Há duas semanas o JORNAL DE LEIRIA anunciou que, à beira de completar um século, e depois de atravessar longos anos de degradação, a Sociedade Vidreira Lusitana, conhec ida como fábrica “Angolana”, pode agora renascer através de um projecto do ramo imobiliário, que está a ser equacionado pelo proprietário daquele imóvel classificado, o Grupo Visabeira.
O interesse do grupo de Viseu em dar nova vida àquele património industrial, classificado como Monumento de Interesse Público, é bem acolhido pela Câmara da Marinha Grande, que se depara com a existência de várias fábricas abandonadas pela cidade, resultado de produtos mais inovadores que foram chegando ao mercado e das novas centralidades que a urbe foi adoptando. O JORNAL DE LEIRIA foi conhecer outras fábricas desactivadas pela cidade e perceber que esperança existe para cada um destes espaços. Habitação, hotelaria e comércio estão entre as possibilidades.
Manuel Pereira Roldão
Fundada em 1940, a Manuel Pereira Roldão foi uma empresa dedicada ao fabrico de vidro manual que, durante os anos 70, chegou a empregar 800 trabalhadores. Dos anos 90 fica a memória dos grandes tumultos sociais na cidade, vividos à medida que a empresa perdia fulgor e que se avolumavam os salários em atraso. Em 1998, no mesmo edifíc io, ainda foi criada a Mandata, que absorveu 150 operários da Manuel Pereira Roldão. Mas também esta empresa viria a encerrar, em 2001
Desde então, a Manuel Pereira Roldão só tem sido tema de discussão em reuniões de Câmara quando se aborda a degradação do edifício, que ameaça a seguranç a pública. Junto de Pedro Marques, o mediador imobiliário que tem este imóvel em carteira desde 2010, o JORNAL DE LEIRIA apurou que o espaço pertence a um particular que tenta vendêlo desde há muito. A antiga fábrica, implantada numa área de 20 mil metros quadrados, no coração da cidade, está à venda por 1,3 milhões de euros.
Pedro Marques explica que são muito esporádicos os contactos por parte de interessados, até porque avançar com uma construção no local implica a demolição e a remoção prévia do edificado, uma despesa de cerca de meio milhão de euros. Quem geralmente se interessa pretende avançar com a construção de habitações ou de grandes superfícies comerciais, revela o mediador. E para Pedro Marques essas são mesmo as únicas duas formas de revitalizar o local. “Via aquele espaço com cerca de 20 moradias num condomínio de luxo ou então com uma superfície comercial capaz de atrair movimento”, perspectiva Pedro Marques.
Carlos Caetano, vereador com pelouro do Urbanismo, Planeamento e Ordenamento do Território, acrescenta que, muito recentemente, a Câmara foi sondada por uma grande superfície comercial, que estava interessava em instalar-se no espaço ocupado pela Manuel Pereira Roldão. A escolha do investidor acabou por não recair sobre aquela localização, embora esse investimento continue a ser negociado para outro ponto da cidade.
Pedroso & Gonçalves
Quando as grandes superfícies comerciais ainda não tinham chegado à cidade, a Pedroso & Gonçalves era ponto obrigatório de paragem para todos os estudantes que ali podiam comprar as últimas novidades de papelaria e material escolar. Situado num dos pontos mais nobres da cidade, junto à Rotunda do Vidreiro, o imóvel deixou de funcionar quando se apertou a crise, há cerca de dez anos, explica Joaquim Seiça, proprietário da loja, bem como dos armazéns localizados nas traseiras, também eles desactivados, e onde outrora funcionou uma recauchutagem.
Joaquim Seiça diz que [LER_MAIS]os espaços estão disponíveis para quem quiser arrendar ou comprar. Muito recentemente, parte do imóvel chegou a ser arrendado e convertido em stand de automóveis, recorda Joaquim Seiça. Para o empresário, “há várias soluções que podem dignificar aquele espaço, desde que seja um projecto bonito”. Comércio ou hotelaria seriam soluções interessantes, considera Joaquim Seiça.
