Quando iniciou funções, apresentou uma directiva estratégica com nove objectivos. Numa entrevista recente apontou como prioritário a aproximação das Forças Armadas à sociedade civil. Porquê?
Os portugueses não conhecem suficientemente as Forças Armadas (FA). A seguir ao 25 de Abril, as FA fecharam- se um pouco sobre elas próprias, fruto das circunstâncias políticas. Por outro lado, desenvolveu-se no seio das FA a ideia de que a responsabilidade de divulgar aquilo que os militares faziam era dos políticos e que os militares tinham de se concentrar nas questões operacionais. Ora, isto é um desvio profundo ao que tinha sido a carreira e a vida dos oficiais durante o século XX, com gente de elevada qualidade a interagir com a sociedade em diversas áreas. Após o 25 de Abril, havia a ideia de que isso não era conveniente. Isso levou a que os mais habilitados da instituição militar se afastassem da interacção com as diferentes organizações. Esse distanciamento começou a ser reduzido com o comandante Virgílio Carvalho, que a determinada altura passou a fazer comentários na televisão sobre questões militares e os conflitos internacionais. Depois, apareceu também o general Loureiro dos Santos, o almirante Vieira Matias e outros oficiais. Foi assim que as FA se começaram a abrir.
Mas é preciso ir mais longe.
Exacto. É preciso abrir as unidades, fazer com que os dias da Força Aérea, da Marinha ou do Exército sejam dias de grande abertura à comunidade. Estes gestos devem ser complementados com outras iniciativas, como os programas Alista-te por um dia, Cidadania e Forças Armadas e Portugal e as Forças Armadas, que têm como objectivo fazer com que as crianças e jovens, desde o 1.º ciclo ao ensino universitário, conheçam e contactem com as FA. Temos também de dinamizar outras acções de interacção com a sociedade e falar da nossa actividade.
Leia aqui a segunda parte desta entrevista:
“É no mar que estão os recursos que Portugal não tem em terra"”
Espera que esse trabalho possa atrair mais jovens para as FA, ajudando a colmatar a falta de efectivos?
No Exército são precisos 4100 praças, enquanto na Força Aérea faltam cerca de 900 e na Marinha mais de 600. Este é um problema muito complexo e não resulta só da falta de abertura das FA à sociedade. Há um conjunto de medidas que têm de ser tomadas, de forma a garantir que os militares têm condições para servir o País com equidade relativamente a outras forças congéneres, desde logo, do ponto de vista salarial. Os militares ganham menos do que outras profissões semelhantes. Um praça dos quadros permanentes da Marinha aufere cerca de 700 euros. No posto equivalente na GNR ou na PSP ganha mais de 1100. É também preciso criar carreiras nos quadros permanentes do Exército e da Força Aérea e melhorar as instalações militares. Temos de garantir que a condição militar é recuperada, de forma a que as reduções de direitos, liberdades e garantias a que os militares são sujeitos tenham uma compensação. É absolutamente decisivo rever as condições de assistência na saúde aos militares e às suas famílias, que têm vindo a ser reduzidas. A conjugação de todos estes aspectos fará com que a carreira militar seja, de novo, atractiva.
Nascido em Pombal há 61 anos
“Aficionado” pelo ciclismo e pelo futebol
Foi em Pombal, junto à linha de comboio, que nasceu e viveu até aos 13 anos. Desse tempo, recorda uma infância “extremamente feliz”, marcada pela “excelência” dos professores e da relação próxima com avô materno, que foi sargento da Marinha e que teve uma influência “decisiva” no percurso que seguiu.
“Nunca tive outra vocação que não fosse a de ser oficial da Marinha”, confessa o almirante António Silva Ribeiro, chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas desde Março de 2018. Entrou para a Escola Naval em 1974, no ano em que perdeu o avô.
Concluída a licenciatura em Ciências Militares-Navais, foi para os EUA fazer o curso de hidrografia. “Pude ver o que era uma democracia a funcionar, com um sistema de ensino profundamente diferente. Aprendi que qualquer professor que goste de ser professor existe para estar à disposição dos seus alunos.”
