O seu primeiro contacto com fósseis aconteceu enquanto partia pedra, numa exploração de calçada, na zona de Alcanena, em território hoje abrangido pelo Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros. Rui Louro era então um jovem cabouqueiro, que procurava ajudar no orçamento familiar. E, de quando em vez, ao abrir a pedra, à força de martelo e picareta, saltavam-lhe “umas coisas estranhas” do interior do calcário.
A curiosidade não o deixou ficar indiferente àqueles “desenhos” cravados na pedra e começou a coleccioná-los. Até que um dia, alguém lhe explicou que “não eram apenas coisas bonitas”. Que tinham valor e milhões de anos de existência. Começou a consultar enciclopédias e outros documentos, para recolher informação, e a calcorrear as serras, a recolher peças.
Hoje, tem uma colecção com cerca de 150 mil fósseis, uns com poucos milímetros, outros chegam a ter 30 a 45 centímetros. Destes, apenas uma pequena parte está exposta ao público, integrando uma colecção que Rui Louro cedeu ao Museu da Comunidade Concelhia da Batalha, composta por cerca de 500 peças. São, essencialmente fósseis de “invertebrados marinhos e de ambiente de água salobra da era do mesozóico, ou seja, com idades compreendidas entre os 250 a 65 milhões de anos.
A colecção, que está à guarda daquele museu, resultou de uma selecção científica feita, há cerca de 15 anos, pelos geólogos e paleontólogos Pedro Dantas e Elisabete Malafaia, dois dos maiores especialistas portugueses nesta área, que fizeram a sua certificação. Algumas das peças fazem parte da exposição permanente do museu, outras integram também uma mostra itinerante que já esteve patente em vários pontos do País.
Um dos locais a exibi-la foi o Museu de História Natural de Lisboa, onde se manteve cerca de um mês no âmbito de uma exposição mais abrangente sobre minerais e geologia. “Foi um orgulho. O meu lamento foi não poder, por motivos pessoais, estar na inauguração, para a qual me convidou o director do museu”, conta Rui Louro.
Mas o maior lamento do coleccionar, que reside actualmente em Porto de Mós, é ver o restante espólio “encaixotado numa garagem, sem que as pessoas o possam ver”. Em tempos, ainda chegou a ter muitas das peças expostas numa sala, mas, com a mudança de casa, tal deixou de ser possível.
Segundo diz, teve também propostas de entidades privadas, que se dispunham a ceder um espaço para exposição dos fósseis. Mas, como isso implicava a cobrança de bilhete, declinou a oferta. “Queria que os meus fósseis fossem vistos, mas sem que a pessoas tivessem de pagar. Acabei por não fazer nenhum protocolo e, como nunca houve entidades públicas disponíveis, agora está tudo guardado dentro de caixinhas”, diz, com pesar, Rui Louro, que continua a calcorrear as serras e as arribas da região à caça de fósseis.
Mas, garante: “Vou pesquisar, não destruir. Retiro apenas aqueles que estão soltos. Não arranco”. A técnica, conta, aperfeiçoou-a com os ensinamentos de Elisabete Malafaia, com quem, em tempos, percorreu vários pontos de recolha dos fósseis que compõem a sua colecção (concelhos de Batalha, Leiria, Marinha Grande, Porto de Mó s, Rio Maior e Alcanena).
“Estamos num território riquíssimo neste tipo de património. Pena que continue a ser destruído”, desabafa o coleccionador, que dá o exemplo da zona da Fórnea, um dos seus locais de eleição em Porto de Mós, onde o trânsito de veículos de todo-o-terreno tem “espezinhado” muitos fósseis. “Infelizmente”, diz, “não é caso único”.
Exemplar com cerca de 150 milhões de anos
Museu destaca fóssil de caracol marinho
Com as portas fechadas devido à pandemia de Covid-19, o Museu da Comunidade Concelhia da Batalha (MCCB) está a destacar, semanalmente, algumas das peças mais curiosas da sua colecção, disponibilizando uma pequena visita guiada, em áudio e em vídeo com Língua Gestual Portuguesa, sobre a área realçada. Uma das peças escolhidas para arrancar com a iniciativa faz parte da colecção de Rui Louro, que se encontra cedida à instituição. Trata-se de “um molde interno de um grande caracol marinho com cerca de 150 milhões de anos descoberto perto de Rio Maior”. Segundo a descrição feita no site do museu, o fóssil é “um vestígio de um organismo marinho, o que nos mostra que, no Jurássico Superior, esta região era coberta por mar”. Disso são testemunho os depósitos marinhos existentes, nos quais fósseis como este aparecem “misturados com corais, ostras, ouriços-do-mar e outros invertebrados que povoam os mares quentes que então cobriam parte desta zona do país”. “Este gastrópode, que se encaixa perfeitamente na palma da mão, tornou-se fóssil porque o espaço vazio do interior da concha foi preenchido por sedimentos marinhos”, acrescenta a informação do MCCB.