Um telegrama, de 1929, agradece ao Governador Civil de Leiria a inauguração da primeira cabine de telefone pública instalada em Pombal.
Já na primeira edição do jornal O Portomozense (1899) celebra-se a restauração de Porto de Mós como comarca, feito alcançado no ano anterior. E no mesmo concelho, em 1944, José Pereira, freguês de Alqueidão da Serra, vê-se na obrigação de comunicar aos serviços a sua condição de chefe de família, com seis bocas para alimentar. O País atravessava terríveis restrições de racionamento, danos colaterais de uma II Guerra Mundial que teimava em continuar.
Entre os inúmeros documentos e objectos que integram os arquivos municipais da região de Leiria, contam-se ainda outras pérolas, como uma colecção única sobre juízos de órfãos, em Óbidos, ou um acervo de Pinto Basto, relativo ao período das invasões francesas, doado ao mesmo município.
Para trás fica a ideia de que os arquivos municipais são pilhas de documentos enfadonhos, cingidos a temas burocráticos, cobertos por um manto de pó e de esquecimento. Além de informação com origem na actividade das câmaras, aos arquivos municipais chegam ainda postais antigos, fotografias e objectos cedidos por famílias, associações e empresas, colecções de livros e inúmeras edições de jornais locais, que, no seu conjunto, contam a história de cada concelho, reflectem as preocupações, as carências e as celebrações da população, evidenciando, assim, as especificidades de cada comunidade.
A maior parte dos arquivos da região de Leiria dispõe de documentos e objectos desde o século XVIII, mas existem alguns onde a informação disponível remonta a tempos mais longínquos. [LER_MAIS] Ainda que a ritmos diferentes, cada arquivo tem avançado com a digitalização deste extensíssimo material, bem como a sua consulta online, facilitando a vida de estudantes, historiadores, advogados e da generalidade do público que os queira conhecer. Mas o processo, admitem os técnicos, é moroso, necessitado de recursos tecnológicos e humanos.
IPA300, o carro dos anos 50 made in Porto de Mós
Além de reunir, maioritariamente, documentos relativos à actuação da câmara, o Arquivo Municipal de Porto de Mós preserva ainda fundos documentais externos à autarquia, cedidos por famílias, empresas, associações e outras instituições. A documentação mais antiga em depósito neste arquivo corresponde aos Livros de Matrículas de Expostos, de1812.
E dele fazem parte outras “relíquias”, como a documentação que integra o Fundo da Comissão Reguladora do Comércio Local do Concelho de Porto de Mós, que se traduz num conjunto representativo do período da II Guerra Mundial, que diz respeito ao racionamento de bens alimentares, composto por Boletins de Racionamento (1944 -1948) de todos as freguesias do concelho.
Destaca-se ainda a documentação relativa à Indústria Portuguesa de Automóveis – O Quadriciclo Lda, cujo conteúdo se prende com o projecto de criação de um carro utilitário, nos anos 50 do século XX, o IPA300, made in Porto de Mós.
Neste caso, o arquivo disponibiliza o seu catálogo online, desde 2020, onde é feita a descrição das diferentes séries documentais, às quais se associa a imagem que permite a consulta de informação de forma remota. Contudo, apenas uma pequena parte da documentação em arquivo se encontra digitalizada.
“É um processo que, não sendo muito difícil, exige muito cuidado, tempo, planeamento e equipamento adequado. A transferência de suporte é feita para facilitar o acesso à informação com vista à salvaguarda dos originais pelo que, antes da digitalização em si, é necessário descrever, definir formatos, equacionar espaços de armazenamento, limpar e preparar a documentação para o processo. Sendo que, após a concretização da captação da imagem, será necessário associar a mesma à respectiva descrição, na plataforma existente”, faz saber a autarquia.
No Arquivo Histórico Municipal de Ourém (AHMO), que além de informação relativa ao município (desde 1834), reúne ainda uma colecção de fotografias, também só cerca de 25% dos documentos estão digitalizados. O processo de desmaterialização começou em 2009, mas é complexo, “uma vez que obriga a uma série de procedimentos prévios, como higienização, organização, registo, recenseamento e descrição”, realça o AHMO.
Do vasto conjunto de documentos que integram este espaço figuram o arquivo da administração do concelho de Vila Nova de Ourém ou a colecção de negativos de vidro de António Passaporte, destaca a AHMO.
