A Câmara de Ourém acaba de anunciar que já não vai cobrar taxa turística à hotelaria de Fátima. Como vê esta decisão?
Foi com satisfação que a Aciso recebeu a notícia. Consideramos que a decisão de deixar cair a taxa turística é uma decisão sensata e oportuna. Consideramos que o mercado turístico em Fátima é muito sazonal e, em consequência, tem uma excessiva oferta hoteleira durante toda a época baixa, o que leva a que se pratiquem preços baixos e a que se tenham baixas taxas de rentabilidade. Naturalmente que, assim sendo, tudo o que onere o preço final é significativo. De salientar que estamos a falar de um concelho que, segundo os dados do RNT, tem 9329 camas, 78% das quais são em hotéis e as restantes em Alojamento Local.
A hotelaria não teria condições de suportar uma taxa destas sem a repercutir no preço final?
Claramente que não. O preço médio praticado em Fátima é muito baixo e a taxa de rentabilidade também é muito baixa. Por outro lado a taxa turística não é, por definição, uma taxa ao hoteleiro mas sim ao turista. O sector da hotelaria já é demasiado onerado com um conjunto imenso de exigências legais. Ao consumidor o que interessa é saber o preço final, é saber quanto vai pagar pelo alojamento com taxas e com todos os custos inerentes. É este o preço que o consumidor compara com o preço do hotel vizinho para tomar a sua decisão. É fácil continuar a viagem e decidir pernoitar no próximo destino. Sabemos que nos tempos actuais existe uma forte sensibilidade ao factor preço, facilitada pelo acesso fácil e rápido à informação.
Qual o preço médio da estadia em Fátima?
Os últimos dados indicam que anda à volta dos 40 euros, um valor bastante baixo para suportar estruturas que estão em funcionamento todos os dias do ano. Há custos fixos permanentes.
Que factores contribuem para o sucesso de Fátima, onde todos os anos se deslocam mais de seis milhões de pessoas?
A vivência da espiritualidade é uma das fortes motivações da deslocação. As pessoas sentem tranquilidade e paz de espírito quando visitam Fátima. Nos dias de hoje, em virtude do stress acrescido e da falta de tempo para parar, a deslocação para destinos que permitam às pessoas o encontro consigo próprias está em crescendo. É uma tendência da procura.
Fátima é o ‘Altar do Mundo’, como a Igreja costuma dizer, mas também um enorme centro de negócio…
Qualquer local que seja um destino turístico deve ter respostas para as necessidades das pessoas que o procuram. Em Fátima há o problema de a procura não ser constante ao longo do ano, que estamos a tentar combater com projectos para trazer pessoas em épocas em que os fluxos são menores.
Que tipo de projectos?
A Aciso tem sempre desenvolvido projectos em parceria com outras entidades, para que tenham dimensão. Ao nível da promoção da marca e de Fátima como destino turístico temos tido o envolvimento de um grande número de entidades, desde o Turismo de Portugal e do Turismo do Centro às Agências Regionais de Promoção Turística, passando também pelo Município de Ourém, que tem sido um parceiro importante, pela TAP e pela Bolsa de Turismo de Lisboa. O objectivo é que o investimento que é feito no sentido de trazer operadores a visitar a região lhes permita ficar com um conhecimento mais vasto, e possam contribuir para trazer pessoas em alturas fora das grandes peregrinações e que estas possam ficar mais noites. A gastronomia, os monumentos, a cultura, estão cá durante o ano inteiro.
A vinda do Papa Francisco, em 2017, colocou Fátima ‘nas bocas do mundo’. Dois anos depois, notam-se efeitos palpáveis dessa exposição mediática?
Foi um ano sem comparação. O ano do Centenário das Aparições de Fátima, divulgado internacionalmente, teria de ser excepcional, devido à vinda do Papa Francisco e ao carinho que os católicos lhe votam. Foi um ano excepcional e irrepetível a todos os níveis. De qualquer formas, as estatísticas que já saíram de 2019 revelam que, relativamente a 2016, há uma evolução em crescendo.