Rolan Decal
No ano passado, o JORNAL DE LEIRIA adiantava que o edifício da extinta Roland Decal, empresa que até 2005 se dedicava à impressão de embalagens, estava a preparar-se para ganhar nova vida, como novo condomínio industrial que iria denominar-se Tecnopark – Parque Industrial Tecnológico e Científico da Marinha Grande. José Pires, que era promotor do investimento, explicava então que o seu objectivo era converter as antigas instalações da fábrica de forma a constituir um condomínio industrial, que tivesse também uma componente comercial e de serviços. Naquele espaço, localizado na zona do Salgueiro e a apenas 300 metros do Parque Municipal de Exposições, várias pequenas e médias empresas poderiam instalar- se, gerando sinergias, notava José Pires.
Cada empresa que aí se instalasse – projectava o investidor – poderia partilhar restaurante, várias salas de reuniões com dimensão suficiente para apresentações e conferências, também gabinetes jurídico e de contabilidade. Até ao fecho de edição não foi possível ouvir José Pires, mas o JORNAL DE LEIRIA verificou que o Parque Industrial, Tecnológico e Comercial no centro da Marinha Grande se encontra à venda por 2,6 milhões de euros. O anúncio refere que o complexo de escritórios e armazéns “incluí projecto já aprovado (com licença de construção a levantar) para criação e ampliação do actual complexo implantado em terreno com 14 mil metros quadrados”.
“Fábrica Velha”
Ao fim de três anos de negociações, a Câmara da Marinha Grande oficializou em Dezembro de 2018 a compra da extinta Fábrica Escola Irmãos Stephens (FEIS), ao Banco Comercial Português, por 1,2 milhões de euros. A presidente do Município, Cidália Ferreira, sublinhava então que, com esta aquisição, a Autarquia recuperava o berço da cidade, onde a história industrial da Madrinha Grande começou a desenhar-se há 250 anos. Desde então, a presidente de Câmara já mostrou vontade que parte da FEIS possa acolher um projecto no âmbito do ensino superior, mas também já referiu que é necessário levar o assunto a discussão colectiva, para perceber que tipo de equipamentos poderá aquele espaço receber.
Lepe e Upla
A Upla- Fábrica Universal de Plásticos e a Lepe – Empresa Portuguesa de Embalagens são ambas unidades industriais desactivadas, situadas em diferentes “portas” de entrada da Marinha Grande. A primeira situa-se na Guarda Nova e a segunda na Avenida José Gregório. Embora nunca tenha recebido qualquer contacto de interessados em reconverter aqueles espaços, Carlos Caetano, vereador do Urbanismo, confessa que estes estão entre os imóveis cuja situação gostaria de ver resolvida.
O JORNAL DE LEIRIA apurou que a Upla deverá pertencer a uma sociedade anónima de Lisboa, que já terá tentado vender aquele imóvel, mas não teve sucesso. Quanto ao espaço da Lepe, que há muitos anos se encontra emparedado, pertence à Europac Leiria, actualmente DS Smith Leiria, com quem não foi possível falar até ao fecho desta edição.
Bons exemplos de recuperação na cidade
Embora existam ainda muitos casos de fábricas extintas a reconverter, nos últimos anos a Marinha Grande tem conhecido diversos casos de requalificação. Construida em 1959, a Fábrica da Resinagem assumiu várias funcionalidades até que, em 2103, depois de obra da Câmara, como apoio comunitário, passou a acolher o Núcleo de Arte Contemporânea e outros serviços camarários. A Ivima iniciou a produção de cristalaria em 1895 e encerrou em 1999, tornando-se desde então espaço de consumo e tráfico de droga. Doado pela BA Vidros à Câmara Municipal e requalificado, o imóvel acolhe várias associações do concelho desde 2013. A Autarquia prevê construir ali uma creche social. No final de 2014, depois de uma obra de mais de 400 mil euros, com apoio do QREN, o espaço onde outrora funcionava a fábrica J. Ferreira Custódio reabriu ao público como estacionamento gratuito de 108 lugares.
