A Escola Superior de Educação e Ciências Sociais de Leiria foi pioneira e lançou este ano o mestrado em Prescrição do Exercício e Promoção da Saúde. Como foi a adesão?
Para lá das nossas melhores expectativas. Quando iniciámos a ideia deste ciclo de estudos achámos que ia ser inovador, que ia ser também diferenciador e nessa perspectiva estávamos muito confiantes de qual seria o resultado que a agência que acredita os cursos iria dar e a verdade é que deu a acreditação máxima. No entanto, o registo pela Direcção Geral do Ensino Superior e a publicação em Diário da República atrasaram bastante o processo. Acabámos por lançar o curso cá para fora quando já só faltavam três semanas para terminar a segunda fase de candidaturas aos mestrados do Politécnico de Leiria. Ficámos naquela: avançamos nestas três semanas ou esperamos pelo próximo ano lectivo? Só que havia uma grande vontade e decidimos arriscar. Em três semanas, tínhamos 25 vagas, tivemos 28 candidatos. Deixou-nos a todos orgulhosos.
Que tipo de pessoas se inscreveram?
Foram basicamente da área das Ciências do Desporto e apanhámos alguns candidatos da área da Fisioterapia. Curiosamente, com uma faixa etária muito ampla. Cada vez mais acontece o recém-licenciado seguir imediatamente os estudos. Estávamos à espera que esses surgissem, mas também apanhámos pessoas que são professores de Educação Física há 25 anos. Gente com muita experiência e que decidiu experimentar por lhes parecer ser um ciclo de estudos diferenciador e que pode trazer mais knowhow. Muitos deles estão ligados ao exercício físico em contexto de ginásio e, estamos em crer, vão ter uma visão um bocadinho diferente do que é trabalhar com uma pessoa que não é 100% saudável, que não tem a disponibilidade nem vontade de ir ao ginásio e que terão de ser eles a incutir-lhe essas mudanças comportamentais.
Exercício como meio para a saúde
É na próxima segunda-feira que Pedro Morouço toma posse oficialmente como coordenador do curso de Prescrição do Exercício e Promoção da Saúde da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Politécnico de Leiria. A inovação deste projecto vem em linha com todo o percurso académico do docente, que admite ser, desde sempre, um “apaixonado pela área da saúde”. De tal forma que este doutorado em Ciências do Desporto, até quando apostou em certificações internacionais na área de personal training e condição física, sentiu sempre um interesse primordial pelas questões da carga e da relativização ao sujeito, catapultado quando trabalhou como investigador para o CDRsp. “As publicações que tenho nos meus três ou quatro anos pouco têm que ver com rendimento”, sublinha. Neste momento frequenta uma formação internacional de especialista em exercício clínico. Nesta área é fisiologista de exercício no projecto piloto lançado na Unidade de Saúde Familiar Santiago, nos Marrazes, e representante português no projecto EUPAP (European Physical Activity on Prescription).
Quais são as linhas mestras deste mestrado?
Não vai focar rendimento desportivo, não vai explicar como os atletas melhoram cinco segundos, não vai dar os segredos de como se ficar esbelto ou forte. O assunto será sempre o treino focado na saúde. Tenta fazê-lo de uma forma diferenciadora. Não é aquele ensino expositivo. Trazemos docentes de várias áreas clínicas: cardiologista, medicina desportiva, fisioterapia, nutrição, psicologia, imunologia. Com o recursos às tecnologias acreditamos que os aluno sairão preparados para compreender o funcionamento do corpo humano e como esse corpo humano vai responder ao exercício físico. Como um treinador precisa de um cronómetro e um apito, um profissional de exercício físico a determinada patologia precisa de algum tipo de medidor de biosinais. E se antes era dispendioso, hoje há ferramentas com uma excelente resposta e ajudam ao aconselhamento.
Num país em que dois terços da população não faz qualquer tipo de actividade física, com tudo o que isso implica para a saúde, acredita que este curso vem responder à lacuna?
Aqueles dois terços da população que nada fazem vão mesmo ter de come çar a fazer alguma coisa. Qualquer pessoa deve aconselhar a prática de exercício físico. Costumo dizer que se é o padre que as pessoas ouvem, que seja o padre a desencadear esse estilo de vida. Fazer com que as pessoas saiam do sofá, que optem pelas escadas em detrimento do elevador ou que estacionem o carro mais longe. São questões comportamentais que toda a gente devia falar e [LER_MAIS] este modelo, que é sueco, assenta muito nessa perspectiva de que os nossos cuidados de saúde sejam capazes de dar esse tipo de aconselhamento breve. É um modelo de guidelines, em que há uma prescrição de actividade física. Estamos inseridos num projecto europeu e a Direcção-Geral de Saúde decidiu que seria eu o representante nacional na área do exercício físico.
Que tipo de projecto é esse?
Pretende conseguir ajudar profissionais a orientar o exercício, uma actividade física que é criada com um determinado conjunto de regras e princípios de forma a que se torne sistemática e que vá ser constantemente avaliada, prescrita e monitorizada. Porque muitos daqueles dois terços que nada fazem também não sabem o que fazer, nem todo o tipo de exercício físico faz bem da mesma forma a toda a gente. Por isso, tendo em conta determinado tipo de patologia, a resposta dada deve ser distinta.
O mestrado vem na linha do trabalho que tem feito na Unidade de Saúde Familiar Santiago, nos Marrazes, onde são realizadas consultas de prescrição de exercício físico.
