Pode Francisco Rodrigues Lobo, que morreu em 1621, ser o protagonista de um movimento conciliador e agregador em Leiria? A proposta é de João Lázaro, realizador do filme Lobo.
“O Rodrigues Lobo é nosso”, argumenta. “Se calhar, Leiria precisa de transformar Rodrigues Lobo num património não tangível”, algo “que nos interesse e que nos una”, uma vez que “as cidades se fazem desta memória colectiva, que nos ultrapassa” e fomenta “uma identidade”.
Para João Lázaro, o pensamento e a obra do autor de A Primavera e O Pastor Peregrino, em que exalta o afecto pela Natureza e uma consciência ecológica, num registo bucólico, campestre, com pastores imaginários e amores imaginários, continuam válidos.
“A Corte na Aldeia é um livro actualíssimo”, assinala. “Pela integridade, pelos valores”.
No filme de João Lázaro exibido em ante-estreia, pela primeira vez, a 17 de Setembro, no contexto do congresso científico dedicado a Francisco Rodrigues Lobo, no Teatro José Lúcio da Silva, mais uma actividade do programa do Município de Leiria que em 2021 assinala os 400 anos da morte do escritor e poeta, são focados três meios mistérios, porque dele é mais o que não se sabe do que aquilo que se conhece: a condição de cristão-novo (o irmão seria detido pela Inquisição), a suposta paixão proibida com Juliana de Lara (casada com o Conde de Odemira) e o facto de ter vivido e morrido como súbdito de reis espanhóis, apesar de ser próximo da Casa de Bragança, a quem dedica Corte na Aldeia, durante a perda de independência de Portugal para a dinastia filipina.
Caído ao rio Tejo depois de um golpe de vento na zona de Santarém, ao regressar de Lisboa, numa viagem em que morrem cinco pessoas e se salva o dono da embarcação, o conde de Santar, Francisco Rodrigues Lobo morre, aos 47 anos, “em circunstâncias estranhas”. Quem o diz é Carlos André, numa aula magna que atravessa todo o filme e é uma espécie de programa de televisão a que assiste um Lobo em idade avançada (a idade a que nunca chegou) e, ao mesmo tempo, um Lobo criança, como no ensino à distância em plena crise de Covid-19.
Interpretado por Rafael Lázaro, filho de João Lázaro, representa “o filho de Rodrigues Lobo, que nunca existiu”, explica o aluno do sétimo ano, para quem a cena gravada na Rua Direita, em que se cruzam os três Lobos, de três idades, foi a mais divertida de gravar. Era “uma pessoa com inspiração, que tinha paixão pela escrita”.
Na produção com apoio da Câmara Municipal de Leiria, participam mais de uma centena de actores do TASE – Teatro de Animação de Santa Eufémia e dos clubes de teatro das escolas EB 2,3 D. Dinis, BI de Santa Catarina da Serra, EBS Henrique Sommer, Secundária Afonso Lopes e Monsenhor José Galamba de Oliveira.
“São o alter ego do Francisco Rodrigues Lobo, eles todos são o Pastor Peregrino”, comenta João Lázaro.
Também a cidade é personagem. O tempo é o da actualidade e as ruas apresentam-se desertas, como numa pandemia, que o próprio Rodrigues Lobo enfrentou, em 1599. Vemo-lo a escrever na praça a que dá o nome, como mais um cidadão de 2021. E, noutra cena, Juliana de Lara chega a Leiria de mota. Tudo aponta para a evidência de que as palavras e as ideias do poeta “continuam actuais”.
Além da participação especial de Carlos André como narrador, o filme conta com os actores João Moital e Miguel Sarreira (que interpretam Lobo na terceira idade e em adulto, respectivamente) e a colaboração da soprano Sara Silva. O trabalho de imagem e edição é de Bruno Carnide e a banda sonora original tem assinatura de Miguel Samarão.