Ourém acaba por ficar um pouco na sombra de Fátima, face à atractividade desta…
Fátima é Ourém. Depende da interpretação que se faça desta questão. O concelho tem o privilégio de ter Fátima no seu seio. De que forma se tira mais ou menos partido da marca Fátima é também uma questão política e daquilo que é o entendimento dos agentes locais.
Durante muitos anos houve uma indústria local forte de produção de artigos religiosos, mas hoje muitos dos que são vendidos como recordação de Fátima são fabricados na China…
Continua a haver fabricantes e um sem número de artigos fabricados em Fátima. No comércio local existem também produtos vindos de fora. O mercado é aberto e o factor preço tem um peso muito significativo. Mas existe uma indústria forte de artigos religiosos em Fátima. No final de 2016 a Aciso desenvolveu com a indústria de artigos religiosos, e em parceria com o Santuário e com a Casa da Moeda, o Terço do Centenário, que foi um sucesso em termos de vendas e que continua no mercado. Foi um projecto de apoio à indústria local de artigos religiosos. Estamos a tentar desenvolver um outro, dentro da mesma tipologia, mas para já não posso revelar mais. A indústria de artigos religiosos continua viva e com produção local. Claro que sofre, como todas as que concorrem pelo preço, com a concorrência de produtos vindos da China e de outros países onde a mão-de-obra é significativamente mais barata. E por isso provavelmente não tem crescido tanto como poderia crescer.
Que objectivos tem para o seu mandato?
Não tenho o objectivo de fazer rupturas com o caminho que vem sendo traçado pelas anteriores direcções, porque tem sido o caminho certo. A Aciso tem tido uma intervenção muito forte ao nível da internacionalização. Recentemente, por exemplo, esteve uma pessoa na Índia, em três cidades diferentes, a fazer workshops com operadores locais, para promover Fátima. Noutra acção, recebemos cá jornalistas brasileiros que visitaram toda a região. Este ano já desenvolvemos 27 acções de internacionalização, é um trabalho muito intenso que tem sido feito. Só com persistência e continuidade é que as coisas têm impacto. A nossa aposta vai ser, por isso, dar continuidade ao grande esforço que tem sido feito ao nível da internacionalização, para que o efeito seja significativo a médio/longo prazo e para que o concelho de Ourém e toda a região possam tirar fruto do esforço que um sem número de entidades tem desenvolvido em parceria com a Aciso.
Um dos projectos com grande reconhecimento são os workshops internacionais de turismo religioso…
São o maior evento de turismo religioso que conhecemos. Trazem à região à volta de 150 operadores, de mais de 40 países. A dimensão é muito significativa, o evento é procurado internacionalmente. Seria um erro estratégico não lhe dar continuidade. Exige um investimento muito significativo, porque esses 150 operadores vêm com todos os custos suportados, pelo que só é possível devido a um sem número de apoios de várias entidades que conseguimos envolver nesse evento e com cujo apoio temos esperança de continuar a contar. Nas duas últimas edições foi incluído o turismo de herança judaica, o que alarga o território e rentabiliza o investimento feito com a vinda desses operadores.
Qual o investimento necessário para os workshops internacionais?
É difícil quantificar, porque um sem número de custos são suportados por diversas entidades, há um enorme envolvimento da região. Por exemplo, o grande jantar do evento é assumido pelo Turismo Centro de Portugal.
Perfil
Primeira mulher à frente da Aciso
Purificação Reis é a primeira mulher a presidir à Aciso. A nova presidente e directora-executiva da Associação Empresarial Ourém-Fátima já tinha sido vice-presidente desta associação entre 2011 e 2013, e também desemprenhou funções como directora executiva. Purificação Reis é sócia de uma empresa familiar de artigos religosos, ajudou a construir o projecto do hotel Anjo de Portugal, foi directora executiva e presidente da direcção da Escola Profissional de Ourém (1998-2008) e presidente do Conselho de Administração da Verourém (2008-2009).