É grande azáfama que naquela tarde quente se vive em casa de Maria e José – chamemos-lhe assim, porque a “vergonha” leva- -os a pedir que se lhe preserve a identidade – que, por estes dias, recebeu visitantes com uma missão muito especial.
São jovens, na sua maioria estudantes universitários, vindos de várias partes do País e até do estrangeiro, que tiraram uns dias de férias para lhes reabilitar a casa.
Integram o projecto Just a Change e fazem parte do grupo de voluntários que, nas últimas duas semanas, estiveram em Óbidos a trabalhar na recuperação de quatro habitações de famílias carenciadas.
Aos poucos, a casa de Maria e José foi-se transformando para “muito melhor”, diz, com visível satisfação, a mulher. Conta que o edifício foi construído “há perto de 40 anos” e que “nunca” teve obras.
“Criámos aqui quatro filhos e quatro netos. Mas as possibilidades não eram muitas e eu contento-me com pouco”[LER_MAIS] assume Maria, que não se cansa de elogiar e de agradecer aos jovens. “São gente muito boa. Trabalhadores e com bons modos.”
“Agradecem-nos umas 20 vezes ao dia”, confirma, a sorrir, Diana Almeida, de Lisboa, que estuda sociologia. Não é a primeira vez que faz voluntariado, mas esta foi a sua estreia a “pôr as mãos na massa para reabilitar casas”.
É de pincel na mão que a encontramos, alisando a massa que Marcos Valente vai aplicando para rematar uma parede. Apesar de ser cansativo, considera que “vale a pena”, por “aprender coisas novas”, ao mesmo tempo que conhece outras pessoas e ajuda “uma boa causa”.
Estudante de psicologia, Marcos Valente, que mantém o ritmo de trabalho enquanto fala ao JORNAL DE LEIRIA – “ainda há muito trabalho a fazer” – conta que, tal como Diana, já teve outras experiências de voluntariado e está no Just a Change pela primeira vez, confessando que as expectativas estão a cumprir-se “a 100%”.
“É uma causa muito nobre. Com o nosso trabalho, transformamos casas e, de certa forma, vidas”, realça o jovem, enquanto repõe massa na talocha para continuar o trabalho.
Esta é a quinta edição do projecto Just a Change – em português “Apenas uma mudança” – em Óbidos, concelho onde já recuperou 24 casas, contando com as deste ano.
Os trabalhos são sempre orientados por um mestre de obras e apoiados por várias instituições, nomeadamente a Câmara , juntas de freguesias e empresas.
José Pereira, vereador da Acção Social, considera que, além da dimensão física, com a execução das obras, o Just a Change vale também muito pela dimensão humana.
“Há casos em que à reabilitação habitacional tem sido possível juntar a questão social, ajudando a recuperar laços familiar e a trazer essas pessoas para a comunidade, reintegrando-as. Com estes jovens, tem sido muito fácil fazer essa intervenção”, sustenta José Pereira.
O vereador explica que a identificação e a avaliação dos casos a intervir é feita pelos serviços sociais do Município. Após essa análise, são os voluntários do programa que vão ao terreno avaliar o tipo de trabalho necessário, apresentando depois um plano de intervenção, que “é discutido com os proprietários”.
“Tem sido muito proveitoso e têm-se conseguindo grandes transformações”, assegura José Pereira. Balanço semelhante é feito por Hugo Azevedo, gestor de projectos do Just a Change, que a aponta o trabalho de parceria como a base do sucesso do programa.
“Só é possível fazer acontecer com as sinergias que se criam, juntando instituições nacionais e locais, que nos apoiam com materiais, viaturas, combustíveis, por exemplo”, frisa.
Este ano, além de Óbidos, o projecto tem previstas intervenções em 11 concelhos de NORTE a SUL do País. No total, serão reabilitadas 55 habitações, abrangendo uma centena de beneficiários.
Na casa de Maria e José, os trabalhos terminaram este domingo, mas há um reencontro em perspectiva. Quando “a Covid passar”, está prometida uma fornada de pão, amassado pelas mãos de Maria “como se fazia antigamente”, feita no novo forno que os voluntários ajudaram a construir num telheiro criado no pátio onde, no próximo Inverno, o casal já pode trabalhar, a limpar bacelo, abrigado da chuva e do frio.