De regresso a Portugal, prosseguiu a sua carreira militar, tendo desempenhado, entre outras, as funções de chefe de Estado-Maior da Armada, de director-geral do Instituto Hidrográfico e da Autoridade Marítima. É também um académico especializado nas áreas da estratégia, ciência política e história, com uma extensa obra publicada.
“A escrita é um exercício de reflexão que faço comigo próprio”, diz, confessando que o que mais tranquilidade lhe dá é “ter uma folha de papel à frente, um lápis e uma borracha e escrever”. Confessa-se ainda um “aficionado” pelo ciclismo, modalidade que praticou, e pelo futebol, sendo “um adepto dedicado e sofredor” do Sporting.
Alguns países estão a reintroduzir o serviço militar obrigatário. Portugal deve seguir essa linha?
O debate é essencial. Se países como a Suécia e a França, que são grandes democracias, estão a reintroduzir o serviço militar obrigatório, Portugal não pode ficar fora do debate. No caso da França, é seguido um modelo de serviço universal, uma espécie de serviço cívico, que integra uma componente relacionada com as FA. Parece-me uma fórmula muito adequada. Esta é uma questão essencialmente política, mas considero salutar que, depois de terminarem o 12.º ano, os jovens possam fazer um período de serviço voluntário ao País.
O caso de Tancos afectou a relação de confiança entre os portugueses e as FA?
Tancos foi algo inadmissível nas Forças Armadas. Mas o Exército não é Tancos. O que se passou em Tancos não reflecte, nem de perto nem de longe, a competência, o rigor, a capacidade de comando, a disciplina e o brio profissional do nosso Exército. Sendo inadmissível a repetição de um fenómeno destes, o caso de Tancos não traduz, de forma alguma, a situação [LER_MAIS] do nosso Exército. Se queremos perceber o que é o nosso Exército, olhemos para aquilo que as nossas tropas têm feito na República Centro-Africana (RCA). Apesar de estarem lá 11 mil militares, são os nossos 200 que fazem a diferença, porque são competentes.
É um facto que a participação dos militares portugueses em missões internacionais é frequentemente elogiada. A que se deve esse reconhecimento?
O factor essencial do sucesso dos nossos militares nas missões internacionais tem a ver com o facto de sermos portugueses. Somos gente generosa e abnegada, gente que, quando se empenha em qualquer coisa, faz e procura fazer sempre bem e melhor do que os outros, apesar de, às vezes, nem termos os melhores equipamentos. Foi este espírito de missão que nos levou a dar novos mundos ao mundo. Há também factores de natureza militar que contribuem para o sucesso das nossas FA em missões internacionais. Falo da preparação e do treino dos nossos militares, que é muito bom, conjugados com os meios que temos à nossa disposição. Presentemente, a nossa missão mais relevante decorre na RCA, onde temos uma companhia de comandos, que, na linha do que sucedeu no passado, tem sido determinante para a paz naquele território, protegendo as populações indefesas da acção de grupos criminosos.
Em que outras missões internacionais há tropas portuguesas envolvidas?
Este ano, temos 26 missões. O Exército tem como missões principais as que estão a decorrer na RCA, que é a missão de maior risco desde o fim da guerra no Ultramar, no Afeganistão, onde protegemos parte do aeroporto de Cabul, e no Iraque, onde formamos militares iraquianos. Da Marinha, destaco a missão dos fuzileiros na Lituânia, onde estamos a contribuir para as medida de dissuasão da Rússia relativamente aos países bálticos, e o empenhamento dos nossos navios no Mediterrâneo. Aqui, contribuímos para o exercício da segurança marítima e, sobretudo, para a salvaguarda da vida humana no mar e para a recolha de informação relacionada com a imigração ilegal. Destaco ainda a missão no Golfo da Guiné, onde temos um navio patrulha que está a capacitar a guarda costeira de São Tomé. Da Força Aérea refiro a missão que envolve a presença de F-16 na Polónia e a presença de aviões de patrulha marítima no Mediterrâneo e no Golfe da Guiné.
