Assumiu recentemente a liderança do Núcleo do Ribatejo e da Estremadura da associação ambientalista Quercus. O que o levou a aceitar este desafio?
O desafio surgiu num momento em que decidi regressar às origens [Alqueidão da Serra] depois de vários anos fora. Já estava ligado à Quercus, por influência do actual presidente da Direcção Nacional, que foi vereador na Câmara de Grândola, onde trabalhei 11 anos. Não tinha como recusar o desafio de poder contribuir para a defesa das causas ambientais desta região.
Quais as questões ambientais da região que mais o preocupam?
Uma delas é o Pinhal de Leiria que, já antes de 2017, estava a precisar de grandes cuidados ao nível do ordenamento e da defesa contra incêndios. O que aconteceu há dois anos veio confirmar essa necessidade. O Pinhal de Leiria é – ou era -, um monumento. Sempre foi acarinhado pela população, talvez mais do que pelo Estado. A sua reflorestação e o modo como vai ser feita é uma grande preocupação. Outra questão que me preocupa, talvez por defeito profissional, é o ruído.
Ainda não há muito a percepção de que ruído é um problema ambiental.
É verdade, mas a situação está a alterar-se. Muitas das queixas que a Quercus recebe são por questões relacionadas com o ruído. Começa a haver a percepção de que o ruído tem impactos grandes na vida das pessoas. Há estudos que apontam para problemas de saúde gravíssimos originados pelo ruído, que tem influência directa na capacidade de trabalho e na qualidade do descanso de que todos precisamos para restaurar forças. As nossas cidades têm já níveis de ruído muito preocupantes, sobretudo, devido ao tráfego automóvel, que é uma das maiores fontes de ruído.
A aposta nos transportes públicos, de forma a retirar carros das cidades, é um dos caminhos a seguir?
Sem dúvida, mas antes disso há outra área que necessita de acção do Governo. O Regulamento Geral do Ruído, em vigor desde 2007, prevê, entre outras medidas, a criação de mapas municipais de ruído. Este é primeiro passo a dar. No âmbito dos meus estudos, fiz um levantamento a nível nacional, segundo o qual, só 45% dos municípios portugueses têm mapas de ruído aprovados e, destes, cerca de 90% [LER_MAIS] têm cinco ou mais anos. É necessário avançar com uma segunda fase, com a aprovação dos que estão em falta e com a revisão dos existentes. Só assim se poderá fazer um verdadeiro diagnóstico dos problemas. Há em Portugal um grande desconhecimento do problema do ruído.
Falou da preocupação com o Pinhal de Leiria. Quase dois anos após o incêndio, que avaliação faz do trabalho já efectuado? Era possível fazer mais?
O grosso do trabalho tem-se centrado na retirada da madeira queimada e, quero acreditar, no planeamento. Em termos de reflorestação, ainda pouco foi feito. Dois anos depois, já é tempo de se ver mais trabalho no terreno. É fundamental que o plano de reflorestação seja colocado em consulta pública e alvo de uma participação e discussão amplas, não só a nível local como nacional.
Após a tragédia de Pedrógão Grande criou-se a expectativa de que “nada seria como antes” no que respeita ao ordenamento florestal. Essas expectativas estão a ser cumpridas?
No rescaldo da tragédia, criou-se vária legislação, como o decreto-lei que determina a obrigatoriedade de limpeza de terrenos junto às habitações, com a criação de áreas de salvaguarda aos aglomerados, que tem de ser melhorada. A Lei trouxe benefícios. Vêem-se hoje acções de desmandamento como não havia no passado recente, mas também se caiu em alguns extremos. Por exemplo, segundo a legislação, as copas das árvores, nas faixas de protecção, têm de estar afastadas quatro metros. Mas há especialistas que defendem que, como passa mais luz, os matos crescem mais rapidamente. Em nome da prevenção, cortaram-se árvores a torto e a direito e não é isso que se pretende. O objectivo é que as zonas de salvaguarda aos aglomerados urbanos funcionem bem, sem cair em fundamentalismos. A Lei foi feita num período traumático, que exigia que se agisse, mas precisa de um novo olhar, um olhar mais sereno e mais a longo prazo, para que as acções que decorram da sua aplicação sejam feitas com peso, conta e medida.
Os carros eléctricos são hoje apontados como uma opção de futuro. Mas não há eléctricos sem baterias nem baterias sem lítio, cuja exploração tem impactos ambientais. É possível conciliar os diferentes interesses?
