O mar não está famoso para a pesca. A direcção da corrente, a ondulação e até o vento estão a dificultar a actividade preferida dos domingos na foz do Rio Lis. Mas nem isso, nem o tempo encoberto, estragam a manhã.
Ali, na Praia da Vieira, no concelho da Marinha Grande, as pedras do paredão são o melhor banco, as canas transformam-se em confidentes e o mar faz companhia.
Sem hora marcada, os do costume vão-se encontrando. Trocam uns dedos de conversa, falam do tempo, perguntam pela família, partilham conquistas e às vezes até confidenciam os pesos da vida.
“A pesca é uma terapia”, traduz Manuel Marques. Veio espreitar os colegas. Já sabia que o mar “não estava grande coisa para a pesca”, mas cumpriu a rotina, na certeza que depois de almoço volta com a cana. “Posso não pescar nada, mas venho um bocadinho para aqui”, atira entre risos.[LER_MAIS]
Vive a poucos metros dali, começou a pescar em garoto, com o pai, dedicou muitos Verões à Arte Xávega – “no tempo em que não havia tractores e as redes eram puxadas pelos homens” – e agora entretém-se no paredão.
Com ele traz sempre “a cana, os anzóis, as amostras, os fios, as chumbadas e um casaquito ou um casacão dependendo do tempo”. E, claro, a certeza de como está o mar, o tempo e o vento.
“Qualquer dia é um bom dia para vir à pesca, se o mar estiver em condições, há peixe, se não estiver, venho só passar um bocadinho o tempo”, explica, fã de “apanhar de tudo o que vier”.
“O maior peixe que apanhei foi um robalo de nove quilos”, acrescenta orgulhoso, de sorriso arreganhado, sobre a sorte que ultimamente não lhe tem ferrado o anzol.
“Isto tem estado muito fraco de peixe, há muito tempo que não me lembro de um ano assim”, lamenta enquanto olha e aponta para os colegas com os sacos vazios, desconfiado que seja “por causa das obras nos molhos do paredão que enterraram o rio”.
“Agora parece que não há abrigo e o peixe não entra para o rio”, explica, antes de atender um telefonema da família a chamar para o almoço. Hoje não deve ser peixe.
O prazer de estar à beira-mar
Virado para a praia, e depois de falar com o Manuel, Carlos Soares, de 58 anos, insiste: “Eu gosto mais do mar assim, agitado, porque é quando há mais peixe”.
No entanto, o malote que trouxe continua vazio e vai ficando para trás à medida que salta de pedra em pedra à procura da sorte.
Umas vezes de pé, outras sentado, aproveita o tempo para meter a conversa em dia com os colegas… Mesmo que a cana teime em não pedir a recolha do anzol.
Este costuma ser o seu programa dos fins-de-semana, independentemente das condições do mar. Pega na scooter, carrega a mala, traz a cana e às vezes até a mulher aproveita para apanhar uns banhos de sol.
“Comecei a pescar com uns sete anos no rio Lis, em Leiria, bem perto de casa, depois comprei uma cana de mar e passei a vir para a Vieira porque ainda hoje acho que o maior prazer é estar à beira-mar, mesmo que não pesque nada”, confidencia, revelando que “as longas horas” a ver rebentar as ondas “dão para pensar em muita coisa”.
E talvez também tenha sido essa a ‘bóia’ de Honório Saco, de 68 anos, residente no Padrão, localidade do concelho de Leiria.
Do outro lado do paredão, sentado a olhar para o rio enquanto segura a cana, recorda que começou a dedicar-se a isto há pouco mais de uma década “pela diversão e para passar um bocado o tempo”.
O programa parece ser simples e agradável: “ao domingo venho aqui um bocadinho enquanto a mulher está na praia e com os pés na água, trazemos o almoço, comemos por ali, dormimos a sesta e assim passamos o resto do dia”.
Desta vez até gostava de ter ido ver o arranque da União de Leiria ao estádio, mas manteve o programa.
“Ainda não apanhei nada, só maresia e sol, mas gosto de estar aqui, pensa-se em tudo, falo com os peixes, o rio e o mar por isso vale sempre a pena”, conclui.
Passatempo de família
Na ponta do paredão, David e Noah colocam o isco no anzol. Pai e filho, com 50 e 11 anos, respectivamente, perderam-se pela Vieira nesta manhã.
São espanhóis e decidiram tirar uns dias para percorrer parte da costa portuguesa.
Começaram na Costa Vicentina, passaram por Peniche, conheceram a força do ‘canhão’ da Nazaré e preparam-se para seguir para o Porto. Numa autocaravana com a restante família, fazem pequenas pausas para pescar.
“Já faço isto desde pequenino e o meu filho também começou cedo, gosto de estar perto do mar e divertimo-nos muito juntos”, conta David enquanto observa o filho a lançar o isco. “Ele é muito melhor que eu porque é impaciente e está sempre a procurar novos lugares”, observa.
Sobre Portugal, acrescenta, “é mais fácil responder”. “Gosto de tudo neste País: o clima porque não faz tanto calor, a pesca, o mar, o vinho, a comida, é tudo bom”, atira, de sorriso rasgado, óculos coloridos e a pele bronzeada do Verão.
Forma de exercitar
Mas se no paredão a pesca se faz sentada, também há quem prefira correr a costa à procura de peixe.
“Há muitas formas de pescar, mas a pesca em movimento acaba por ser um desporto fantástico e para mim é uma paixão”, conta o leiriense Miguel Jesus, de 45 anos.
Desta vez não se aventurou pela marginal, porque o mar não o permite, mas costuma fazer isso com bastante frequência.
Pescador há 12 anos, também ele encontrou na pesca um refúgio para os momentos menos bons. “Costumo dizer que isto é o nosso psicólogo e psiquiatra”, atira entre risos.
Mas não gosta de ficar parado, como nos tipos de pesca ao fundo ou à bóia. “Gosto de fazer ‘Spinning’, a pesca em movimento em que fazemos quilómetros pelo areal e as rochas a atirar e tirar as amostras/ iscos artificiais para dentro do mar”, explica, sobre uma actividade que requer mais controlo das condições do mar.
Habituado a pescar sobretudo robalos, bailas e corvinas, mas por vezes também agulhas e cavalas, orgulha-se do peixe de quatro quilos e 70 centímetros que já apanhou.
“É uma adrenalina difícil de explicar. Estamos num ambiente tranquilo e sossegado, onde só se ouve o mar, e de repente um peixe deste tamanho ferra com uma força diabólica… é fantástico”, descreve sobre os dias que por norma terminam em convívio à volta da mesa com os amigos e a família.
E “a paixão é tão grande” que até já é administrador do Power Fishing, o grupo de redes sociais que conta com quase dois mil adeptos de pescar.
Mais aventureiros e com recurso a mais investimento, há ainda quem opte pela pesca lúdica em pequenas embarcações ou na versão submarina. Mas isso dará, certamente, outras histórias.