Sim. Começámos em Abril, há seis meses. O projecto teve arranque no País há um ano e fomos a primeira USF a entrar em acção. Somos considerados um modelo e estamos a servir de exemplo às outras, até para perceber o que não está a correr bem, nomeadamente com as ferramentas de software. É a primeira vez que foi criada a figura do fisiologista do exercício no software clínico dos médicos. E é com o médico com especialidade em medicina desportiva que discutimos, imenso, todos os casos, porque cada caso é um caso. Como tem corrido? Acima das expectativas. Com resultados melhores do que imaginávamos com coisas que temíamos que fossem difíceis de implementar. Ontem, ao final do dia, já estava cansado, depois de passar a manhã a dar aulas e a tarde a dar consultas, quando chegou o último utente. Mas ele vinha com um sorriso na cara. Além de questões mais fáceis de analisar, com o facto de ter perdido massa corporal, seis quilos e oito centímetros de cintura, ele estava a rir-se precisamente porque me ia dizer que ia ter um casamento e o fato lhe estava folgado. Isto motiva-nos, até porque o que mais nos interessa é que esta pessoa diabética conseguiu baixar, e de que maneira, os índice glicémicos. Estávamos a falar que funcionou muito bem, porque não foi obrigado a nada, ninguém lhe apontou uma pistola a dizer que cinco vezes por semana tinha de fazer isto e aquilo, mas foi mesmo esta mudança de estilo de vida inicial e deu-se o clique. Começou com duas vezes por semana, depois três, depois quatro, e hoje já faz cinco vezes por semana actividade física regular. Claro que quando temos este retorno ficamos bastante satisfeitos.
Há quem resista à mudança?
Há, claro. Sejamos realistas, nem toda as pessoas respondem da maneira ideal. Nesta perspectiva da consulta de actividade física foi decidido que íamos começar com pessoas com diabetes ou que tenham depressão. São patologias distintas. As pessoas com depressão têm de facto essa barreira difícil de quebrar. Querem estar sozinhas, isoladas, já não encontram a razão de viver. Chamo-lhes verdadeiros desafios: uns demoram mais, outros demoram menos, o nosso papel é não desistir.
E sentem que vale a pena?
O exercício físico tem efeitos tremendos ao nível da depressão e está claramente quantificado em quanto as pessoas podem reduzir medicação com esta prática. Tenho uma senhora, por exemplo, que desde que começou a fazer prática regular nunca mais precisou de tomar o SOS, nunca mais teve a necessidade de tomar o comprimido para os ataques de ansiedade.
Naturalmente, o tipo de exercício físico para diabéticos será completamente diferente de alguém com depressão.
Já é difícil prescrever exercício tendo em consideração que cada sujeito é único e tem a sua especificidade, mais ainda quando é hipertenso, tem diabetes, ou porque teve um acidente isquémico transitório. Há uma série de questões inerentes e muito conhecimento que é preciso ter das diferentes patologias, sejam reumáticas, neuronais, metabólicas ou cardíacas. No mestrado, por exemplo, vão ter formação para perceber que o exercício físico de um diabético não é igual ao de outro diabético. Tentamos dar a entender que as guidelines que existem dão luzes, mas tem de ser o nosso trabalho a perceber o que deverá ser aconselhado naquele momento, para aquele sujeito, que tem determinada massa corporal, patologia e resposta cardíaca. O processo é construído em torno da pessoa e dificilmente haverá duas pessoas com a mesma orientação.
E como encaram este desafio no dia-a-dia?
Pegando no exemplo dos diabéticos, é primeiro quebrar a barreira do sofá e dos enchidos. Nos depressivos é o isolamento e o não querer fazer. Enquanto não criarmos uma forma de ultrapassar a barreira seria utópico colocarmos no ginásio a treinar quatro vezes por semana, porque provavelmente rapidamente desistiriam e não queremos isso. Queremos que se torne numa prática para a vida toda e não apenas enquanto for acompanhado. Na fase inicial temos de motivá-los com a actividade do dia-a-dia, em que os chateio – e de que maneira – para utilizarem as escadas e não o elevador, por exemplo. Nem que comecem por fazer metade de escadas e metade de elevador. Depois vão deixar o carro mais longe do emprego, se andam de autocarro saem uma paragem antes e começa assim. Até chegar a um ponto em que são as pessoas que querem mais. Caminhadas, as máquinas de ar livre, outros exercícios relativamente simples em panfletos. Chegam a um nível e podemos encaminhá-los para o programa Viver Activo, da Câmara Municipal de Leiria, ou para o Centro de Marcha e Corrida, da Juventude Vidigalense.
E é possível a estes alunos de mestrado encontrarem colocação no mercado de trabalho?
As profissões do futuro não sabemos bem quais são, porque elas têm de ser criadas e só se forem necessárias é que resistem. Acredito que sim. Estou na USF Santiago e se se perceber que o elemento faz falta, então estou a criar a necessidade desta profissão existir. Nos ginásios acredito que se vai passar pela mesma coisa e todos vão precisar, até porque não estou a inventar a pólvora. Já acontece no estrangeiro com regularidade. A pessoa chega ao ginásio e a avaliação que faz é muito mais centrada nos aspectos clínicos que limitam o exercício físico. Estou em crer que haverá nos ginásios um profissional que se dedica a isso e que fará a individualização da carga, que pode não querer que a pessoa ultrapasse x batimentos por segundo ou que não possa fazer a aula de zumba com as colegas. Acredito que até ao final da primeira edição do mestrado pode acontecer, até porque já está a ser discutida a criação da profissão do fisiologista do exercício.