Quase dez milhões de euros de financiamento captado, perto de 50 projectos desenvolvidos, seis patentes registadas – a sétima vem a caminho -, cerca de 200 publicações científicas em revistas internacionais e mais de 80 parcerias com empresas nacionais e estrangeiras.
Estes são alguns dos números que fazem a história do Cetemares, o edifício que acolhe o MARE – Centro de Ciência do Mar e do Ambiente do IPLeiria, inaugurado há cinco anos, em Peniche, e de onde já saíram vários produtos alimentares para as prateleiras dos supermercados, concebidos a partir da valorização de recursos marinhos.
Ao pão, gin, azeite, gelado e mel em pó, confeccionados à base de algas, bivalves, ouriços do mar e outros recursos marinhos, que já estão disponíveis no mercado, há novos produtos em desenvolvimento. É o caso dos hambúrgueres de carne (porco e vaca) com algas, que resultam de uma parceira com a empresa Raporal e que se encontram em “fase de validação de protótipos”.
Também do Cetemares poderá vir a sair uma gama de massas alimentares secas, “com a incorporação de recursos marinhos na sua formulação”, como macro e micro-algas, mexilhão e outros bivalves excedentes da aquacultura. Trata-se, explica Maria Gil, coordenadora do MARE – IPLeiria, de mais um projecto que procura aproveitar recursos que não têm saída no mercado, dando-lhe aproveitamento.
Neste caso, o produto em desenvolvimento [LER_MAIS]resulta de uma parceria com a empresa Iberopasta, com o objectivo de criar três novas linhas de massas alimentícias: “uma virada para os desportistas, aumentando, através de recursos marinhos, o teor de proteína; outra para crianças, com corante natural, e outra enriquecida naturalmente, aumentado o teor de compostos essenciais, como minerais.”
Paté de alga é outro dos produtos em criação no Cetemares, que conta agora com um painel sensorial de provadores. São, explica Maria Gil, investigadores do cenpermitro, que foram “treinados” para provar algas e peixes, os recursos marinhos com que mais se trabalha no Cetemares, de forma a ajudarem, enquanto consumidores, a fazer a sua “caracterização sensorial”.
Com base nesse perfil, são depois “identificadas áreas onde esses produtos podem ser aplicados e introduzidos no mercado”, acrescenta a responsável, que justifica a necessidade de constituição desse painel com o crescente número de projectos no sector alimentar.
Um incremento que, no entender da docente, está relacionado com o facto de esta ser, entre as várias linhas de investigação do centro, aquela que “permite chegar mais rapidamente com produto ao mercado”. “Nas áreas farmacêuticas ou da cosmética os resultados demoram mais e carecem sempre de bastantes validações até poderem chegar ao consumidor”, nota Maria Gil.
Apesar disso, são vários os projectos que os investigadores e estudantes de doutoramento do Cetemares têm em curso nestas áreas, procurando descobrir formas de utilizar os recursos marinhos no tratamento de patologias como o cancro, no desenvolvimento de cosméticos ou de fármacos para travar o avanço de Parkinson. O objectivo “é pesquisar compostos com capacidade anti-bacteriana, anti-inflamatória ou anti-tumural, vindas, por exemplo, das algas”.
Nesta área, um dos projectos que se destaca é o POINT4PAC – Oncologia de Precisão através de Terapias e Tecnologias Inovadoras, dedicado à descoberta de novos fármacos anticancerígenos, que conta com o envolvimento do MARE- IPLeiria, sediado no Cetemares. Aqui, procura-se fazer a selecção de “novas moléculas anticancerígenas bio-activas obtidas a partir de algas vermelhas, plantas e moléculas sintéticas com presuntiva actividade anti-tumoral”.
Rasteio nacional de patologias de peixes
Também na área da saúde, mas na dos peixes, se está a iniciar um outro projecto no Cetemares, designado por BE4Aquahealth, que pretende fazer um rastreio nacional de patologias de peixes de aquacultura. O objectivo é “identificar os principais agentes patogénicos (bactérias, parasitas e vírus), ao longo do ciclo de vida das espécies de peixes cultivadas em Portugal” e a estudar a sua prevalência, com vista a “desenvolver” e “implementar” boas práticas e estabelecer “medidas preventivas, para aumentar a saúde dos peixes e reduzir a utilização de medicamentos veterinários”.
Outro dos projectos em fase de arranque é o E-fishing, através do qual a equipa de trabalho espera “contribuir para a gestão da pesca, nomeadamente da sardinha”, a partir de um maior conhecimento dos stocks existentes, explica Maria Jorge Campos, uma das investigadores envolvidas.
Por outro lado, pretende-se também “perceber se há espécies novas a chegar à zona de Peniche”, como consequência das alterações climáticas. “Ainda é cedo para conclusões, mas alguma informação recolhida permiespécies de águas mais quentes”, refere a investigadora.
Maria Gil frisa que, à semelhança de muitos dos projectos desenvolvidos no Cetemares, também este resultou de uma necessidade identificada pelo tecido empresarial, neste caso, pelos armadores de pesca. “O lema do centro é ‘trazer o mar para a sociedade’. Ou seja, usar a nossa capacidade científica e tecnológica para trazer benefícios à comunidade”, afirma a coordenadora do centro, recentemente reeleita para mais um mandato.
Quando foi inaugurado a 14 de Julho de 2015, para acolher o MAREIPLeiria, o Cetemares contava então com 40 investigadores. Cinco anos depois, o número duplicou. São agora 80 investigadores, cerca de 50 doutorados, e 18 estudantes de doutoramento.
“A capacidade produtiva do grupo de investigação foi muito reforçada com a entrada em funcionamento de uma infra-estrutura dedicada exclusivamente à actividade de investigação e desenvolvimento tecnológico, vocacionada para áreas emergentes ligadas ao mar”, afirma Maria Gil.
A biotecnologia aplicada aos recursos marinhos, a monitorização de habitats costeiros, a avaliação do esforço de pesca, o controlo de qualidade do pescado e da aquacultura são as principais áreas da investigação desenvolvida no Cetemares.
Sempre focado em dar respostas às necessidades da comunidade, o centro acolhe, desde Abril, um laboratório para diagnóstico da Covid- 19, com capacidade para realizar cerca de 90 testes dias. Foi nesse centro que se fez o rastreio de centenas de utentes e trabalhadores das estruturas residenciais para idosos e dos serviços de apoio domiciliário nas comunidades intermunicipais das regiões de Leiria, Coimbra, Oeste, Médio Tejo.
Certificado pelo Instituto Dr. Ricardo Jorge, o laboratório funciona com a colaboração de professores e investigadores voluntários do Politécnico de Leiria. “Vai ficar até que seja necessário”, assegura Maria Gil.