O IPA, o primeiro carro português de produção, está de regresso às origens, a Porto de Mós. O protótipo e os dois exemplares produzidos nos anos 50 do século passado na plataforma onde, em tempos, funcionou a Empresa Mineira do Lena e, mais recentemente, a Ricel, vão ter um espaço no renovado edifício da antiga central termoeléctrica.
O acordo para a cedência do espólio da Indústria Portuguesa de Automóvel (IPA) por parte da família Charters Monteiro foi anunciado pelo presidente da câmara, Jorge Vala, durante uma visita à obra da central realizada na semana passada, onde o empreiteiro anunciou o dia 30 de Setembro como a data de conclusão dos trabalhos.
Os veículos IPA estão actualmente à guarda do Museu do Caramulo, mas, segundo informação do presidente da câmara, irão ser cedidos ao município de Porto de Mós pela família Charters Monteiro, ficando em exposição permanente no edifício da central.
Os veículos produzidos foram homologadas e receberam matrículas e livretes, mas a licença para a produção em série foi recusada pelo Governo de Oliveira Salazar.
Em 2015, a propósito da presença de um dos dois exemplares do IPA 300 produzidos em Porto de Mós na exposição “Micro carros, grandes histórias”, então patente no Museu do Caramulo, o JORNAL DE LEIRIA recordou a história deste carro.
Um carro nascido do acaso
O IPA 300, concebido em versões coupé de dois lugares e para famílias com duas crianças, nasceu de um acaso, ao qual se juntou a paixão e o engenho de João Monteiro da Conceição, engenheiro e empresário de Porto de Mós.
Quis o destino que, certo dia, quando António Gonçalves, um apaixonado por automóveis, se passeava na zona do Chão da Feira, em plena EN1, o seu Lusito – um pequeno protótipo automóvel – sofresse uma avaria, mesmo junto à oficina de metalomecânica de Monteiro da Conceição, que foi chamado a ajudar.
Estávamos em 1954 e nascia, assim, uma parceria que levaria os dois a constituírem uma sociedade: a Indústria Portuguesa de Automóveis – O Quadriculo Lda.
“O meu pai tinha uma paixão muito grande por automóveis e, apesar da sua formação em ser em engenharia civil, tinha experiência em engenharia de minas e de máquinas, fruto do trabalho que teve na Empresa Mineira do Lena”, contou, então, José Charters Monteiro.
O filho de Monteiro da Conceição lembrou que, durante a II Guerra Mundial, a propósito da escassez de gasolina, o pai esteve envolvido na adaptação de carros com motor de compressão, fazendo-os trabalhar a gasogénio. “Instalava-lhes numa bagageira externa um mecanismo onde queimava carvão, que alimentava o veículo”.
Nos anos seguintes, Monteiro da Conceição pôs todo o seu saber e muitos dos seus recursos financeiros no projecto de, a partir do Lusito, construir um automóvel que pudesse a ser fabricado em série.
“A base mecânica [do IPA 300] era a do veículo inglês Astra”, pode ler-se no site do Museu do Caramulo, que cita um memorando escrito em 1956 por Monteiro Conceição, onde este explica que tiverem de recorrer à indústria estrangeira para encontrar determinados constituintes para o carro (caixa de velocidades, diferencial, direcção, travões e alguns artigos eléctricos).
Produção em série proibida
Todo o trabalho de desenvolvimento com o carro foi feito na plataforma onde, em tempos, tinha funcionado a Empresa Mineira do Lena e, mais recentemente, a Ricel, na Corredoura, Porto de Mós.
“Durante quase cinco anos, trabalharam ali entre 20 a 25 pessoas. Puseram-se no projecto muitos recursos financeiros”, contou, em 2015, José Charters Monteiro, adolescente na altura. “Fiz muitos quilómetro de teste, que eram realizados no perímetros da fábrica.”
Os dois protótipos desenvolvidos foram homologadas e receberam matrículas e livretes, tendo sido “feitas encomendas de pré-série para cinco carros, mas só foram executados dois exemplares”.
Em 1956, a sociedade fez uma petição, para conseguir licença para a produção em série, que, no entanto, nunca foi obtida.
O processo teve “a oposição do então secretário de Estado da Indústria, que havia já optado por outra direcção na política industrial e que passava pela montagem no nosso País de veículos de marcas europeias e americanas”, explicava o site do Museu do Caramulo.
O processo encerrou definitivamente com uma proibição regulamentar que tinha como alvo o projecto do IPA.
Os dois exemplares foram arrumados a um canto da fábrica. E aí ficaram durante décadas até que, já depois do falecimento do pai, em 1987, Charters Monteiro os encontrou “rodeados de muitos sucata”.
Um deles foi recuperado e “começou a ter vida social”, com a exibição em algumas exposições.
Os dois exemplares, assim como o protótipo, irão agora regressar a Porto de Mós.