Os alertas das autoridades de saúde sobre o risco de exposição a fumo de incêndios florestais suportam-se no consenso científico e avisam para o efeito das partículas suspensas, do monóxido de carbono e de outras substâncias, que podem provocar lesões do foro respiratório, cardiovascular e oftalmológico.
O desaparecimento de 86 por cento do Pinhal de Leiria, semeado originalmente para proteger os terrenos mais próximos da costa, constitui uma alteração nas condições que influenciam o estado do tempo, embora, quase quatro anos depois, continuem a faltar estudos para validar, ou contrariar, a experiência empírica, isto é, a sensação de que algo de novo se está a manifestar nos parâmetros de humidade, temperatura e acção do vento.
O que já se encontra demonstrado é que, logo em Outubro de 2017, a destruição pelo fogo de milhares de hectares de matas nacionais e florestas privadas nos concelhos de Alcobaça, Leiria, Marinha Grande e Pombal libertou poluentes na atmosfera que causaram impactos na população, pela deterioração da qualidade do ar – em alguns casos, causaram a morte.
Um estudo para analisar o transporte a longas distâncias de fumo e de materiais particulados provenientes dos incêndios de Outubro de 2017 concluiu que as PM10 – partículas inaláveis suspensas no ar, com diâmetro inferior a 10 micrómetros, que constituem um elemento poluidor da atmosfera e são libertadas durante os fogos rurais – tiveram um efeito significativo na mortalidade.
Publicado por nove investigadores em Novembro de 2020 na revista científica Environment International, e assinado em primeiro lugar por Sofia Augusto, da EPIUnit do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, o artigo considera que 100 mortes registadas em Portugal, em Outubro de 2017, são atribuíveis às PM10 e a valores mais elevados de concentração destas partículas, no contexto da vaga de incêndios e do furacão Ofélia, o que inclui 38 mortes relacionadas com complicações cardiorrespiratórias.
Segundo a investigação, o número de mortes em cada distrito resulta da combinação entre o tamanho da população e o grau de exposição. Leiria é o segundo distrito com mais mortes atribuídas ao efeito das partículas PM10 em Outubro de 2017: um total de 17 mortes, só atrás de Lisboa (26). Nestas, estão incluídas as mortes por complicações cardiorrespiratórias atribuídas ao efeito das partículas PM10 no quadro dos incêndios que atingiram o Pinhal do Rei e outras áreas florestais. Leiria e Lisboa estão igualmente no topo da lista: 10 em cada distrito.
O estudo – que também mede o contributo do furacão Ofélia e de poeiras do deserto oriundas do norte de África – estima que, por cada 10 microgramas adicionais de PM10 por metro cúbico, houve um aumento de 0,89% no número de mortes por todas as causas e de 2,34% no número de mortes relacionadas com complicações cardiorrespiratórias.
Leiria, o distrito mais exposto
Em todo o País, foi no distrito de Leiria que os investigadores encontraram maior exposição ao aumento de partículas PM10 na atmosfera provocado pelos incêndios de Outubro de 2017. Em Portugal, os valores médios oscilaram entre 16,2 e 120,6 microgramas por metro cúbico em dias de fumo com poeira, com o máximo a ser atingido em Leiria, sobretudo devido aos registos do dia 16 (o incêndio no Pinhal de Leiria começou a 15 de Outubro).
As normas em vigor definem um limite diário de 50 microgramas por metro cúbico para as PM10. Concentrações elevadas destas partículas que flutuam no ar, são inaláveis e podem penetrar no sistema respiratório, têm o potencial de originar problemas de saúde.
Num outro artigo, publicado já em Abril deste ano, o investigador Diogo Lopes, do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) e do Departamento de Ambiente e Ordenamento (DAO) da Universidade de Aveiro, refere que nos dias 15 e 16 de Outubro de 2017 várias estações de monitorização da qualidade do ar em Portugal continental detectaram níveis críticos de PM10, com concentrações médias diárias de 400 microgramas por metro cúbico em Leiria, 138 em Coimbra, 95 no Porto, 82 em Aveiro e 75 em Lisboa, ou seja, muito acima do estabelecido na legislação sobre a qualidade do ar.
Segundo Diogo Lopes, a estação de monitorização mais próxima de Leiria registou os valores mais elevados, com as concentrações a aumentarem consideravelmente depois das 18 horas de 15 de Outubro, isto é, cerca de quatro horas após os alertas para os incêndios na Burinhosa e na Praia da Légua que vieram a invadir a Mata Nacional de Leiria.
Em termos horários, registaram-se variações entre 42 e 1000 microgramas por metro cúbico em Leiria, 53 até 296 em Coimbra, 0 até 183 no Porto, 28 até 217 em Aveiro e 47 até 118 em Lisboa.
Fumo atingiu Reino Unido
Em Outubro de 2017, a influência do furacão Ofélia originou vento forte e persistente de sudoeste, o que facilitou a progressão do fogo e a emissão de grandes quantidades de materiais particulados na atmosfera, em conjunto com outras substâncias da combustão, como dióxido e monóxido de carbono, tudo elementos que podem ser arrastados por longas distâncias.
O fumo dos incêndios florestais cobriu Portugal durante 24 dias, 10 deles em simultâneo com poeiras do deserto do Saara. O estudo assinado por Sofia Augusto da Universidade do Porto mostra que a pluma de fumo cobriu também outros países da Europa ocidental, incluindo Espanha, França, Bélgica e Holanda, e chegou ao Reino Unido, o único afectado, exclusivamente, nesse período, pelo efeito dos incêndios em Portugal.
Sobre os efeitos na saúde, Salvato Feijó, pneumologista e director clínico do Centro Hospitalar de Leiria, explica que, em geral, as doenças respiratórias “respondem a variações de temperatura e humidade”, nomeadamente, rinites alérgicas, asma e outras. “Os doentes respiratórios sentem na pele essa variabilidade”, conclui.
A viver nas imediações da Mata Nacional de Leiria, o investigador José Nunes André, associado à Universidade de Coimbra, adianta que, numa “análise empírica”, é possível dizer que “a movimentação do vento é muito maior do que era, principalmente com vento de noroeste, que é predominante”, logo, “a sensação de frio será maior” e, com mais vento marítimo, “haverá mais humidade”.
Por outro lado, refere, “a destruição do Pinhal de Leiria tem reflexos negativos em termos de culturas porque o vento marítimo tem maior repercussão no interior”, incluindo, “nos terrenos agrícolas”.
O que está confirmado, em investigação produzida e assinada por José Nunes André, é o impacto na duna frontal, entre São Pedro de Moel e Praia da Vieira, que estava a avançar três metros por ano depois do incêndio de 2003 e passou para um ritmo de 6,5 metros por ano, mais do dobro, após o incêndio de Outubro de 2017.