Tem de ser possível. A Quercus não é contra a exploração de lítio, mas sim contra a sua massificação e a falta de regras. Existe hoje uma corrida ao lítio, por uma indústria muito impactante nos valores naturais e nos recursos hídricos. É necessário olhar para esta questão com razoabilidade, o que não está a acontecer. Quando temos 50 pedidos de prospecção de lítio, incluindo em locais que não estão identificados no relatório produzido pelo Grupo de Trabalho do Lítio, percebe-se que algo de errado se passa. O lítio está a ser usado para lavar a imagem da indústria, que alega que se trata de uma exploração que visa promover a mobilidade sustentável. É preciso trazer razoabilidade ao processo. Há zonas onde não aceitamos, de todo, a exploração de lítio, como é a zona do Barroso [Trás-os-Montes], que tem um património agrícola reconhecido pela Unesco, com valores ambientais ímpares e sinergias entre a natureza e a actividade humana com benefícios mútuos. Em zonas onde não haja impactos para o ambiente nem para as populações, à partida, não nos opomos à exploração. Não ignoramos que também precisamos do lítio.
Na região de Leiria não há pedidos para a exploração de lítio, mas estão em vigor dois contratos de concessão para a prospecção de gás natural, um em Aljubarrota (Alcobaça) e outro na Bajouca (Leiria). Como tem acompanhado este processo?
Tenho andado muito absorvido pela questão de lítio e necessito de conhecer mais a fundo o processo da prospecção de gás. O método de fracking, o mais impactante, não será utilizado, mas isso não afasta as nossas preocupações, nomeadamente sobre as repercussões nos lençois freáticos. A questão da água é cada vez mais fulcral e não podemos, em nome de alegados benefícios económicos, comprometer um bem essencial. É preciso também perceber os impactos que a prospecção tem à superfície, nomeadamente na qualidade de vida das pessoas, nos ecossistemas e na biodiversidade.
A Câmara de Leiria ainda não tomou uma posição definitiva em relação ao processo de prospecção na Bajouca, alegando que só o fará após a conclusão do estudo de impacto ambiental. É uma posição que revela prudência ou falta de coragem?
Parece-me uma posição prudente. Isto não quer dizer que os municípios que, mesmo sem avaliação de impacto ambiental, já se manifestaram frontalmente contra não sejam também prudentes. Marcaram uma posição, defendendo que não pretendem ter este tipo de indústria nos seus concelhos, seja pelos potenciais impactos ambientais seja por outro motivo qualquer.
É preciso ter cuidado com a prospecção de minerais, pelos impactos ambientais que acarretam. Que recursos deve, então, o País explorar?
Continuar a apostar nas energias renováveis. Um dos sectores que tem uma grande margem de crescimento é o solar, nomeadamente, através da micro-produção, não só para consumo doméstico, tornando as casas auto-suficientes, mas também para injecção na rede. Mais do que apostar em grandes centrais, é fundamental incrementar a micro-produção. Se conseguíssemos ter 25% das casas auto-sustentáveis, isso iria retirar carga à rede. Claro que teria impacto em alguns sectores empresariais, o que pode justificar a inércia em avançar por este caminho.
Uma das primeiras intervenções que fez como presidente do núcleo de Ourém da Quercus incidiu sobre as pedreiras, com o levantamento de algumas das situações mais problemáticas. Que retrato fez?
O retrato não é favorável. O PNSAC [Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros] tem zonas intensamente exploradas. O levantamento das pedreiras em situação de risco da Direcção-Geral de Energia e Geologia foi feito por amostragem, pelo que tem algumas lacunas. Nas zonas de Ataíja de Cima e Moleanos, em Alcobaça, e de Fátima, houve situações que não foram devidamente identificadas e que carecem de ser rapidamente acudidas. Há zonas de salvaguarda que não estão a ser respeitadas. Em pedreiras próximas de áreas residenciais há problemas relacionados com ruído e vibrações, resultantes não só da exploração, mas também do trânsito de camiões, que não foram devidamente avaliados aquando do licenciamento.
E em relação ao cumprimento dos planos de recuperação paisagística?
Em muitos casos, os planos não são cumpridos, sobretudo nas pedreiras que estão mais fora do alcance da vista das pessoas. Este tipo de planos tem de estar mais à disposição das pessoas para consulta, de forma a que os cidadãos sejam mais exigentes em relação à recuperação das áreas exploradas. As autarquias também têm de assumir mais um papel de fiscal. Mesmo que não seja da sua responsabilidade, os municípios não podem deixar de exigir que as empresas façam a recuperação das crateras que abriram nos territórios.
O Programa da Orla Costeira (POC) de Alcobaça-Cabo Espichel prevê a demolição de quase 90 casas nas praias de Água de Madeiros e Vale Furado. A relocalização de povoações de zonas costeiras de risco é uma medida inevitável?
Não conheço ao pormenor este POC, mas é evidente que temos de começar a fazer trabalho na defesa efectiva da orla costeira e das pessoas que aí se instalaram, às vezes, sem perceberem que se tratavam de zonas de risco. Talvez na altura não estivessem em risco, mas, agora, com as alterações climáticas e a subida do nível médio do mar e consequente intensificação da erosão costeira, percebe- se que havia zonas que deveriam ter sido resguardadas e não o foram. Temos de nos prepara para as alterações climáticas, que são cada vez mais evidentes. Já não há como negar. A subida do nível do mar vai intensificar a erosão costeira e é preciso agir.