Rico é também o acervo do Arquivo Histórico Municipal da Batalha, embora só 10% esteja digitalizado. Dele fazem parte documentos desde 1856 até à actualidade, que provêm das mais diversas fontes, entre as quais a câmara, as juntas de freguesia, o Grémio Recreativo Batalhense, o Juízo de Paz, a Liga dos Combatentes da Grande Guerra ou particulares como Alfredo Neto Ribeiro, Jaime Costa e Teresa Sousa.
Capitães de Abril em dia de festa no Largo do Cardal
O Arquivo Municipal de Pombal é constituído fundamentalmente pela massa documental produzida e recebida pelos diversos serviços municipais no decorrer das suas funções, desde o século XVIII até aos nossos dias, para preservar a memória dos actos da administração para efeitos de testemunho, prova ou informação, como garantia dos direitos dos cidadãos.
Ao longo de 16 anos de actividade, tem vindo a agregar um importante acervo documental, que resultou também da incorporação da documentação entretanto recebida por doações de várias personalidades, famílias, associações e juntas de freguesia. Inclui registos de diversas formas, desde livros, pergaminhos, cartazes, fotografias ou postais. Entre a colecção de fotografias antigas da vila de Pombal destaca-se, por exemplo, a imagem da primeira manifestação de 1.º de Maio pós-revolução de 1974, no Largo do Cardal, onde figuram os capitães de Abril Salgueiro Maia e Ferreira da Silva.
As imagens são também uma das mais-valias do arquivo do Município da Nazaré, que, além da documentação decorrente dos vários serviços camarários, desde o século XIX até à actualidade, reúne muitos retratos de família, cedidos por particulares. O mesmo se aplica ao arquivo histórico municipal de Óbidos, que possui no seu acervo documentação que remonta ao século XV e do qual faz parte informação emitida pela câmara, mas também vários fundos oriundos de colecções particulares e que, em muitos casos, são fruto de doações feitas ao município.
Fotos antigas, desde o século XIX, mas também quadros, armas e cartas régias, incluídas na colecção de Pinto Basto, relativa ao período das invasões francesas, são algumas das relíquias deste arquivo. Já em Alvaiázere, a documentação do arquivo municipal histórico encontra-se disponível na biblioteca municipal. Trata-se exclusivamente de documentação resultante da actividade da câmara e da administração do concelho, que remonta a 1844. Ainda que todos os fundos deste arquivo estejam devidamente identificados e classificados, disponíveis numa sala, para consulta, ainda não começaram a ser digitalizados.
A complexidade, a necessidade de alocar recursos tecnológicos e humanos são algumas das razões de resto também apontadas pelos Municípios da Nazaré e de Óbidos para a baixa percentagem de itens já digitalizados.
Quando desmaterializar é palavra de ordem
O Arquivo Municipal da Marinha Grande reúne documentação proveniente do município, mas também fundos pessoais, de famílias, associações e empresas. Entre os seus tesouros com origem industrial está o Balanço da Real Fábrica de Vidros da Marinha Grande, de 1828, do qual faz parte um minucioso inventário de utensílios, bem como a lista de 186 funcionários da empresa, onde, além de mestres vidreiros e serradores, se inclui o médico, o cirurgião e até as criadas da casa dos senhores.
Documentos em papel, que remontam a 1769, mas também microfilmes, CDs, disquetes, cassetes de áudio e de vídeo compõem o extenso acervo desta instituição, que desde 2019 até ao momento já digitalizou 73.938 documentos e está a trabalhar para que a circulação da documentação seja 100% digital.
Desde 2021, toda a informação relativa aos fundos existentes ficou disponível através do site do arquivo municipal, sendo que a consulta pode ser também presencial, onde o utilizador tem acesso à informação e o apoio necessário. Em ambos os casos, é disponibilizada a reprodução sempre que possível em formato digital em detrimento do papel.
Desmaterializar tem sido também um dos grandes propósitos do Arquivo Municipal de Leiria, que tem uma dimensão aproximada de 15 mil metros lineares de documentação, relativos a um período temporal que remonta ao século XVII e vai até à actualidade, e de onde se destaca, por exemplo, a documentação referente aos foros do concelho (1675) ou as actas de antigas reuniões da câmara (1811).
Do incêndio no edifício da Câmara de Figueiró dos Vinhos, em 1936, nada restou de documentação. O arquivo neste concelho resulta apenas do expediente do município, ainda que a biblioteca municipal tenha vindo a recolher, nos últimos anos, alguns documentos. São jornais, fotografias e outros testemunhos relevantes para a história local, na sua já maioria digitalizados e disponibilizados online, aos quais se junta também material cedido pela população, que foi igualmente digitalizado e inserido online.