patamar? “Muito trabalho, muita atenção ao cliente, para satisfazer as suas necessidades”, o que passa não só pelos artigos que se comercializam, mas também pela forma atenciosa de atender atrás do balcão. É nesse sentido que a empresa dinamiza formação regular para os colaboradores. A apresentação, quer no fardamento das colaboradoras, quer das lojas, que têm uma imagem uniformizada, são também as preocupações desta empresa, salienta o responsável pela Balvera.
Arquivo
Êxito assente em quatro pilares
Celebrou este ano quatro décadas, mas mantém um fulgor jovial. A Arquivo começou por ser uma livraria muito diferente do que é hoje, tanto no espaço como na oferta, que incidia sobretudo nos clássicos.
No entanto, teve desde cedo “um grande cuidado na selecção dos livros e inovou nos artigos de papelaria, como por exemplo no material reciclado, que começou a vender ainda na década de 80 do século passado”, explica o gerente, João Nazário. Em 2000, a Arquivo mudou de localização. Manteve-se na mesma rua – na Avenida Combatentes da Grande Guerra, em Leiria – mas apresentou- se totalmente renovada, “quer no espaço quer no conceito, que, entre outras coisas, contemplava uma cafetaria, algo que vimos noutros países e de que gostámos bastante”, prossegue o responsável.
Para se manter actualizada, “a livraria tem apostado essencialmente em quatro factores que são, para nós, determinantes: espaço acolhedor e confortável, atendimento personalizado, oferta diversificada e de qualidade e uma programação da agenda cultural muito cuidada, inovadora e coerente. Julgamos que o ADN da Livraria Arquivo está na conjugação desses quatro pilares”, realça João Nazário.
“Na nossa opinião, e só falamos de nós, o segredo da longevidade está em ir percebendo as tendências e, sempre que possível, anteciparmo-nos a elas. O que as pessoas querem hoje, seja ao nível estético do espaço seja nos produtos que procuram, não é o mesmo que há 10 anos ou há três décadas, pelo que temos obrigatoriamente que ser diferentes do que éramos no passado”, defende o responsável. “Parece-nos que a Arquivo tem conseguido isso, com investimentos constantes e muito cuidado nos artigos que coloca à venda e, principalmente muita paixão pelos livros”, remata João Nazário.
Antóniu's Store
O culto da loja familiar
Maria Eugénia Brás é o rosto da Antóniu's Store, um pronto-a-vestir com 30 anos de actividade. Ficou a gerir o negócio desde o desaparecimento do marido e manteve sempre a mesma estratégia. Comercializar boas marcas com o atendimento mais personalizado e familiar possível, sem esquecer de investir na imagem da loja.
Maria Eugénia lamenta que muito tenha mudado no centro de Leiria, desde quando, nas décadas de 80 e 90, o comércio de rua atraia muito público. As quadras natalícias eram especialmente animadas, com muita iluminação e gente que passava carregada de sacos de compras, recorda a lojista.
Hoje, tudo parece ter menos brilho, as pessoas andam tristes e os preços dos parques de estacionamento não convidam a grandes demoras pelas lojas, lamenta a comerciante. No entanto, há quem continue fiel à Antóniu's, ao ponto de muitas vezes passar só para cumprimentar. “É um espírito familiar muito bonito”, salienta Maria Eugénia.