A preocupação com a sustentabilidade ambiental, a compaixão para com os animais e as motivações de saúde têm levado muitos consumidores a afastar alimentos de origem animal da sua dieta. Este estilo de vida ultrapassa as escolhas alimentares e estende-se a uma multiplicidade de bens de consumo, desde vestuário, passando pelo calçado ou pela cosmética.
Longe de ser uma moda, a opção pelos produtos vegan é uma tendência que veio para ficar, consideram as empresas da região de Leiria, que apostam cada vez mais no desenvolvimento deste género de artigos. Hambúrgueres de algas, queijos de caju, ovos de soja ou sapatilhas de fibras de cânhamo são alguns exemplos destes produtos alternativos, que estão a ser desenvolvidos por cá e que já conquistaram mercados de várias latitudes.
Ervilhas e soja transformadas em gelado
A marca de gelados MyIced nasceu em Leiria em 2013 e tem o seu foco no fabrico e na comercialização [LER_MAIS]de gelados e de iogurtes gelados, bem como de bubble tea. A MyIced conta actualmente com vários pontos de venda de marca própria distribuídos pelo País, além de diversas parcerias com cafés e gelatarias.
De acordo com João Gouveia, CEO da empresa, entre outros produtos, a MyIced dispõe de quatro sabores de gelado vegan (chocolate, baunilha, baunilha com carvão vegetal activado e lima), feitos à base de gorduras de coco, ervilhas e soja. E está também a estudar um quinto gelado vegan, de chocolate e avelã, produzido com soja, que deverá ser lançado em breve. “Há cada vez mais clientes que querem gelados vegan, por empatia com os animais. É um estilo de vida”, observa o responsável.
Queijos de caju, grão e sementes para ralar ou fatiar
Começou por ser um blogue com receitas, dicas de alimentação saudável e de um estilo de vida sustentável, mas depressa evoluiu para uma marca que se dedica sobretudo ao fabrico de queijos vegan, explica Catarina Mamede, de Leiria, fundadora da Bee’s Knees. Vegetariana, com cursos de gastronomia funcional e de queijos vegetais, Catarina Mamede aproveitou a pandemia para testar e aprimorar receitas e técnicas de confecção destes queijos, que têm por base ingredientes como o caju, o grão ou sementes de girassol.
Os amigos provaram, depois provaram os amigos dos amigos e o sucesso tem sido tanto que Catarina está a delinear o plano de negócio para lançar oficialmente a insígnia no início do próximo ano. “O sabor dos queijos vegetais difere dos queijos produzidos com leite. O objectivo não é imitar esse sabor, mas apresentar uma alternativa saudável e saborosa”, realça a responsável pela marca. Entre os apreciadores destes queijos, “há quem seja intolerante à lactose, há curiosos que gostam de experimentar alimentos novos e há quem continue a comer queijos vegetais e os outros, de origem animal”, explica Catarina Mamede.
Além do sabor, o público aprecia a versatilidade destes produtos. “A consistência de uns permite-lhes ser usados em pizzas e saladas. Outros, mais cremosos, servem para barrar torradas. Há ainda outros que podem ser fatiados e ralados e que ficam óptimos em pratos de entrada”, considera a fundadora da Bee’s Knees.
Sem ovos também se fazem omeletes
Está prestes a chegar ao mercado e já tem clientes interessados na Europa, em África, nos EUA e no Brasil. Trata-se de um ovo totalmente vegetal, que resultou da pesquisa desenvolvida no Centre for Food Education e Research, localizado em Alcobaça, entidade que se dedica à área da investigação e do desenvolvimento alimentar, um produto que “deverá ser lançado em Setembro ou Outubro”.
Esta é a expectativa de Daniel Abegão, administrador deste centro e também sócio-gerente da Plantalicious, empresa que entretanto formou com Mayla Araújo, para fazer chegar ao mercado este e outros alimentos de origem vegetal. O objectivo é obter “um produto 100% vegetal e 100% natural, sem corantes nem conservantes, que mimetiza o ovo de galinha, no seu sabor, aparência e nutrição, em termos de proteínas e minerais”, explica Daniel Abegão.