Internamente as FA estão agora mais envolvidas na prevenção e combate aos incêndios. Essa participação deve ser reforçada?
Temos, no momento, patrulhas do Exército e da Marinha a vigiar as nossas florestas, em articulação com o Instituto de Conservação da Natureza. Em caso de incêndio, a nossa missão principal é a de prestar apoio logístico aos bombeiros e colaborar no rescaldo. Aqui, os contributos são ajustados à dimensão dos incêndios, como aconteceu em Pedrógão Grande, onde tivemos centenas de militares a colaborar com a Protecção Civil.
Há quem defenda que a Força Aérea deve assumir o combate aéreo aos fogos. O que pensa disso?
É nesse sentido que estamos a caminhar. No entanto, os portugueses têm de ter consciência de que nestas questões, em que se requer o emprego das FA, são necessários meios e que esses meios não existem nas prateleiras dos supermercados. Por outro lado, as pessoas que os operam têm de estar treinadas e certificadas. É um trabalho que demora meses ou anos a alcançar. Na sequência da decisão governamental de atribuir à Força Aérea a gestão dos meios aéreos de combate aos incêndios, estamos, este ano, a fazer os contratos para o aluguer das aeronaves. Estamos também a trabalhar na aquisição de aeronaves para o combate aos fogos. O que vai acontecer é que os C-130, que vão ser substituídos por KC [390] nas operações militares, serão dotados de reservatórios para combate aos fogos e passarão a ser empenhados nessa tarefa. É preciso dar tempo à Força Aérea para ela se poder preparar convenientemente, com os recursos materiais e humanos adequados para o combate aos fogos.
A região de Leiria reclama, há muito, a abertura da Base Aérea de Monte Real (BA5) à aviação civil. Essa é uma decisão política, mas pergunto, se, do ponto de vista operacional, é uma reivindicação atendível?
A base de Monte Real é onde estão os F-16, que são os meios mais sofisticados e mais potentes que a nossa Força Aérea tem e que são empregues para a defesa nacional, seja no nosso território seja no estrangeiro. Precisam de treinar todos os dias. Olhando para a BA5, tem de se perceber que não há outro sítio em Portugal onde os F-16 tenham condições para operar e serem mantidos com o elevado nível de prontidão que estes aviões exigem. Para mantermos essa capacidade, temos de ter uma base com as características da de Monte Real. Evidentemente que, se forem preservados estes requisitos, pode haver condições para alguma partilha de espaços. Mas não se pode comprometer as capacidades militares em benefício de outras. Tem de haver uma articulação, uma conjugação dos esforços e dos interesses do País.
A Lei de Programação Militar prevê 4,7 mil milhões de euros para investir no equipamento das Forças Armadas até 2030. Quais são as prioridades?
A lei abrange três quadriénios e é revista de quatro em quatro anos. No primeiro quadriénio, os grandes investimentos serão feitos nos KC para a Força Aérea. São aviões de transporte estratégico, absolutamente decisivos, para a movimentação de carga. Por exemplo, no apoio que demos a Moçambique por causa do ciclone Idai usámos os C-130, que demoraram dois dias a chegar e tiveram de fazer paragens. Os C-130 vieram para a Força Aérea no ano em que acabei a Escola Naval, em 1978. São aviões que ainda duram alguns anos, mas já estão tecnologicamente em obsolescência. O KC vêm acrescentar capacidade para movimentar meios. Recentemente, tivemos de enviar duas pandur para a RCA, o que implicou o aluguer de aviões para fazer esse transporte. O investimento nos novos KC irá permitir também libertar os C-130 para o combate aos incêndios. Outro investimento essencial é o programa de reequipamento da Marinha, que contempla a aquisição de seis navios patrulha oceânicos, assim como o equipamento de combate do soldado do Exército. No segundo quadriénio está prevista a modernização dos F-16, a aquisição de um reabestecedor para a Marinha e a modernização da capacidade blindada média do Exército.