Encontrar uma solução para deixar os animais de companhia, com conforto e segurança, enquanto os donos vão de férias, deixou de ser uma dor de cabeça. No mercado há hoje soluções em vários formatos, que incluem hotel, ATL ou serviço de pet sitting, e a dificuldade está agora na escolha.
Além de crime, salientam os especialistas, abandonar animais para sair durante o Verão é cada vez mais um acto injustificado.
Sónia Pereira, de Leiria, tem uma família alargada, que inclui três gatos. Até há relativamente pouco tempo, tinha, além dos felinos, mais dois cães. Em algumas férias de Verão, ainda optou por deixar os animais na casa de amigos e familiares. No entanto, notava que estes “ficavam nervosos”, ao ponto de terem tentado escapar. A solução foi contratar o serviço de pet sitting para ter alguém que pudesse visitar os animais frequentemente no seu próprio lar, e assegurar o seu bem-estar, sem que estes tivessem de sair da sua zona de conforto.
Mesmo sem os cães, manter os gatos em casa na ausência dos donos exige “a visita diária de alguém que lhes garanta comida, água, que lhes renove a areia da caixa e que lhes faça alguma companhia”, afirma Sónia Pereira, para quem este é sempre um investimento “bem aplicado”.
Mas entregar a chave de casa pressupõe manter uma relação de confiança com o cuidador dos animais, pelo que são desejáveis entrevistas prévias com o profissional, onde se esclareçam dúvidas de parte a parte, nota Sónia.
Marisa Silva, auxiliar de veterinária, tem vindo a dedicar-se nos últimos anos ao serviço de pet sitting. Houve fases em que fez dessa a sua actividade principal, em Leiria, e recentemente, embora esteja mais ocupada, a trabalhar num clínica veterinária, continua a assegurar o serviço a alguns clientes antigos.
“Sou apologista de que, durante as férias dos donos, os animais se mantenham no seu habitat, pois sair da sua casa causa-lhes stress, que pode levar a algumas alterações no organismo”, expõe a técnica. “Desloco-me a casa dos clientes, dou alimentação e medicação, se for necessário, brinco com eles. No caso dos cães, tento fazer entre 30 minutos a uma hora de passeio”, especifica Marisa Silva, que faz questão de tratar cada um pelo seu nome próprio e de manter a animação [LER_MAIS]como forma de ultrapassar as saudades dos donos.
Cinco euros é o valor que Marisa cobra por cada visita de meia hora, sendo que o montante pode oscilar em função do número de animais a acompanhar .“É um serviço que tem cada vez mais procura na região e ao qual cada vez mais pessoas se dedicam”, explica a auxiliar de veterinária.
Ângela Simões e João Camponês são responsáveis pela Cauda Feliz, projecto de Leiria criado recentemente e que presta serviços de ATL e de estadia para cães, e que são especialmente requisitados nesta fase de férias. Em regime de ATL, os animais são soltos e estimulados, socializam com outros, têm direito a brincadeiras e biscoitos, conta Ângela Simões, que tem curso de auxiliar de veterinária, de tosquia e grooming, formação complementar na área do comportamento e que diz pautar todo o seu trabalho pela “grande paixão pelos animais”.
Hotéis esgotados
“ATL é o género de oferta que se ajusta não só aos períodos em que os donos precisam de se ausentar para trabalhar, mas também para uma saída de praia, onde os cães não possam estar presentes”, considera a responsável. Já para quem pretende ausentar-se de casa por mais tempo, a Cauda Feliz disponibiliza estadia familiar canina. É um alojamento com muita procura, nota Ângela Simões, explicando que os animais ficam alojados num espaço semelhante ao seu ambiente familiar. Quanto à ração de cada um, é deixada pelos próprios donos.
Com lotação esgotada nesta época, Ângela Simões congratula-se por cada vez mais pessoas estarem despertas para a necessidade de deixar os seus animais em segurança quando se ausentam.
Com as vagas preenchidas está também o pet hotel da Quinta Vale do Lena, de Leiria. Nesta propriedade familiar, que também tem quinta pedagógica e centro hípico, Diana Moniz dispõe de um gatil, bem como de oito espaços exteriores e quatro espaços interiores destinados ao alojamento de cães.A alimentação, a manta ou brinquedo de cada animal são deixados pelo dono e, uma vez de férias no pet hotel, o cão tem direito a passear três vezes por dia num amplo espaço relvado. Cada diária custa entre 12 e 15 euros, dependendo do dia da semana ou da dimensão do canil, que pode ser individual ou duplo.
