O calor que se fez sentir no último sábado convidava a um banho de mar. Mas no Reguengo do Fètal, na Batalha, a praia era outra. Um pouco por toda a aldeia, novos e menos jovens multiplicavam-se nos preparativos para a tradicional procissão dos caracóis, que, este sábado, voltará a sair à rua, num momento em que está em preparação a candidatura desta manifestação religiosa e das seculares festas em honra de Nossa Senhora do Fètal a património cultural imaterial.
Só que, até que os milhares de cascas de caracóis – entre 12 a 14 mil – se acendam este sábado e no próximo, iluminando as ruas e as escarpas da aldeia, “há muito a fazer”. “De uma forma ou de outra, todos colaboram, desde as crianças do infantário e da escola, passando pelos grupos da catequese, pelos moradores e pelos idosos do lar”, conta Fernando Lucas, presidente da junta, que nos guiou pelos vários pontos de trabalho em curso no último sábado.
A meio da tarde, no adro da Igreja Matriz começa a juntar-se o grupo responsável pelos preparativos da cozinha de um emigrante nos EUA, que virá para os festejos e que disponibilizou o espaço para servir de apoio ao arraial.
No morro do Santuário de Nossa Senhora do Fètal, Célia Mira e Albina Santos não têm mãos a medir, a colocar o pavio – cortado à medida pelos utentes do centro paroquial da freguesia – nas cascas de caracóis, que no dia da procissão serão enchidas com azeite. Antes, muitas delas terão ainda de ser ‘coladas’ com barro em estruturas que reproduzem moinhos, fachadas de igrejas, cruzes e outros símbolos religiosos.
Tiago Santos, que integra o grupo que está a montar essas estruturas, conta que o barro é oferecido por uma cerâmica, mas que antes era recolhido no Buraco Roto, a emblemática gruta da aldeia.
“Mudam-se os tempos, mudam-se as soluções”, constata o presidente da junta, explicando que também na recolha dos caracóis houve alterações, por força da maior dimensão que o evento ganhou.
Antigamente, os caracóis eram recolhidos nos campos, durante os trabalhos agrícolas, mas agora a maioria provém de unidades de produção destes animais. Depois, é necessário proceder à limpeza e preparação das cascas, que têm de ser colocadas a secar em terrados.
“Dá muito trabalho, mas o resultado compensa. É lindo”, diz Albina Santos, emigrante em França há quase meio século e que, “todos os anos”, vem com o marido ajudar e assistir à procissão.
A frequentar o 8.º ano da catequese, Rita Jorge, de 13 anos, destaca, precisamente, a agregação da comunidade local em torno desta manifestação religiosa e cultural como um dos aspectos mais importantes do evento.
“É uma forma de nos conhecermos, jovens e menos jovens, residente e emigrantes”, diz a rapariga, que faz parte do grupo encarregue da decoração de uma das encostas da aldeia.
“Se tudo correr como previsto”, nos dois dias da procissão – que este sábado desce do Santuário até à Igreja Matriz e no próximo dia 1 de Outubro faz o caminho inverso – as iluminações colocadas pelos jovens irão formar o logótipo da Jornada Mundial da Juventude 2023. “Fazia todo o sentido que esta fosse a nossa temática”, alega Rita Jorge, enquanto, ao lado, Patrícia Moreira vai, pacientemente, marcando os pontos onde serão pousadas as cascas.
“Dá trabalho, ficamos com dores nas mãos de carregar os baldes de areia, mas o resultado final vai deixar-nos orgulhosos. Estamos a dar continuidade a uma herança dos nossos antepassados”, reforça Rita. As festas começam, este sábado, com a celebração de missa às 20 horas.
Por volta das 21:15 horas, iniciar-se-à procissão, a partir do Santuário da Senhora do Fètal. Nesse momento, a iluminação pública é desligada e as cascas de caracóis são acesas, num espectáculo de luz e devoção, que durará “entre 20 a 30 minutos”.