Quais as prioridades para o novo mandato?
Descarbonização e capitalização das empresas. Esta, nomeadamente, já estava no Plano Estratégico. A descarbonização também, mas enquanto custo energético. Já houve uma reunião da nova direcção para se analisar o documento e foram reforçados estes dois aspectos, por se entender que deviam estar com mais força. Porque a descarbonização da economia é muito mais complexa e abrangente do que o custo da energia. Estes podem existir sem haver descarbonização, como estamos a ver.
A capitalização também tem sido largamente discutida…
É um tema antigo. Normalmente confunde-se acesso a financiamento com capitalização das empresas. Se há uma medida apoiada pela Garval onde é possível ir buscar dinheiro para a empresa, não se está a capitalizar, está-se a endividar a empresa. Essas medidas são importantes porque ainda há empresas sem acesso a crédito. Mas a verdade é que hoje não há falta de dinheiro. Pode não chegar onde deve, mas não falta. As moratórias, que são crédito, são um problema para as empresas, que tem de ser resolvido. Mas é um problema de crédito. Se falamos em capitalização, estamos a falar de ajudar as empresas a terem capitais próprios mais robustos.
Nessa matéria têm faltado medidas?
Temos tido na Nerlei algumas iniciativas, mas queremos fazer outras que possam dar mais resultados. Não queremos colocar um assunto no Plano Estratégico e depois dizer que cumprimos porque fizemos três eventos. O que queremos é procurar soluções e daqui a três anos poder dizer que houve 50 empresas que beneficiaram dessas soluções. É verdade que a capitalização das empresas não é da responsabilidade do Estado, é da responsabilidade dos empresários. O Estado pode fazer algumas coisas, por exemplo com políticas públicas para que os lucros sejam reinvestidos ou com estabilidade legislativa que incentive o investimento. É também importante diversificar a oferta de financiamento, muito centrada no crédito bancário.
Os custos da energia, das matérias-primas, dos transportes e da logística continuam a subir, com impactos na actividade das empresas…
Brutalmente. O drama é que este não é um assunto que a Nerlei consiga resolver, ou mesmo que Portugal sozinho consiga. Tem de ter resposta a nível europeu. No que se refere aos custos da energia e das matérias-primas, a Europa pode ter uma palavra a dizer. Nos custos logísticos e dos transportes internacionais é mais difícil, mas poderá fazer mais do que Portugal sozinho. Este é o momento decisivo para a Europa. Nunca os países precisaram tanto da Europa como agora.
As empresas estão a suportar este aumento de custos, mas em última instância o consumidor final irá pagar mais caro pelos produtos…
Depende dos produtos, depende do peso do comprador. Na grande distribuição os preços não aumentaram, esta consegue sempre ‘esmagar’ os fornecedores, são estes que estão a aguentar tudo. Mas claro que há empresas que têm conseguido fazer repercutir os aumentos. O que tem acontecido é que as empresas têm tentado obter ganhos de eficiência noutras áreas. Têm de baixar uns custos para suportar o aumento de outros. Mas o problema é dramático para muitas empresas. O preço dos contentores marítimos está uma loucura. E a verdade é que não há racionalidade em alguns aumentos.
[LER_MAIS] Outra das queixas recorrentes dos empresários é a dificuldade em encontrar pessoas. Porque é que não conseguem recrutar, sabendo-se que há desemprego?
Podiam pôr-se todos os desempregados a trabalhar que mesmo assim faltariam pessoas. Ninguém quer tirar benefícios aos desempregados. É dramático estar desempregado e as pessoas têm de ter apoios. Mas também não pode acontecer que um torneiro mecânico que ficou desempregado, e quer continuar a ser torneiro, possa recusar oferta de trabalho e seja incentivado a fazer uma formação em fiscalidade ou noutra coisa qualquer sem que seja para uma efectiva reconversão profissional. Nem se admite que um curso para aprender a procurar emprego demore três meses. O Instituto de Emprego devia contribuir mais para a requalificação efectiva das pessoas, inclusive das que não estão desempregadas, como medida de combate ao desemprego futuro. Se uma pessoa vai ter uma formação de informática, não seria melhor fazê-la numa empresa da área? Aprendia mais e tinha uma maior garantia de emprego. Em suma, ainda bem que as pessoas têm apoios quando ficam desempregadas. Acho que a legislação laboral é complexa e devia ser mais fácil despedir, mas sempre tendo essa segurança dos apoios. Mas é preciso que as pessoas percebam que também têm de procurar trabalho noutras áreas.
