Já são cinco edições: sentem-se preparados para surpreender o público com propostas inesperadas?
Claro, há muitos sonhos que ainda não foram concretizados, que ainda vêm da primeira edição. É engraça-do o quanto as pessoas querem ser constantemente surpreendidas. Nem sempre tem de ser assim, os projectos vão sendo mutáveis e vão-se afinando e vão percebendo se são mais de um carácter celebratório, se são mais de um carácter de entretenimento, se têm mais a ver com um serviço educativo. Ao longo dos anos, o Festival é multidisciplinar e complexo na sua programação e comunicação, mas tem bastante ciente por onde gostaria de mover-se e as manifestações artísticas que gostaria de proporcionar. A fórmula não está fechada. Nós temos vindo sempre a abrir outras portas, temos vindo sempre a desenvolver outros projectos, mesmo dentro dos próprios espaços.
Mais do que crescer ou mudar, melhorar.
Sim, tem sempre a ver com o qualitativo. Com cada vez termos mais noção do que é necessário para o usufruto. E muitas vezes tem a ver com mais sinalética, mais ilhas ecológicas, conseguir trazer propostas diferenciadoras, porque isso é algo em que sem dúvida assentamos. Queremos ir desenvolvendo novos projectos e criando novas parcerias, permitir que a banda X com o artista Y possa estar cá em residência e criar um projecto único. Não ir pelo caminho mais fácil, que muitas vezes é o mais barato ou o mais rápido. Esse melhorar permite-nos sonhar de outra forma. O Festival não ambiciona ser um Festival de 60 mil pessoas com concertos num palco que precisa de ter 30 metros de largura. Não é essa a característica aqui. A característica assenta sempre sobre os pilares da comunidade.
Também nos festivais, as pessoas procuram tempo de qualidade. Isso é compatível com o alinhamento tão extenso como o que A Porta proporciona?
Óbvio que é bastante extenso, dá bastantes opções de escolha. As pessoas podem decidir se querem ir só ao Jardim, se querem ir só à Casa Plástica, se querem ir só ao workshop do Gonçalo M. Tavares na Arquivo. O projecto, o que quer fazer, é mostrar o seu mundo possível, em relação com as pessoas que o habitam durante dez dias. Claro que tem bastantes estímulos a acontecer, acontecem muitas coisas em simultâneo, mas ele tem as suas linhas programáticas. Há um misto. Consegues encontrar calma no meio desta efervescência e é bonito quando consegues encontrar, no meio da calma, um momento que te estimule e te potencie para outra coisa. Temos a noção que a nível de estímulos são bastantes aqueles que tentamos, mas a complexidade do projecto é mesmo essa apresentação de uma série de manifestações artísticas que vão do bebé até à força sénior, extremamente eclécticas, a todos os níveis.
Pensando no conjunto da cidade, nos vários eventos que ocupam o centro histórico, ao longo do ano, é preciso definir uma linha e começar a tratar separadamente a cultura e o entretenimento?
São duas linhas completamente distintas. Cultura é uma coisa, entretenimento é outra, e muitas vezes as duas cruzam-se, o que não tem mal nenhum. Cada um de nós leva as suas vidas e nem toda a gente tem de, após oito horas de trabalho, ir sofrer a ver um filme. É bom que de vez em quando possa ir ver um filme que é também cultura mas possa entreter e dar forças. À partida, [LER_MAIS] são sempre coisas diferentes. O que é programação de entretenimento tem uma linha curatorial e programática, o que é cultura tem outra, e essa outra, em cada uma delas, ramifica-se em muitas outras. Muitas delas podem cruzar- se. No Festival, não usamos tanto o termo entretenimento, usamos mais o termo celebração. E tem sempre a ver com uma certa folia, com um certo momento prazeroso. Mas é importante definir bem o que é um projecto só de entretenimento e o que é um projecto de cariz cultural e social. São coisas que à partida são distintas. Têm objectivos diferentes.
Além do castelo, dos museus, dos teatros, há agora espaços, como o antigo edifício da EDP, a antiga loja Zara, a Villa Portela, entre outros, que podem vir a ser ocupados, temporariamente ou em permanência, por actividades relacionadas com as artes. Aumenta a exigência para quem pensa e programa a cultura em Leiria?
Tem de aumentar, obrigatoriamente. Tem de haver uma direcção, um projecto, uma visão, tem de haver uma estratégia, uma política cultural, uma noção de investimento. Se estamos a trabalhar com formação de públicos, eles vão-se tornando mais exigentes. É normal que quem pro- grama tenha de ser também mais exigente e cada vez mais atento à relação entre público, necessidade, demanda e oferta. Temos de caminhar cada vez mais para uma programação cuidada, em consonância com o espaço, com a cidade, com o País, mas também com o mundo. Cabe ao programador lançar desafios a si e ao público. Só assim vamos apelando à curiosidade. Quero crer que, como os termos cultura e arte são cada vez mais centrais na cidade de Leiria, vão sempre criar mais exigência em ambas as partes: público e programadores. E vais percebendo as necessidades. Será que Leiria precisa de mais um auditório ou precisa de criar estratégias diferentes para continuar a encher os auditórios que tem? Será que precisa de mais ocupação em espaço público e requalificação do jardim ou rua A, B ou C? Tem a ver com opções, mas também com tomar uma visão e ter a capacidade de levá-la até ao fim. E testar. E errar. E errar cada vez melhor. A formação de públicos tem a ver com proporcionar uma série de experiências para que as pessoas tenham essas experiências e depois possam assimilar o que querem e o que acham que faz sentido. Isso pode ser transformador. Algo em que o Festival assenta, a educação pela arte. Há cada vez mais propósitos e desenvolvimentos nacionais de como a arte e a cultura podem desenvolver comunidades mais sensíveis. Através da arte e da cultura podemos tratar problemas como a exclusão social.
Construir uma comunidade que seja realmente uma comunidade.
Sim, esse é o papel, ultra-romântico mas bem possível, de trazer as pessoas juntas. Que tenham um sentimento de comunidade, de pertença, que se cuidem e que cuidem também do mundo. Para que possam imprimir na passagem pelo mundo um instrumento de mudança e melhoria. É este poder transformador que a arte e a cultura podem ter.
Os agentes da cultura em Leiria têm uma participação cívica e política reduzida?
Tem a ver também com a criação de espaços para que isso aconteça. E não estou a falar das redes sociais. Projecta-se que em Leiria a cultura seja nos próximos anos cada vez mais central, têm de ser criados mais espaços onde isso possa ser debatido, livremente. Juntar as pessoas. Mas sim, também nunca esquecer a capacidade de distinção entre o que é ideologia cultural e o que é ideologia política. A cultura não tem de servir uma política no sentido partidário, tem de servir uma política de estratégia de cultura. Na cultura não nos interessa a concorrência, interessa-nos um crescimento em conjunto e a criação de meios para que outras pessoas possam vir a viver. Dentro do IPL há vários cursos de cultura e arte, temos de arranjar estruturas para fixar estas pessoas cá. Na vertente empresarial e tecnológica, Leiria já faz isto bastante bem, gostaria de saber que Leiria poderá – por- que tem toda a capacidade, porque já deu para ver que há público, há espaços, há vontade – fazer cada vez mais, e melhor, o mesmo na cultura.