O bairrismo explica a energia do Festival A Porta?
Sem dúvida que há uma ligação afectiva muito forte, da minha parte, com Leiria, e de uma série de pessoas, com Leiria. Muitas estão cá, muitas não estão. O bairrismo, acima de tudo, tem a ver com uma relação positiva e de celebração. E aqui no Festival acho que se vê, em muitas pessoas, que têm orgulho na cidade, têm orgulho em pertencer ao movimento A, B ou C, e é bom quando certos projectos te fazem ter orgulho por pertenceres a esse sítio. Como nos movimentamos maioritariamente pelo centro histórico de Leiria, um centro histórico às vezes um pouco mais alargado, há um sentimento muito feliz de bairro. Se calhar, também pela programação que apresentamos e pelo espírito que tentamos incutir, há essa facilidade. Há esta ligação de pertença e de orgulho na pertença.
A identidade do Festival é coincidente com a identidade da cidade?
Ou quem visita Leiria durante o Festival, se regressar passados meses, conhece duas cidades diferentes? Acho que se apresentam duas cidades diferentes. É normal. Com características comuns, a nível de arquitectura, de património material, mas o património imaterial, obviamente, é bastante distinto. É diferente o espírito, é diferente a ocupação do território. O que nos propomos fazer é mostrar a potência da cidade. Acabamos por a transformar, não mudando completamente a dinâmica que ela nos seus 365 dias por ano possa vir a ter. E o que nós tentamos sempre também potenciar e proporcionar é que o Jardim da Vala Real está cá 365 dias por ano, o parque do avião, onde infelizmente este ano acabou por não acontecer nada devido a condições climatéricas, também está cá, o Jardim Luís de Camões também está, a rua direita está cá, a Praça Eça de Queiroz no Centro Cívico também, portanto, o que nós queremos fazer é: apropriem-se. E se têm vontades e sonhos trabalhem para os concretizar.
O que é que A Porta deixa às pessoas que habitam o concelho?
Se este projecto não tivesse consequências, se fosse meramente um fogo de artifício que passado dois ou três minutos acabasse, não teria a reciprocidade e a relação que tem com a comunidade. E a nossa vontade de continuar a fazer. Porque a exigência é muita, a dureza de montar um projecto como este também é muita, a generosidade, as horas, o choro. E o esforço também é gigante. Portanto, se não sentíssemos que realmente este projecto acaba por deixar consequências, ele não teria já cinco anos. Ele tenta deixar a vontade de dar capa- cidade à união das pessoas para a transformação de uma cidade. Ele permite que agora possamos estar aqui [Centro Cívico], em espaços como este, que maioritariamente era uma praça deserta. Há novas bandas que, se tudo correr bem, continuarão a dar concertos, há novas ideias, há aquele senhor a tirar fotografia a uma parede que foi pintada no ano passado, por- tanto, essas são consequências do legado, muitas vezes imaterial. Também tem a ver muito com memória, tem a ver com experiências, tem a ver com essa abertura de portas que, mais do que portas físicas, são portas do conhecimento. É bom quando sabemos que a criança que veio a uma visita guiada na Casa Plástica, na segunda-feira, com a escola, voltou no sábado com o pai e com a mãe porque queria voltar a ver. Isso é poder de transformação.
Terminada a quinta edição, que números há para apresentar aos principais apoios e patrocinadores?
Estes primeiros números são estimados, e têm a ver com a quantidade de público ao longo destes dez dias. Números mais reais têm a ver com a quantidade de artistas que trouxemos, a quantidade de actividades, de workshops, de colaborações, de concertos. Há também o número do impacto mediático, ou seja, a quantidade de notícias a que o Festival A Porta e a cidade de Leiria estiveram associados. A nível de público, estimamos acima de 16.500 pessoas ao longo dos dez dias. Tem vindo a crescer. Estimamos ter começado em 2014 com 2.000 a 2.500 [LER_MAIS] pessoas. Também em número de dias era muito menor. Este ano sem dúvida foi o ano em que mais projecção houve e em que mais meios de comunicação, mais e menos for- mais, acabaram por noticiar o Festival. Isso também nos deixa felizes, no sentido em que permite passar a mensagem para outros públicos e, quem sabe, despertar a curiosidade para vir à cidade ao longo do ano, e também para outros projectos de Leiria.
