Apesar de a rede pública de água estar disponível a perto de 100% dos alojamentos existentes na região (distrito de Leiria e concelho de Ourém), há mais de 55 mil casas que não estão ligadas a esse abastecimento, o que representa 18% do total de fogos.
Os dados resultam de uma análise ao Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal – 2019, elaborado pela entidade reguladora do sector (ERSAR) com dados de 2018, feita a propósito do Dia Mundial da Água, que se assinalou na semana passada.
De acordo com os dados da ERSAR, na região há 11 municípios que apresentam uma taxa de acessibilidade – que traduz “a possibilidade de ligação do utilizador à rede” – de 100%. Fora desse grupo estavam, à data da recolha dos dados (2018) os concelhos de Porto de Mós e Bombarral (99%), Óbidos (98%), Ourém e Peniche (97%) e Ansião (93%).
Bem mais baixa e díspar é a taxa de adesão ao serviço, que diz respeito à efectiva ligação ao sistema público. Óbidos aparecem como o concelho da região com a maior percentagem de alojamentos ligados à rede (92,4%), seguido de Pedrógão Grande (92%), Nazaré (91,3%) e Peniche (90,7%).
Todos os outros municípios surgem com valores abaixo dos 90%, com destaque para Pombal, que segundo o mais recente relatório da ERSAR sobre os sectores da água e dos resíduos, regista uma taxa de adesão de apenas 65,9%. Isto significa que, apesar de a rede pública chegar a praticamente 100% dos alojamentos do concelho, cerca de 34% das habitações (11.620 fogos) não estão ligadas.
Além da existência de furos e poços particulares, há outra explicação para os números registados em Pombal: a existência de sistemas privados de fornecimento de água. É que, desde os anos 70 do século passado, que foram surgindo no concelho algumas associações para prestar este serviço à população, nomeadamente, em povoações localizadas junto à EN1, nas freguesias de Pombal e Vermoil, como Travasso, Águas Férreas, Matos da Ranha e Outeiro da Ranha.
Ou seja, para colmatar a falta deste serviço público, as populações organizaram-se e criaram os seus próprios sistemas. Acabariam por ser as últimas a dispor de rede pública, que, entretanto chegou, mas que tarda em conquistar a adesão dos moradores.
“Há um dever colectivo”
Para Paulo Lucas, dirigente da associação ambientalista Zero, os dados do último relatório da ERSAR evidenciam que, apesar de estarmos, em termos regionais, “bastante bem” ao nível da acessibilidade ao serviço, o mesmo não se pode dizer da taxa de adesão, onde “há muito a fazer”.
“Não se está a conseguir impor essa obrigação legal, de ligação à rede, o que cria injustiças. Aqueles que cumprem têm de pagar por todos os outros, que se servem de furos e de outras fontes de abastecimento, não contribuindo para o bem colectivo”, frisa Paulo Lucas.
O ambientalista nota que a água “é um direito que deve estar acessível a todos, mas há um dever colectivo” de todos participarem na sustentabilidade do sistema. “É verdade que a água cai do céu, mas para chegar às torneiras, há um conjunto de custos associados, desde a captação, à bombagem e ao tratamento, que muitas vezes são negligenciados pelas pessoas”.
O dirigente da Zero defende que os municípios “têm de ser mais rigorosos” em fiscalizar e fazer cumprir esta obrigação legal. Por outro lado, acrescenta, os cidadãos devem também ser “mais exigentes” com quem está à margem do sistema, denunciando essas situações.
Paulo Lucas sublinha ainda que a não adesão à rede pública, por uso de alternativas, levanta também “questões de segurança e de saúde pública, porque pode estar em causa o consumo de água que não é própria”.
Dos dados da ERSAR, o ambientalista destaca ainda as “elevadas” perdas reais de água. Na região, a média diária rondou, em 2018, os 132 litros por ramal. O valor mais elevado foi registado pela Marinha Grande (281 litros), enquanto Ourém, cujo sistema está concessionado a privados, apresentou menores perdas (69 litros).
“Há muito a fazer no combate às perdas de água”, nota o dirigente, que sublinha também a necessidade de melhorar a “transparência” dos apoios concedidos a instituições através da não cobrança de água e que, nos dados da ERSAR, se reflectem nas altas taxas de água não facturada, onde se incluem as perdas de água. Na região, os valores oscilam entre os 19,4%, registados no concelho de Alcobaça, e os 48,5%, em Ansião. “Devia perceber-se melhor para onde vai essa água não facturada. Falta transparência na atribuição desta benesse”, defende.