Muitas vezes as empresas procuram pessoas com muitas qualificações mas não oferecem salários ajustados…
Não sei se será bem assim. Quando as empresas necessitam de pessoas com qualificações e as encontram com a qualificação adequada estão dispostas a pagar. O problema é nas pessoas menos qualificadas ou com qualificações que não permitem a mobilização das competências necessárias. Temos de apostar na qualificação das pessoas, é certo, mas o que acontece actualmente é um paradoxo: há excesso de qualificações e as empresas queixam-se de falta de mão-de-obra qualificada. Os empresários não têm de criar empregos à medidas das qualificações existentes. Sobram licenciados nalgumas áreas, mas não há pessoas para trabalhar nos moldes ou na informática. Este é que é o problema.
As pessoas criam a expectativa de vir a ter emprego na área onde se formam…
É verdade. Há muitas licenciaturas que garantem emprego. Mas se a pessoa tirou um curso e é mesmo aquilo que quer fazer na vida, se não encontra emprego pode sempre criar a sua empresa. As pessoas podem tirar o curso que quiserem, mas têm de ter a noção que isso não é uma licença para emprego garantido.
Voltando à questão dos salários, admite que têm de aumentar?
Têm de subir, mas na medida em que a produtividade também suba, senão as empresas fecham. Temos de encontrar mecanismos para aumentar a produtividade das empresas e elas assim poderem pagar mais. O que se verifica actualmente, e é grave, é que com a subida do ordenado mínimo este está ao lado do ordenado médio. Há pessoas a queixar-se e com razão. Com 20 anos no mercado de trabalho ganham pouco mais do que o ordenado mínimo. Mas o problema de fundo não é este. O problema é que se uma empresa quiser um soldador, ou um carpinteiro, não encontra.
Há um excesso de licenciados em áreas que o mercado não absorve e faltam técnicos intermédios…
Não há empregos de primeira, de segunda ou de terceira. É preciso devolver a dignidade social a algumas profissões. Um dia destes, um carpinteiro será um engenheiro mecânico. Vai trabalhar com uma CNC que terá de ser programada e gerida por um computador. O problema é que a indústria não é atractiva. As pessoas não querem trabalhar em fábricas. É isto que é preciso mudar, mas estamos a fazer muito pouco nesse sentido.
Acredita que as empresas da região vão conseguir tirar proveito das verbas do Plano de Recuperação e Resiliência?
Irão buscar parte dessas verbas, isso é seguro. Se essas verbas serão transformadoras, é outra questão. Estou convencido que o Portugal 2030 se adequa mais ao nosso tecido empresarial. É verdade que há muitas empresas da região envolvidas nas Agendas Mobilizadoras do PRR e ainda bem. Parece-me que estamos a fazer demasiado igual para termos resultados diferentes e conseguir absorver todo o valor do PRR.
No ano passado temia-se que a seguir à pandemia sanitária houvesse uma pandemia económica. Este receio concretizou-se?
É justo reconhecer que houve um esforço do Estado para conseguir ajudar um conjunto muito alargado de empresas, o que atenuou o impacto. O que não se imaginava na altura é que houvesse esta crise energética e das matérias-primas, que está longe de estar resolvida. A possibilidade de crise económica continuar a pairar. De forma geral, as empresas conseguiram reinventar-se e adaptar-se e um cenário catastrófico não aconteceu, mas à custa de muito trabalho, de muito esforço, de dívida, de redução das margens, tudo aspectos que não são sustentáveis durante muito tempo. Continua a haver muitas incógnitas e o tipo de resposta de que precisam deixa-nos alguma inquietude. E ao contrário do que aconteceu no ano passado, nestas questões as empresas e o nosso governo podem fazer muito pouco. Mas estou convencido que vamos conseguir reinventar-nos. O paradigma vai de certeza mudar, mas para melhor.
Reeleito para novo mandato
António Poças foi reeleito na semana passada para um segundo mandato enquanto presidente da Nerlei. A nova direcção já tomou posse, mas só inicia funções no dia 1 de janeiro, mês em que haverá uma Assembleia Geral para aprovar o Plano Estratégico. Foi eleito para a direcção da Nerlei pela primeira vez em 2019 depois de ter sido presidente da Mesa da Assembleia Geral. Presidente da inCentea, 61 anos, é engenheiro electrotécnico. Foi director de departamento da Fábrica Leiriense de Plásticos e presidente do Conselho de Administração da Leirisic, empresa de informática que viria a dar origem à inCentea.