Não terão morrido todos na mesma altura, nem têm todos a mesma idade, mas 15 golfinhos foram detectados entre as praias de São Pedro de Moel, na Marinha Grande, e de Lavos, na Figueira da Foz, entre os dias 20 e 25 de Novembro, durante uma acção de limpeza do grupo de voluntariado Brigada do Mar.
Só nas praias do distrito de Leiria foram encontrados dez destes mamíferos, “uns em estado de decomposição mais avançado e outros menos, o que demonstra que são mortes em tempos diferentes”, afirma Simão Acciaioli, um dos voluntários que coordenou a acção.
“Há uma cria pequena e outros golfinhos com tamanhos entre 1,60 e os dois metros. Estavam no areal, mas não significa que tenham morrido nesta zona. Dão à costa com as marés e ficam presos na areia. Com estas tempestades, se não forem recolhidos podem voltar a ser arrastados para o mar”, explica o voluntário.
Sem ser especialista, Simão Acciaioli aponta que as causas para estas mortes podem estar relacionadas com as “redes de pesca activas e fantasma” (perdidas no mar), “a desorientação de um animal e todo o grupo vai atrás ou um deles que se perde”. Independentemente das razões, Simão Acciaioli garante que estes “não podem ser números normais”.
“Um dos golfinhos tinha uma corda amarrada na cauda. Não sabemos se foi alguém que a amarrou ou se por acaso se prendeu”. Os voluntários contactaram o Centro de Recuperação de Animais Marinhos, que os recolheu e irá proceder às autópsias para identificar as causas da morte.
Entre os dias 20 e 25, a Brigada do Mar apanhou sete toneladas de lixo, numa extensão de cerca de 40 quilómetros de areal. “Não é normal a quantidade de lixo depositado na orla costeira. Isto é algo que não pode continuar e requer uma grande atitude de todos.” Das sete toneladas de resíduos de grandes dimensões recuperados das praias estão duas mil armadilhas para apanha de polvo, embalagens de plástico, redes de pesca, lixo urbano variado, como electromésticos, pneus, lâmpadas ou botijas de gás, e ainda centenas de caravelas portuguesas.
“O impacto de uma rede de pesca não é igual ao de um cotonete ou de uma beata de cigarro. Mais de 80% do lixo encontrado está relacionado com as actividades piscatórias desta região e de todo o mundo”, garante.
[LER_MAIS]Simão Acciaioli revela que são encontrados resíduos, como garrafas, boias ou embalagens, que pela tipologia e rotulagem é possível atribuir a origem de uma parte destes resíduos aos Estados Unidos, Canadá, Rússia e países asiáticos.
“Não sabemos se são resultado da passagem de barcos destes países ou se são objectos que estiveram à deriva no oceano durante vários anos e só agora deram à costa.”
Segundo explica, “detectar três ou quatro quilos de percebes nestes objectos significa que está no mar há anos”.
O voluntário acrescenta que são apanhados também muitos objectos mais pequenos, resultado das acções dos cidadãos.
“Para a sanita só deve ir o xixi e o cocó. Não é por se puxar o autoclismo que tudo o que se lá coloca desaparece. As pessoas devem ter noção que, no próximo ano, o seu cotonete ou fio dental vai estar ao seu lado na sua praia”, alerta, insistindo que o mundo está a passar o “vermelho”, pelo que “todos devem começar a mexer-se para minimizar o seu impacto”.
Lixo produz arte
Apesar dos voluntários recolherem cerca de duas a três toneladas por dia – se todos os dias estivessem no terreno haveria lixo para apanhar – Simão Acciaioli aplaude as iniciativas de limpeza da responsabilidade de autarquias, escolas e outras entidades. “As Câmaras Municipais de Leiria e de Pombal já manifestaram que, fruto das diversas limpezas que têm ocorrido nas praias destes concelhos, o lixo acumulado é menor, mas os resíduos recolhidos vão tendo tendência a ser cada vez mais”, constata.
Uma selecção do lixo encontrado e recolhido nestes concelhos servirá para produzir uma instalação artística. “Temos oferecido a colectivos de artistas o material que pode vir a ser trabalhado através da criatividade de cada um. Por exemplo, o artista japonês Tadashi Kawamata já apresentou uma exposição no MAAT [Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia]. Estamos a trabalhar com um colectivo de artistas de Leiria, com o envolvimento muito activo da Câmara Municipal, mas é um projecto ainda muito embrionário.”
Para Simão Acciaioli, a “utilização da arte como forma de educação”, pode ser uma maneira de sensibilização da população. Aliás, quando juntam as toneladas de lixo num ponto junto à praia, o voluntário confidencia que o ar de espanto e incredulidade de quem passa é evidente e vão ter com os voluntários agradecendo o seu trabalho.
Os restantes resíduos são encaminhados para o circuito de reciclagem e tratamento e outros acabam por ser levados por pessoas que passam e vêem a possibilidade de reaproveitar alguns objectos.
“O plástico nem sempre é possível reciclar, porque está muito contaminado com sal, areia e sol.”
A Brigada do Mar tem previstas mais acções regulares de descontaminação desta faixa litoral de maneira a diminuir a quantidade de lixo acumulada, voltando à região em Fevereiro.
Em dez anos, a associação já limpou em Portugal mais de 600 quilómetros lineares de costa, retirou mais de 550 toneladas de lixo do areal e com ela colaboraram mais de seis mil voluntários, em mais de 200 dias efectivos de iniciativas de limpeza e sensibilização.