É um impacto que também se sente no comércio, na restauração, nos bares, no alojamento turístico?
Obviamente que há uma economia gerada pelo Festival que nos deixa extremamente felizes, porque essa é uma das premissas. É normal que os restaurantes estejam mais cheios, é normal que os hotéis e os hostel tenham uma ocupação maior, é normal que os produtos regionais sejam mais vendidos, que as lembranças sejam compradas. Portanto, há um impacto económico que achamos que é bastante grande.
Faz falta medir esse efeito na economia local?
Gostaríamos muito. Acreditamos que não há retorno sem investimento. Neste momento, temos um retorno mediático bastante grande, temos um retorno financeiro para a cidade e para a região também bastante grande e temos um retorno ainda muito maior para nós, que é o que nos alimenta, que é essa consequência que fica, a nível educacional, a nível de cultura, a nível de património imaterial, de crítica, de reflexão e de vontade de continuar e de lançar novos projectos.
Quem é que paga a maior fatia das despesas?
É a Câmara? A Câmara Municipal de Leiria é o nosso parceiro institucional e é a entidade que tem um contributo maior a nível financeiro.
Não há o risco de subjugar o Festival ao interesse político?
As políticas culturais são uma coisa, as políticas e ideologias partidárias são outra. Há um orçamento de Estado para a cultura. Nós trabalhamos com uma Câmara que tem sido facilitadora de alguns dos projectos que desenvolvemos, nomeadamente este, e que tem a capacidade financeira para o fazer, tal como faz com uma série de outras actividades e associações e programação própria. O que trabalhamos são conteúdos programáticos que servem um bem maior, que é transversal. Volto a enfatizar que a maior parte dos projectos culturais têm uma parte de apoio governamental. Portanto, somos sempre apologistas de uma reciprocidade: nós não conseguimos existir sem o apoio da Câmara Municipal nem sem o apoio de outros patrocinadores, privados, fundações e também de mui- tos voluntários, muitos artistas, muitos formadores, que dão muito de si para isto acontecer.
Sentem que está na hora de a Câmara assumir uma aposta mais séria na dimensão do Festival?
Gostaríamos que sim, porque faz-nos sentido que cada vez sejam melhores as condições dadas para uma equipa – e quando falo de equipa não falo só da equipa que organiza, essa equipa tem a ver com todo o público que vem, tem a ver com todos os artistas, com uma série de sonhos que queremos concretizar. Se estamos a caminhar para uma capital da cultura 2027, se estamos numa cidade onde a cultura, a reflexão, a crítica, é cada vez mais notória, e um foco mais central, também, no desenvolvimento das cidades inteligentes, isto a nível mundial, cada vez mais a cultura tem vindo a ser um foco central no desenvolvimento de estratégias de cidades, vilas, programas educativos, escolas, por aí fora, portanto, tem de haver esse comprometimento cada vez maior. Nesse sentido, achamos sem dúvida que a Câmara de Leiria deve continuar a tecer cada vez mais e melhores caminhos para conseguir ir profissionalizando uma série de associações, uma série de agentes individuais, de companhias de teatro, de música, de dança, para que consigam subsistir com brio no desenvolvimento de cada um dos seus projectos.
Mas cabe ao Município garantir as condições de profissionalismo dos programadores culturais da cidade?
Não cabe ao Município fazer isso, cabe muito também à educação de cada um, à vontade de cada um e ao trajecto que cada um vai fazendo. Obviamente, como o ser humano é um ser gregário, não estamos cá sozinhos, vivemos numa cidade, vivemos numa comunidade, portanto é bom quando há outras pessoas que possam ser adjuvantes na criação desse percurso. Na minha óptica pessoal, cabe muitas vezes a essas entidades, que têm a capacidade mais fácil de transformar, criar as oportunidades para capitalizar e fixar toda uma geração que é bastante transversal a nível educacional e que vai desde a informática até à cultura.