Ateliers de arte podem rejuvenescer a cidade
Reconhecendo que muitas das antigas fábrica actualmente desocupadas poderão pertencer a particulares e à banca, Vítor Grenha, arquitecto, diz ao JORNAL DE LEIRIA que se o plano para esses imóveis dependesse de si, as artes poderiam ser a solução para resolver dois problemas da Marinha Grande. Em primeiro lugar, aponta o arquitecto, a Marinha Grande precisa de se rejuvenescer. E, em segundo lugar, também precisa de renascer do ponto de vista urbanístico.
“A Marinha Grande é uma cidade feia, porque nunca foi uma cidade rica, apenas uma sociedade industrial. Por outro lado, também não é uma cidade universitária, capaz de atrair jovens, que são fundamentais para a rejuvenescer”, salienta Vítor Grenha. Além disso, a Marinha Grande está cheia de ‘buracos’, de zonas sem construção nenhuma, e de muitos edifícios industriais, que acabaram devolutos devido à crise”, prossegue o arquitecto.
Assim, advoga Vítor Grenha, no caso da “Fábrica Velha”, que pertence ao Município e ‘é o berço da história da cidade’, a requalificação do espaço não deve passar nem pela construção de uma piscina, nem de um mercado. O conceito deverá passar pela preservação do património histórico, um espaço museológico ou de lazer, onde as pessoas possam recordar a sua história industrial, “que é relativamente recente e relativamente rica”, expõe o arquitecto.
Para outros espaços industriais desactivados, que são particulares, têm surgido algumas ideias, alguns projectos, mas os investidores têm evitado avançar devido à revisão do Plano Director Municipal que está em curso. Contudo, a revisão do Plano é um processo lento e encontrar uma visão para estes espaços não deve depender de um documento que só vai colocar algumas limitações de pormenor, realça o arquitecto. Alguns desses espaços já não têm condições para serem recuperados, mas outros há onde ainda existe possibilidade de abrir portas aos jovens, criando ali zonas de coworking, zonas dedicadas à criação musical – e a cidade continua a ter muitos projectos musicais – também dedicados às artes plásticas ou à produção manual de vidro. Isso traria uma sociedade rejuvenescida, aponta o arquitecto.
“Só não sei se resultaria numa cidade de mentalidade velha como a Marinha Grande”, nota Vítor Grenha. No passado foram colocados autocarros na cidade, onde os jovens puderam ter um espaço só deles, para aceder à internet, e esses locais estavam cheios de gente, recorda o arquitecto, lamentando que esses projectos não tenham tido continuidade.
Não deve ser o PDM a tolher os movimentos aos investidores, reforça o arquitecto, lembrando que o importante é decidir o que se pretende fazer da cidade, venha ela a ser uma cidade para jovens, para artistas, ou a Silicon Valley do País. Urgente, repara Vítor Grenha, é intervir no próprio edifício da Câmara Municipal, um espaço que se tornou pequeno, “cheio de labirintos” e que nem tem o devido espaço para os seus vereadores.
Reflexão é também a máxima de Frederico Barosa. O arquitecto realça que a maioria dos espaços industriais desactivados pertencem a privados. E se noutros tempos as áreas de grande dimensão no centro da cidade poderiam ser uma boa oportunidade para quem vende, “hoje em dia são sobretudo um problema”. Frederico Barosa nota que estas grandes áreas implicam muitas vezes desmantelamento do edificado, um encargo elevado que não agrada aos promotores. E qualquer investimento que ali seja realizado tem de implicar retorno financeiro.
Já no caso da “Fábrica Velha”, espaço agora adquirido pelo Município, que não espera propriamente obter dali retorno financeiro, a área poderá ser pensada para receber outros equipamentos que estejam a faltar na área urbana, indica o arquitecto.Tudo passa por reflectir o que se pretende fazer da cidade, frisa Frederico Barosa.
Existem no entanto alguns bons exemplos de reconversão de fábricas na Marinha Grande. É o caso da Ivima, que mostra como podem resultar as parcerias entre particulares e o Município. Ou também das antigas instalações da Crisal, que deram lugar a vários blocos de habitação. Embora neste caso, devido à insolvência do promotor, a Autarquia já devesse ter completado os trabalhos nos espaços públicos, de jardim e estacionamento, defende o arquitecto.