Os Happinneggs (uma junção de felicidade e ovos) serão comercializados em estado líquido, congelados para serem confeccionados na hora, em molhos, omeletes ou produtos de pastelaria, exemplifica o sócio-gerente. Estes ovos são feitos à base de proteínas vegetais de arroz, ervilha e feijão de soja, aos quais são adicionados alguns temperos, refere Daniel Abegão, adiantando que o objectivo da sua empresa é continuar a explorar a gama de ovo, com produtos prontos a consumir, havendo ainda interesse em apostar também no desenvolvimento de artigos vegetais parecidos com a carne e com o peixe.
Daniel Abegão explica que o mercado dos produtos vegan tem cada vez mais maturidade e que, só em Portugal, haverá mais de um milhão de pessoas que fazem do vegan e do vegetarianismo o seu estilo de vida. “É uma tendência que veio para ficar” e por isso vale a pena apostar na diversidade da oferta, considera o empresário.
“Com diminuição do consumo de água, em relação ao ovo convencional e menor pegada de carbono, durante a sua produção, o ‘ovo’ vegetal está alinhado com a visão de produção industrial mais sustentável e com as exigências de um consumidor veggie e aqueles mais sensíveis às questões ambientais”, salienta Daniel Abegão.
A criação de um produto que é análogo ao ovo da galinha foi inspirado no crescimento do mercado vegan a nível mundial, frisa ainda Mayla Araújo. “As alternativas plant-based são uma tendência progressiva na economia mundial. Após pesquisas de mercado, percebemos que existia uma lacuna no mercado português. Vegetarianos, veganos ou mesmo pessoas com alergias a ovo, não tinham opções no mercado. Então, procuramos criar um produto com valor organoléptico mais próximo ao ovo da galinha, sendo atraente a todos os paladares”, expõe a investigadora.
Biscoitos com limão e chocolate para apreciar sem culpa
A pastelaria e padaria Brisanorte, de Leiria, lançou em 2018 a marca More Bites. À época, o objectivo era satisfazer o mercado com produtos sem glúten, porque não existia muita oferta deste tipo, recorda Sandra Sousa, responsável pelo projecto. “Começámos por produzir pão artesanal, biscoitos e a confeccionar refeições também sem glúten, disponibilizadas na loja More Bites, de Leiria. Depois, adaptámo-nos às solicitações dos clientes e fizemos também produtos vegan. É o caso dos nossos biscoitos de limão e de limão com pepitas de chocolate, que vendemos na loja da marca, em Leiria, também em Caldas da Rainha, através de uma parceria, e pelo resto do País, sob encomenda”, explica Sandra Sousa.
Além destes biscoitos, a loja More Bites confecciona também outros artigos de pastelaria vegan, personalizados ao gosto do cliente, como são os bolos veganos de aniversário ou de casamento, salienta Sandra Sousa, notando que este é um mercado que tem margem para crescer.
Hambúrgueres, massa, sopa e patê de algas
Da investigação realizada no Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) do Politécnico de Leiria, sediado no edifício Cetemares, em Peniche, têm resultado alguns produtos vegan, estando, inclusivamente, alguns deles em vias de ser produzidos e lançados no mercado. Entre os produtos mais recentes, explica Filipa Pinto, investigadora do MARE- Politécnico de Leiria, estão os hambúrgueres de algas, que começaram a ser desenvolvidos em 2020 no âmbito do projecto ProReMar (Produtos Alimentares com base em Recursos Marinhos, co-financiado pelo Programa Operacional Mar2020), cujo objectivo é a valorização de recursos marinhos locais.
Filipa Pinto salienta que estes hambúrgueres foram desenvolvidos com recurso ao chícharo e à alga Palmaria palmata (vulgarmente apelidada de “Dulse”), de forma a introduzir junto do consumidor português, ainda pouco familiarizado com este ingrediente marinho, uma nova alternativa “saudável e sustentável”, que se encontra naturalmente na nossa costa, podendo também ser produzida em aquacultura.