O vosso modelo de financiamento não depende de receitas de bilheteira. É para manter?
Ele vai-se transformando. Devagar, ao longo dos anos, temos tido algumas portas reais, que realmente têm de se pagar para usufruir. As pessoas têm de se habituar a pagar pela arte e pela cultura e pela profissionalização dos artistas que estão a trabalhar para apresentar este projecto. Uma vez que na génese do Festival está maioritariamente a utilização do espaço público, e como para já não nos interessa vedar o espaço público, o fundamental para o desenvolvimento deste Festival tem muito a ver com o acesso livre e com uma captação de fundos a nível de patrocinadores privados, pessoas que nos apoiam, outros possíveis apoios governamentais e, sem dúvida, a Câmara Municipal de Leiria,como um parceiro essencial.
É difícil para vós aumentar a visibilidade dos patrocinadores sem comprometer o espírito do Festival?
Há um jogo, há uma dança que é feita, com uma série de patrocinadores,e também tem a ver muito com o patamar em que o patrocinador está, que lhe permite, no âmbito do Festival, ter a visibilidade A, B ou C. Temos a perfeita noção que da parte deles a visibilidade é sempre necessária, nós trabalhamos em sintonia, e damos todo o apoio, para que consigamos fazer de uma maneira mais criativa do que a mera colocação de uma lona. Não estou a dizer que é bom ou mau,mas para que muitas vezes esses projectos de activação e visibilidade possam ser mais conteúdos programáticos do que apenas a colocação de um logótipo. Como incidimos em espaços onde há bastante verde ou há bastante construção arquitectónica, queremos sempre salvaguardar que a cidade respire e que não seja uma enchente de marcas. Mas é normal. Alguns patrocínios têm de crescer,porque nós também precisamos que assim aconteça. Felizmente, muitas pessoas com quem trabalhamos entendem a filosofia do Festival,entendem qual é a mensagem e o público, e conseguimos sempre criativamente encontrar forma de todos ficarem satisfeitos.
Volvidas cinco edições, ainda sentem que vão pedir esmola quando começam a preparar o próximo orçamento?
Há que admitir que algumas entidades ainda nos fazem sentir nesse papel. É engraçado que Leiria tem uma capacidade económica bastante razoável, digamos, para o País. Muitas vezes tem a ver com a falta de conhecimento de quanto é que custa edificar um projecto como este. Todas as pessoas que trabalham neste Festival não recebem como deviam receber.
A riqueza que existe na região pressupunha que fosse mais fácil montar um Festival deste género?
Muitas vezes tem a ver com falta de capacidade da nossa parte, nós não trabalhamos nisso o ano todo. As empresas da região ainda não estão despertas para a cultura?Algumas estão. Têm vindo a estar. Mas é isso, também temos de admitir que tem a ver com incapacidade da nossa parte de chegar a todas as empresas a que é possível. Fizemos uma série de emails para uma série de empresas, a pedir o agendamento de uma reunião, e realmente o número de respostas que tivemos foi muito reduzido.
A concorrência de outros festivais, que são cada vez mais, mesmo no distrito, coloca pressão sobre A Porta, tanto a nível comercial como na construção do cartaz?
Não temos a perfeita noção de quem vai aonde e quais são os orçamentos. A nível de construção do cartaz, também até agora isso não aconteceu. Todos estes projectos têm linhas específicas e, acima de tudo, ficamos super felizes que haja esses projectos a acontecer e esperamos que todos tenham cada vez mais e melhores capacidades para cimentar os projectos nos seus espaços, nas suas cidades, e que realmente causem consequência no público. O facto de estarem vários festivais aqui à volta para nós ainda não foi impeditivo de ter a banda X ou o workshop Y ou o artista plástico H.