“São Bento, 24 de Junho de 2020
Olá, eu sou a Matilde, tenho dez anos e estudo na escola EB 1 de São Bento. Queria dizer que tive muitas dificuldades em acompanhar as aulas do professor, por causa da falta de internet em São Bento.”
As crianças e jovens que habitam em freguesias da serra, no concelho de Porto de Mós, escreveram dezenas de cartas endereçadas ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, relatando as dificuldades que têm em conseguir aceder ao ensino à distância, devido à ausência de telecomunicações e serviço de internet.
“A intenção é que todas as crianças e jovens elaborem uma carta deste género a relatar as dificuldades com a falta de internet. Por todos, não custa nada”, apela Clara Sofia, habitante em São Bento.
As cartas, escritas em papel, devem ser entregues nas sedes das Juntas de Freguesia de São Bento e de Serro Ventoso e na sede da União de Freguesias de Mendiga e Arrimal, até sexta-feira, dia 26 de Junho, até às 15 horas.
Não sendo caso único em Portugal, a situação vivida por estas crianças é paradigmático de um Portugal que, por questões de livre concorrência, auto-regulação de mercado e ausência de política de serviço público no acesso às comunicações, aprofunda diariamente o fosso social nas zonas de interior.
Como o JORNAL DE LEIRIA publicou em Maio, a pandemia deixou à vista uma situação que, há décadas, se verifica em mais de 20 aldeias do concelho, mas que, no caso específico de São Bento, se estende a mais de 90% do território.
Os operadores recusam melhorar as condições e, especificamente, a Meo/Altice assegura que existe 98% de cobertura 4G e de 70% de cobertura de fibra óptica, naquele território, situação que um grupo de deputados verificou no terreno não ser verdade e que o presidente da ANACOM, João Cadete de Matos, também se comprometeu a fiscalizar, em breve.
Perante esta situação, um grupo de moradores das freguesias de São Bento e de Serro Ventoso, e da União de Freguesias de Mendiga e Arrimal resolveu lançar o repto aos pais e encarregados de educação para que as crianças e jovens escrevessem cartas endereçadas a Marcelo Rebelo de Sousa, dando conta das dificuldades em conseguir aceder ao ensino, especialmente, em tempo de pandemia.
“Os relatos destes meninos e meninas da serra serão entregues amanhã, na reunião da Assembleia Municipal de Porto de Mós, por dois representantes de cada freguesia. Paralelamente, seguiu mais uma carta de reclamação dos pais e encarregados de educação para a Anacom, dando, mais uma vez, conta da situação vivida”, explicam os promotores da iniciativa.
“Num tempo em que estamos a trabalhar a desmaterialização, a Câmara tem os seus serviços a tirar fotocópias para entregar às Juntas de Freguesia e em casa de alunos, para que possam ter aulas. Não queremos que as crianças e jovens deixem de ter a oportunidade e a solução encontrada foi esta. Além dos equipamentos, também fornecemos a pen com internet, mas de que vale isso se depois na serra não há cobertura? A Câmara não tem obrigação ou responsabilidade directa de colocar a internet! Mas a esse nível e ao nível da saúde, se há um munícipe com um problema, o presidente da Câmara não pode virar as costas. Por isso fiquei escandalizado com a resposta da Altice ao falar de 98% de cobertura 4G no nosso território e de 70% de cobertura de fibra óptica, o que não é verdade. Há fibra óptica no Arrimal ou em São Bento, mas apenas para duas empresas. Se um munícipe solicitar internet, eles não fornecem. A rede 4G é uma vergonha porque temos um conjunto vasto de lugares em várias freguesias que nem voz têm, quanto mais serviço 4G, e sabemos que ele é exigível na plenitude para descarregar os conteúdos.”