Este produto ainda não foi colocado no mercado, mas o objectivo é captar o interesse dos consumidores para esta alternativa vegan. Pelos laboratórios do Cetemares foram passando ainda outros produtos alimentares vegan, como os patês, as massas alimentícias ou as sopas, todas elas produzidas à base de algas, nota Filipa Pinto.
Uma outra proposta de desenvolvimento de artigos veganos estende-se à cosmética, acrescenta Alice Martins, também ela investigadora do MARE- Politécnico de Leiria. Encontra-se em fase de estudo, por exemplo, a utilização de extratos de macroalgas em formulações cosméticas/dermatológicas, com propriedades antioxidantes, antiinflamatórias, cicatrizantes e antienvelhecimento, na expectativa de que daí possam resultar cremes, loções, sabonetes e champôs vegan.
O processo é complexo e envolve várias fases, mas até agora os resultados obtidos em ensaios in vitro têm sido muito satisfatórios, realça Alice Martins.
Cosmética artesanal que respeita a pele, a flora e a fauna
Celine da Bernarda, de Leiria, é gestora de clientes numa empresa de contabilidade, mas ocupa os seus tempos livres numa actividade que descobriu depois de ter filhos. “Já utilizava produtos biológicos há muitos anos, mas a certa altura percebi que, mesmo assim, continuava a ter a casa-de-banho cheia de recipientes de plástico”, recorda.
Depois de fazer várias formações e experiências, para perceber as sinergias dos óleos essenciais e como se ajustam a cada tipo de pele, começou a desenvolver os seus próprios sabonetes, champôs sólidos e cosmética natural, totalmente vegan, que “são de origem vegetal, que não resultam da crueldade para com os animais, que utilizam embalagens de vidro e assentam numa cultura sustentável, até pelo respeito do ciclo das plantas que os compõem”, esclarece.
Os próprios boiões podem ser devolvidos, garantindo assim um desconto na próxima compra, de modo a promover a sua reutilização, salienta.
Celine da Bernarda começou por fazer estes produtos para si mesma e para oferecer aos amigos. Mas rapidamente outras pessoas começaram a solicitar estes artigos e hoje, sob a insígnia Be Nice, Celine já aceita encomendas de vários pontos do País. Azeite, óleos de rícino e de amêndoas doces, argilas naturais, ceras de soja ou de azeitona compõem os seus produtos, onde a pesquisa tem sido constante. O champô sólido é a sua inovação mais recente.
Sapatihas de cannabis, um sucesso internacional
Bernardo Carreira, de 28 anos, é CEO da 8000Kicks, empresa de Mira de Aire que se dedica à produção de sapatilhas e de acessórios feitos à base de fibras de cânhamo, artigos 100% vegan, que têm sido um sucesso por todo o mundo.
A ideia de produzir calçado com este material surgiu há poucos anos e foi com a ajuda da sua avó, septuagenária experiente em têxteis, que o jovem empreendedor testou vários tipos de fibras de cânhamo e desenvolveu inúmeros protótipos. Actualmente, a 8000Kicks exporta 70% do que produz para os Estados Unidos, onde é já “número um neste tipo de artigo”, mas também para o Canadá, Austrália e Europa, salienta Bernardo Carreira. Os produtos são “100% vegan”, na medida em que até a cola utilizada é feita à base de água, especifica o jovem empresário.
Depois do calçado, a 8000Kicks lançou também máscaras, mochilas, bonés e começará, no final do ano, a entregar capas para computadores. “Estamos também a experimentar tecidos para vestuário, mas queremos manter o calçado como core business”, adianta o CEO. A 8000Kicks criou quatro postos de trabalho directos e subcontrata cerca de 50 colaboradores, tendo crescido 100% no ano passado.
Bernardo Carreira defende que o consumo de artigos vegan está longe de ser uma moda passageira.“As pessoas começam a perceber que é possível ter o mesmo produto, com design, a mesma durabilidade e qualidade sem ter de sacrificar nenhum animal”, observa o jovem empresário.