Por iniciativa dos hospitais, municípios, juntas de freguesia ou de grupos de clínicos, multiplicam-se as consultas de psicologia prestadas gratuitamente à comunidade. Contactados pelo JORNAL DE LEIRIA, os psicólogos retratam uma população ansiosa, cansada, dominada pelo medo. E temem que as situações de violência e de abuso de substâncias possam aumentar.
Na Junta de Freguesia da Marinha Grande, por exemplo, duas psicólogas já acompanhavam gratuitamente mais de 40 pessoas através de consultas regulares e presenciais. Agora, explica Ana Maria Meia-via, uma das psicólogas da Junta, esse trabalho continua a ser realizado, só que por via telefónica ou videochamada. E além das quatro dezenas de pacientes regulares, a Junta está a equacionar estender o acompanhamento a mais 20 pessoas que se encontram em lista de espera. “As pessoas estão preocupadas, porque não sabem em que condições vão regressar ao trabalho. Essa incerteza causa ansiedade”, expõe a psicóloga.
“E as famílias com filhos estão sobrecarregadas. Nalguns casos, há teletrabalho e telescola para gerir, salienta a clínica. “Explicamos que têm de reduzir as expectativas. As crianças e os pais não conseguem trabalhar tão bem como antes”, acrescenta a psicóloga. “Há pais preocupados porque os filhos mentem, não estudam, faltam ao respeito. As crianças também estão a sofrer com isto e estes seus comportamentos impulsivos mostram a dificuldade que estão a ter em ajustar-se à mudança”, realça Ana Maria Meia-via.
“É preciso dar tempo, ser flexível, dar espaço e que digam o que sentem”, recomenda a psicóloga. E, nos casos onde já se indiciava violência, existe agora um contacto muito regular das técnicas com as famílias, porque “há muito receio que as situações de violência doméstica se agudizem”, expõe a psicóloga.
Luís Couto, de Pombal, é o responsável pela gestão da plataforma Friends2Talk, que actualmente já congrega 15 psicólogos de Leiria, Coimbra e Lisboa. Trata-se de voluntários, gente que se envolveu na missão de prestar apoio à população deforma gratuita nesta fase de crise pandémica. Himali Bachu, uma das psicólogas envolvidas nesta plataforma, descreve as dificuldades de quem lhe liga. “Há uma ansiedade generalizada, um sintoma reactivo a esta fase que as pessoas estão a passar”. Sendo que “é mais grave nos casos onde já existia um histórico de ansiedade ou de depressão”, realça Himali Bachu, que não se surpreende se começarem a aumentar os casos de consumo abusivo de álcool e de drogas.
A preocupação com o momento e com o futuro é transversal a todas as idades e a todas as profissões, mas as mulheres estão mais à vontade para pegar no telefone e exprimir o que sentem, conta a psicóloga. “Para nós, profissionais, este período também tem sido um desafio”, realça Humali Bachu. Até aqui, “a psicologia era centrada na observação, no cara-a-cara. E agora há que criar empatia de outra forma”, refere a clínica, que realça o papel desenvolvido pela Ordem dos Psicólogos no acompanhamento, na formação dos profissionais nesta fase, e também a camaradagem entre colegas.
Poucos dias depois de ter criado a linha de Rede Solidária, para prestar apoio aos idosos em situação de isolamento, na entrega de medicamentos, bens alimentares e outras tarefas urgentes, a Câmara de Leiria percebeu que era indispensável criar também uma a Linha de Apoio Psicológico, para confortar a população nesta fase de confinamento. “Desde que foi criada, no final de Março, esta linha já prestou assistência psicológica a 70 pessoas. São sobretudo pessoas que vivem sozinhas”, caracteriza a vereadora, Ana Valentim. Do lado de lá, diariamente, está uma psicóloga que ouve, tira dúvidas e lhes dá uma palavra de “conforto e de esperança”, nota a autarca.
A Autarquia está constantemente a avaliar os casos e entende que, sobretudo neste contexto, “não se pode deixar de acompanhar as pessoas de um dia para o outro”. Por via telefónica ou por email, o Centro Hospitalar de Leiria começou a prestar apoio emocional à população, para promover a saúde mental no contexto da covid19. Cláudio Leandro, director do Serviço de Psiquiatria, que coordena esta iniciativa, salienta que “a quarentena é sempre uma experiência desagradável”, que traz “privação de liberdade, medo e que acarreta elevados níveis de ansiedade e exaustão”.
O médico salienta que ter medo é normal, mas que é preciso evitar o pânico. Evitar consumo excessivo de noticiários e manter as ligações afectivas através de telefone ou de novas tecnologias são algumas das armas a usar neste combate. Realça ainda que, regra geral, as pessoas não passam muito tempo juntas. Nesta fase, em que se passa mais tempo em casa e acompanhado, poderá acontecer que as situações latentes de violência sejam exacerbadas. Também o consumo de álcool, por ser de fácil acesso, pode nesta fase estar a ser usado como forma de aliviar a ansiedade.
Mas é uma substância que pode trazer comportamento aditivo grave, pelo que é mais uma situação de risco que a quarentena pode acarretar, alerta o director.
Mais de um mês após ter início a intervenção em Saúde Mental em contexto de catástrofe, o Gabinete de Crise da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) – que integra os concelhos de Alcobaça, Bombarral, Caldas da Rainha, Nazaré, Óbidos e Peniche – fez um balanço da operação. Desde 15 de Março, foram criadas consultas específicas de apoio aos utentes e profissionais de saúde, tendo sido disponibilizados para o efeito contactos telefónicos e emails, além das consultas presenciais. Teresa Maia, coordenadora Regional de Saúde Mental da ARSLVT, frisa que, neste primeiro mês, foram acompanhados “centenas de profissionais e milhares de utentes”. Ansiedade, insónia e stresse são as manifestações mais relatadas por quem recorre ao serviço.
Crianças e Jovens com serviço telefónico próprio
A Câmara Municipal de Leiria lançou a linha #LeiriApoiaEmCasa, um serviço telefónico de apoio psicológico orientado para promover a saúde psicológica e o bem-estar das crianças e jovens em tempo de confinamento social. “A linha #LeiriApoiaEmCasa é assegurada pela equipa constituída por seis psicólogos que trabalham junto dos agrupamentos de escolas no âmbito do Plano Integrado e Inovador de Combate ao Insucesso Escolar (PIICIE) da Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria, em parceria com a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Leiria”, informa a Câmara.
“Este serviço integra-se no projecto inovador de apoio à distância ePIICIELEIRI@, desenhado pela equipa PIICIE do concelho de Leiria, através do qual apoia 209 alunos de sete agrupamentos de escolas do concelho no terceiro período lectivo”, faz saber o Município. Através desta linha, as famílias podem expressar as suas dificuldades receios e ansiedades, recebem aconselhamento psicológico, sendo que os agregados que se encontrem em situação de vulnerabilidade social, ou as crianças e jovens que se encontrem em situação de risco são informados dos apoios existentes na comunidade e encaminhadas para as respostas e entidades competentes, faz ainda saber a Autarquia.