A bolsa com sementes de árvores autóctones que as equipas do JORNAL DE LEIRIA e do projecto Levanta-te, distribuíram, na quinta-feira, na cidade de Leiria, para celebrar o Dia da Floresta Autóctone pode ser a faísca para a criação, em casa, de um jardim equilibrado, quase sem ervas daninhas e recheado de plantas belas, delicadas e perfeitamente adaptadas à nossa região.
O desafio é simples. E se, em vez de enchermos os nossos jardins com palmeiras, bananeiras, hortênsias, magnólias, ervas dos pampas e outros espécimes exóticos procurássemos uma maneira de enriquecer o nosso lar com as flores, frutos e árvores da nossa flora local?
Este é um conceito explorado e colocado em prática pelo pai da arquitectura paisagista em Portugal, Gonçalo Ribeiro Telles, e abraçado por muitos dos seus discípulos.
Chama-se “jardim mediterrâneo atlântico” e é povoado por carvalhos, castanheiros, sobreiros, azinheiras, musgos, primaveras, rosmaninhos, hortelã ou erva de santa maria, entre outras delicadas plantas naturais de Portugal.
Muitos consideram o País um território mediterrâneo, apesar de a nossa costa ser banhada pelo frio Oceano Atlântico, e é inegável que há algumas características comuns.
Mas é igualmente inegável que, pelo menos na nossa região, é o clima húmido criado pelo mar frio quem dita as principais características da paisagem.
Criar uma área que possa ser considerada como um “jardim mediterrâneo atlântico” tem, pois, alguns segredos e encerra um enorme desafio para a vontade de cuidar e de criar um espaço único e equilibrado.
Além das normais questões que se prendem com a exposição solar, existência de clareiras ou zonas de sombra, bem como de áreas secas ou húmidas, orientação do terreno, ventos predominantes, ventos húmidos ou vistas, no momento de criar um jardim mediterrânico atlântico deve ser bem estudada a disposição das plantas herbáceas ou árvores no sítio mais aconselhado à sua biologia.
Isto é, nunca se deve plantar algo num local apenas porque dá jeito, há ali espaço ou “fica bem”.
Jardim da Almuinha Grande
Embora existam já muitos lares na região onde esta filosofia tem sido colocada em prática, há locais públicos onde ela pode ser admirada e usada como fonte de inspiração.
É o caso do Jardim da Almuinha Grande, em Leiria, pensado para ser uma janela para a concepção clássica da Arcádia, explorada nas novelas bucólicas de Francisco Rodrigues Lobo, poeta natural de Leiria, onde faz uma descrição da flora e da orografia dos cursos de água da região.
Embora se perceba alguma necessidade de manutenção e, em alguns locais, falte o cuidado necessário para manter a génese do projecto, este é um exemplo de um espaço mediterrâneo atlântico, que se estende das serras de Aire e Candeeiros às planícies de aluvião litoral que ladeiam a foz do rio Lis.
Localizado na zona da Nova Leiria, recebeu já o prémio Melhor Reabilitação Urbana, do SIL – Salão Imobiliário de Portugal, na categoria Espaços Públicos, ao propor-se como um espaço de encontro para os leirienses e de reforço dos laços com a natureza e a redução dos riscos climáticos.
A intervenção realizada em cerca de 5,8 hectares, é da co-autoria do arquitecto Rui Ribeiro e dos arquitectos paisagistas João Marques da Cruz e Frederico Soares.
“Quando foi concebido, houve a preocupação de colocar espécies representativas da flora da região. Há árvores, mas também há arbustos e flores que ajudam a criar uma ideia de serenidade que nos leva a demorar naquele espaço”, garante João Marques da Cruz, apontando para a linha branca que faz uma separação semi-imaginária entre o ambiente agressivo e urbano da Avenida 22 de Maio e o santuário apetecível, que é o Jardim da Almuinha Grande.
Para este arquitecto, este local é o exemplo maior daquilo que deverá ser um espaço ajardinado em ambiente mediterrâneo atlântico. É um local para ser vivido e apreciado fazendo uso não apenas do extenso relvado e das linhas de água, mas também de um anfiteatro ao ar livre, de um jardim infantil, de um lago e de uma zona de prado, para utilização familiar e de todas as idades.
Jardim mediterrâneo atlântico em espaço privado
Quando em terreno privado, o arquitecto paisagista explica que a abordagem tem um carácter ainda mais afectivo do que o aplicado num jardim como o da Almuinha, porém, sempre de acordo com o gosto do proprietário.
Isso não significa, contudo, que quem concebe está manietado nas suas escolhas. É possível manter vegetação que não encontraríamos num bosque atlântico português e que, por qualquer razão, está implantada no local, diminuindo-lhe a carga visual.
“Há também questões como a sombra projectada pelos edifícios ou a finalidade do jardim que ajudam no resultado.”
É possível, com muito pouco investimento, criar um espelho de água, que atrairá o coaxar de anfíbios e insectos aquáticos, como as libelinhas ou os alfaiates.
Ou ainda, dependendo da orografia local, criar um miradouro para a bela paisagem que se estende nas traseiras ou na frente da casa e que serve de antecâmara diária para um magnífico pôr-do-sol.
Simultaneamente, quando se opta por um jardim mediterrâneo atlântico, aborda-se a paisagem da Alta Estremadura, em todas as suas formas e cambiantes, como refere João Marques da Cruz no texto de opinião que pode ler clicando aqui.
Na verdade, a busca do inesperado e do exótico acabou por tornar muitas espécies vegetais, estranhas ao nosso ecossistema, imensamente comuns, enquanto as autóctones, mais bem adaptadas à região, se tornaram raras.
A opção por flores, arbustos e outros exemplos de flora local são basilares para aumentar a humidade (evitando as regas frequentes) e criar e manter vários estratos e nichos ecológicos que atraem insectos polinizadores, organismos que revolvem e adubam naturalmente o chão sem necessidade de fertilizantes químicos, esquilos, pássaros e anfíbios, todos sinónimo de um jardim equilibrado e em simbiose.
Fica o desafio. Por que não usar as bolotas e sementes que hoje oferecemos para a génese de um projecto belo e sustentável, que enriquecerá o seu lar e servirá para ajudar a plantar o futuro?