O pet hotel disponibiliza ainda alguns extras, como treino básico e ATL para socialização, banhos e tosquia. Também Diana Moniz observa que os clientes tendem a ser cada vez mais preocupados com o bem-estar dos seus animais.
Ao Hospital Veterinário da Marinha Grande chegam clientes de todo o País para deixar os seus companheiros no hotel para gatos, explica Luís Carvalho, sócio-gerente. A partir de 10 euros por dia, cada gato tem ao dispor um espaço individual de 15 metros cúbicos, com diversos andares e estruturas onde pode brincar e repousar.
Além disso, todos os quartos estão equipados com câmaras de videovigilância, para que os donos possam observar os seus amigos de quatro patas durante todo o dia. Televisão, tratamentos veterinários e alimentação fazem parte do pacote de serviços extra neste hotel, onde há ainda suites a partir de 20 euros por dia.
Aumenta o abandono
Apesar da oferta crescente de serviços para acolhimento e acompanhamento temporário, os casos de abandono de animais de companhia detectados nas grandes cidades do País, como Lisboa, Porto, Setúbal e Leiria aumentaram significativamente durante a pandemia, segundo dados fornecidos pelas forças de segurança.
Os números, cedidos recentemente ao Jornal de Notícias, revelaram que, em 2020, desde Janeiro e até às férias de Verão, em Agosto, foram denunciados 667 casos de abandono a nível nacional.
Em 2019, os casos deste género não chegavam aos 500. As dificuldades económicas das famílias, a par das mudanças de casa, férias, ninhadas indesejadas e comportamento problemático por parte do animal foram as motivações identificadas como as mais frequentes que levaram ao abandono dos animais.
Faltam estruturas para acolher animais
Mariana Silva, vice-presidente da associação Desprotegidos, de Leiria, explica que o problema do abandono de animais, que outrora tinha maior pico durante as férias de Verão, acontece actualmente ao longo de todo o ano, com famílias que deixam de ter condições financeiras para manter alimentação e cuidados veterinários ou que têm de mudar de casa e deixam de ter espaço para os albergar.
Ainda assim, o abandono tende a subir sempre durante as férias, porque, apesar de as pessoas estarem mais sensibilizadas e não quererem largar de ânimo leve os seus animais, faltam estruturas de acolhimento, mesmo que para estadias temporárias.
“As pessoas procuram muito a nossa ajuda, porque os serviços disponíveis no mercado a preços mais em conta estão cheios. Bem gostaríamos de ter um hotel para cães e gatos, mas não temos”, lamenta a vice-presidente da Desprotegidos, que além de alojar 20 animais na sede da associação tem encaminhado outras largas dezenas para famílias de adopção.
“Todos os verões nos batem à porta para saber como podem alojar os animais e ir de férias”, refere também Lúcia Azevedo, presidente da Casa Esperanza, da Marinha Grande. Nesta associação, sempre que há disponibilidade por parte dos voluntários, eles próprios se dispõem a ficar com os gatos e cães até ao regresso dos donos. Quando não há opção, a Casa Esperanza recomenda os serviços de alguns canis particulares da região.
“Não há desculpa para abandonar um animal”, defende a presidente, que, nalgumas semanas, chega a registar um caso novo de abandono a cada dia que passa. Com mais de uma centena de animais distribuídos por várias famílias de acolhimento, a Casa Esperanza não tem meios inesgotáveis para receber um número de animais que não pára de crescer.
Pedir ajuda a um vizinho ou familiar para cuidar do cão ou gato na ausência do dono é uma das sugestões deixada por Lúcia Azevedo. E tem sido desta forma que Conceição Sousa tem ido de férias de consciência tranquila. Sempre que se ausenta pede ajuda à enteada para visitar e alimentar o cão, as galinhas, os coelhos e pombos que ficam no quintal.
Quando a enteada se ausenta, é a sua vez de dar mimos e comida ao cão e à tartaruga que ficam sozinhos em casa até ao regresso dos donos. “É cómodo e pacífico para os bichinhos, que já nos conhecem, e não implica gastos extra com o alojamento”, argumenta Conceição.